Cinema

Uma questão essencial é se a arte, e o cinema especificamente, tem alguma função no mundo contemporâneo. Parece ser uma indagação sem sentido, mas a valorização da cultura de modo geral, por não ter uma avaliação quantitativa mensurável rapidamente, muitas vezes é vista como algo supérfluo.

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Aqueles que pensam assim precisam ser alertados que cada filme visto é uma lição de vida e de mundo. Trata-se de uma interpretação da realidade que conhecemos feita por um diretor e toda a equipe envolvida no processo de criação. Ver uma obra cinematográfica é penetrar ativamente nas dimensões simbólicas de outra dimensão.

Uma forma de conhecer um pouco de diferentes visões de mundo, de distintos países e culturas também é o cinema. Ouvir uma língua diferente e ver imagens surpreendentes nos faz entender melhor diferenças e encontrar nelas semelhanças da espécie humana, que residem na nossa capacidade de nos emocionar constantemente.

Ir ao cinema é fonte de sentimento, de reflexão, de criatividade, de acreditar na humanidade e também de conhecer o que existe nela de pior. Em todos esses movimentos, o que precisa ser preservado é a possibilidade e a liberdade de ver de tudo. Somente assim, pode-se ter um crescimento intelectual que torne a sétima arte fonte de crescimento intelectual.


Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Em época de amores pelas redes virtuais, o filme francês “Quem você pensa que sou”, de Safy Nebbou, é imperdível. Não há outra expressão melhor. A sempre excelente Juliette Binoche interpreta uma mulher de 50 anos que cria no Facebook o perfil de uma jovem de 25 anos. E se envolve em um complexo relacionamento com um rapaz dessa idade.

As suas certezas e inseguranças vêm à tona no momento em que o primeiro encontro pessoal se torna cada vez mais próximo e desejado pelo rapaz. Professora de literatura, consegue manipular bem as palavras e o discurso verbal, assim como a sexualidade ao se masturbar guiada pelas palavras do amado. Mas quando o virtual se tornar real?

O filme consegue tratar das questões envolvendo o que é falso e verdadeiro nos relacionamentos sob uma perspectiva direta. A protagonista busca apoio psiquiátrico e psicoterapêutico para lidar com suas contradições, mas as reviravoltas do roteiro apontam que, mesmo essa busca, pode ser vã quando sempre se procura manipular o outro.

A atualidade da temática torna a obra uma excelente maneira de pensar como os relacionamentos virtuais podem se se tornar reais – e como tudo pode mudar quando os elos virtuais são baseados em falsas evidências. E quando as ilusões criadas ganham status de verdade? Veja o filme para ter uma indagadora visão de uma situação que não é tão incomum assim.


Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

A tentação de qualquer comentário sobre o filme “Yesterday”, de Danny Boyle, é começar perguntando se é possível imaginar um mundo sem os Beatles e as suas composições. Mas a obra está muito além disso, pois trata, na verdade, de processo criativo e da importância dos mitos para a cultura contemporânea.

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A narrativa tem como eixo um apagão que faz com que sumam da memória coletiva não só os Beatles, mas também a Coca-Cola, Harry Potter e a banda Oasis. O protagonista, músico que tenta em vão conquistar o seu espaço, ganha a atenção da mídia justamente a apresentar ao mundo as canções do quarteto de Liverpool como se fossem suas.

O curioso é que não emplaca com facilidade. Demora a ser descoberto, mas, quando isso acontece, o sucesso mundial vem. E traz junto a solidão, a ganância e o afastamento do seu amor também. Nesse momento, é que a estória se torna mais cativante, pois o êxito, em suas várias facetas, apaga nele a luminosidade da amada, interpretada pela carismática Lily James.

Outro ponto essencial da obra é a presença do cantor Ed Sheeran, interpretando a si mesmo. O reconhecimento dele da sua inferioridade como compositor perante os Beatles é significativa, assim como os comentários da empresária do protagonista sobre o mundo da indústria musical e sobre a possibilidade de sucumbir perante a ganância do marketing.

O filme é muito mais que uma homenagem aos Beatles. Em sua essência está um romantismo que poucas obras contemporâneas contemplam. Existe uma percepção do mundo caracterizada pela convicção de que o mundo pode ser melhor ou pior de acordo com a leitura que fazemos dele.

Mais importante do que ouvir Beatles ou conhecer Harry Potter é definir os valores pelos quais a nossa existência é pautada. Essa característica intrínseca do ser humano de escolher seus caminhos é o maior patrimônio de cada um e nós – e precisa ser preservado acima de tudo, a cada instante, para a construção de uma sociedade melhor, onde, por exemplo, John Lennon, não seria assassinado.


Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Há 50 anos, o cineasta Joaquim Pedro de Andrade lançava “Macunaíma”, um marco da cinematografia nacional. Baseado no livro de Mário de Andrade, escrito em Araraquara, interior de São Paulo, o filme colocava concepções da estética tropicalista na telona de uma maneira criativa e engajada.

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Talvez a cena mais marcante seja a transformação do protagonista de preto em branco. Inicialmente interpretado por Grande Otelo, o “herói sem nenhum caráter” que protagoniza a obra ganha vida com Paulo José. Ambos conseguem levar ao público visões complementares de facetas históricas da discussão do que significa ser brasileiro.

Se o livro de Mario de Andrade já é um fascínio antropológico pela fusão de mitos e detalhes que se articulam numa narrativa breve, mas que mergulha em portas e janelas de distintas facetas nacionais, o filme apresenta aspectos mais politicamente engajados, mas igualmente densos na compreensão do sentido, ou falta dele, da essência do Brasil.

A discussão de livro e filme talvez sejam mais essenciais do que nunca, pois existe uma mescla de possibilidades tão grande, que qualquer resposta, por ser, é claro, simplista, pode parecer inútil, o que está longe de corresponder ao que precisamos. Se não for mantida a chama acesa da pergunta, corremos o risco de recebermos respostas prontas, o que é ruim para a cidadania nacional. Indagar sempre deveria ser nosso lema, como o diretor de Macunaíma propunha há 50 anos.


Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e pós-doutorando e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

Gênero suspense, mas sobretudo político: o belo filme 'Vermelho Sol' narra a vida numa província da Argentina nos últimos meses antes do golpe civil militar de 1976 que deixou 30 mil pessoas desaparecidas, ou seja: mortas

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Cena de "Vermelho Sol" (Divulgação)

Trata-se de um filme imperdível. Rojo (de 2018), forte título original, amenizado na tradução portuguesa para um poético Vermelho Sol, é de autoria de um jovem diretor argentino nascido em Buenos Aires, de 33 anos, Benjamin Naishtat, que desponta como um dos grandes cineastas do continente. Uma das mais belas produções do vigoroso e destemido cinema argentino atual, a sua estreia aqui, para as grandes plateias, chega num momento crucial, quando se está decidindo, no Brasil, qual projeto de governo, democrático ou mais uma vez autoritário, será implantado para se desdobrar pelas próximas décadas e até gerações.

Rojo fala justamente disto: o comportamento, os costumes em especial das classes médias, e os sinais sombrios (mas já tão evidentes, tanto no filme como no nosso cotidiano) que surgem em uma sociedade anunciando o período fechado de uma ditadura. O ovo da serpente flagrado justo no momento em que começa a se estilhaçar. 

A história, contada em roteiro brilhante de autoria do próprio Naishtat, é o retrato de um advogado bem sucedido da província (ele é o símbolo da própria Argentina naquele momento; 1975), homem rígido, conservador e de hábitos quase obsessivos, envolvido num incidente grave e inesperado, num restaurante onde aguardava sua mulher para jantar. 

Rojo pode ser visto como filme de suspense, como filme político ou como ambos. De suspense, com a entrada em cena, na sua segunda metade, do investigador, um tira que vem do Chile de Pinochet para elucidar o desaparecimento de um homem. 

E cinema político porque desde a sequência introdutória à narrativa, no tal restaurante, os símbolos e as chaves apontam na mesma direção: a violência subjacente que pode explodir a qualquer momento sob a capa do rame-rame provinciano, os enquadramentos de câmera assimétricos que chamam à hipocrisia de personagens em confusão; o rapaz do tal restaurante, de alcunha hippie, que xinga os fregueses de ''nazistas''; o espetáculo do mágico que faz pessoas desaparecer; a observação de um personagem: ''O país está na merda por causa de merdas como vocês''.

''O inimigo maior é um país sem Deus'', vitupera o detetive cristão chileno. E um jovem estudante explode em raiva, ciúme e ódio mortal. O advogado respeitável é um machista que maltrata a mulher sujeitando-a as suas vontades. 

O eclipse – ou a ditadura que está por vir – inspira o título do filme fotografado em tons rubros. O céu vermelho (de sangue?) se contrapõe ao sol. ''Mas será só por algum tempo'', diz um dos espectadores procurando acalmar os que se veem assustados com o início da escuridão temporária.

Secretas, sindicalistas, pequenos rufiões aproveitadores, e homens de bem armados são personagens que ensaiam e esquentam as turbinas para a nova sociedade que está por vir.

As declarações de paixão pelos Estados Unidos durante um show da turnê surrealista de caubóis americanos de passagem pela cidade. ''Estamos aqui selando o destino comum das nossas duas nações'', declara o político local a uma emissora de TV. 

E sempre os tons vermelhos se espraiando pela paisagem desértica e inóspita que abraça a cidade da província de Rio Seco onde se passa Rojo. Os mesmos tons de vermelho sangue – mas também de resistência - que assombraram a Argentina durante sete anos durante os quais mais de 30 mil indivíduos ''desapareceram''.

Rojo evoca lembranças do cinema de David Lynch e de Ceylan embora os filmes prediletos de Naishtat sejam os de Cassavetes, o Classe operária vai ao paraíso, de Petri e, sobretudo o filme de Carlos Echeverría, Juancomo nada hubiera sucedido, segundo ele, o melhor filme sobre terror de estado na América Latina. 

Esta semana, em entrevista concedida à jornalista Patrícia Faermann, Nahistat comentou: ''Eu acredito que o que acontece uma vez pode voltar a acontecer, sim. E existem muitas evidências a nível global de que há um retrocesso muito grande na intolerância e, nesse sentido, o Brasil é o maior exemplo, de até onde as coisas podem surpreender. Violência e intolerância são sinais de repressão''.

Vermelho Sol é uma produção Argentina, Brasil, Alemanha e França. Foi premiada no Festival de San Sebastian, na Espanha. Lá, ganhou Melhor Direção, Melhor Fotografia e Melhor Ator. O seu elenco é exemplar: Dario Grandinetti, Alfredo Castro, Andrea Frigerio, Diego Cremonesi. 

Um filme, repetimos, que não se deve perder.

Ao assistir a um filme, você já teve a impressão de saber o final? Isso não ocorre somente pela sua capacidade dedutiva, mas porque existem determinados padrões de produção de roteiros que inundam os grandes estúdios com a finalidade de garantir os seus lucros. Ou seja, os enredos simples e os personagens com os quais o espectador já está habituado garantem grande público — o que explica porque a franquia Velozes e Furiosos está na produção do seu 9° filme e a Marvel já lançou mais de duas dezenas de títulos desde 2007.

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Os filmes de franquia apresentam-nos os mesmos personagens em situações análogas, de modo que o maior atrativo para o público não é a narrativa, mas os efeitos especiais, quer seja a quantidade de explosões, os tiros ou malabarismos exibidos em tela da forma mais frenética possível. No entanto, nem sempre foi assim.

Quando o cinematógrafo foi criado pelos irmãos Lumière, os primeiros filmes registravam pessoas em situações cotidianas, antecedendo os documentários. As produções encomendadas por Thomas Edison eram filmadas em estúdios com atores provenientes do teatro, o que culminaria com as premissas do cinema ficcional, gênero que dominou as telas comercialmente em relação às obras documentais.

A partir daí, foi necessário aprender a contar histórias através das câmeras e dos processos de edição. O cineasta Jean Luc Godard chegou a dizer que “a câmera escreve”, o que torna possível aproximar o cinema das outras formas de contar histórias, tanto oralmente, como por meio da literatura. Nesse sentido, é possível apontar uma série de investigações provenientes das pesquisas literárias ou que dialogam com elas, influenciando as produções cinematográficas.

O livro O Herói de Mil Faces (por exemplo) do mitologista Joseph Campbell nos apresenta o conceito de “narratologia”, referindo-se ao estudo das narrativas de ficção e não ficção. Campbell identifica um padrão básico na composição das mitologias de diversas culturas, trazendo à tona a possibilidade de apoiar-se em determinados padrões para se contar uma história, o que influenciou os trabalhos de diretores como George Lucas e Francis Ford Copolla.  

Syd Field recorreu a ferramentas da narratologia para escrever livros como o Roteiro – Os Fundamentos do Roteirismo e Manual do Roteiro, apresentando à indústria fílmica o conceito de “paradigma”, que oferece certos padrões para se escrever um roteiro e definindo elementos essenciais, tais como a quantidade de atos e o tempo que o filme deve durar.

Agora sabemos porque somos capazes de saber o que acontecerá no final dos filmes a que assistimos. Minha crítica não está direcionada à narratologia, mas à falta de coragem de quem resiste em contar novas histórias ou contá-las fora dos moldes pré-estabelecidos, como fizeram o Cinema Novo no Brasil, o Neorrealismo na Itália ou a Nouvelle Vague na França.


Douglas Henrique Antunes Lopes é professor do Centro Universitário Internacional Uninter. Atua nos cursos de Filosofia, Serviço Social e Pedagogia, além do Curso de Extensão Cineclube Luz, Filosofia e Ação.

É oportuno rever o premiado filme 'A História Oficial' na mesma semana em que foi encontrada pelas Avós da Praça de Maio a 129ª criança roubada de pais militantes e sequestrada pela ditadura dos militares da Argentina

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A História oficial, de 1985, é um filme histórico.* Com o seu lançamento alavancado pelo Oscar que recebeu de Melhor Filme Estrangeiro no ano seguinte e pelo Globo de Ouro, também em 86, e com a Palma de Cannes e os prêmios ganhos em Berlim e na Itália, com ele o mundo conheceu – ou reconheceu – uma das mais cruéis práticas das ditaduras militares sul-americanas; no caso, a da Argentina: o sequestro de bebês recém nascidos, e de crianças e adolescentes filhos de militantes de esquerda presos, torturados e assassinados nas prisões ou fora delas, e daqueles que até hoje são cìnicamente enquadrados por muitos cidadãos autodenominados ‘de bem’, como desaparecidos políticos.

O filme de Luis Puenzo traz à lembrança mais uma vez essa história sombria numa semana mais que oportuna. O grupo incansável das Avós da Plaza de Mayo, de Buenos Aires, anunciou oficialmente, há quatro dias, a localização, na Espanha, da 129ª criança (uma moça) comprovadamente sequestrada logo após o parto da mãe, na prisão, que foi morta em seguida, e entregue para adoção a famílias sem filhos amigas dos torturadores e dos militares.

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Quando Puenzo imaginou fazer este filme a ditadura militar argentina dava os últimos suspiros. Ele trabalhava em publicidade, em Buenos Aires, porque deixara de fazer cinema. O regime, no entanto, caiu de podre pouco antes do diretor terminar de escrever o roteiro junto com a colega Aída Bortnik. 

Mas mesmo assim, em 86, quando entrou em cartaz, não escapou de forte reação dos homens de bem.

Uma das ações de oposição mais barulhentas se deu no âmbito da igreja católica. Boa parte do clero portenho foi cúmplice, por omissão e covardia, nos crimes de roubo de seres humanos denunciados em La historia oficial. Isto é apresentado claramente na famosa cena do padre que conhece o que se passou, mas silencia e não se comove com a angústia da mãe adotiva que havia passado a suspeitar da origem da filha e começa a buscar a verdade.

O personagem da mãe adotiva, Alicia, professora de História, uma conservadora, e inteiramente (e isso era possível?) alienada da situação política em seu país é interpretado com rara sensibilidade pela excelente atriz Norma Aleandro, uma das grandes intérpretes argentinas do período. Ela também foi premiada por este trabalho, em 86, no Festival de Cannes, com a Palma de Melhor Atriz.

Aleandro carrega, nesse seu trabalho irretocável, a representação simbólica da Argentina, da sua elite e da classe média do país entorpecida pela propaganda e convenientemente ocupada em tocar a vida para frente sem fazer perguntas. 

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É uma mãe adotiva que não coloca em questão a origem do bebê trazido para casa pelo marido, anos atrás, um homem de negócios estreitamente ligado ao poder e às cúpulas da ditadura. 

O forte poder de denúncia de A História Oficial vem de um roteiro enxuto e produtivo queinclui várias sequências documentais das primeiras manifestações das Avós da Plaza de Mayoque exigiam manter viva a memória dos filhos e começavam a longa espera para conhecer suas verdadeiras histórias e o seu destino. A professora começa a cruzar na rua, no seu cotidianocom os protestos do grupo.

Uma amiga de infância, Ana, ex-presa política, de volta a Buenos Aires depois de exilada; um professor progressista colega de escola, e uma das avós que participam das manifestações, interpretada pela excelente atriz Chela Ruiz, são os elementos que detonam as suspeitas de Alicia a respeito da origem da sua garotinha, Gaby.

(No início, as manifestações eram diárias e, depois, realizadas às quintas-feiras, mas durante o regime foram proibidas de cobertura pela mídia.)

A força maior do filme não vem de cenas de tortura com choques elétricos nem dos espancamentos habituais, mas do duro processo de conscientização assumido pelo país, pela massa da população, e do (re) conhecimento de um dos mecanismos mais sinistros para a manutenção da ditadura. 

A sua importância foi denunciar ao mundo o que estava acontecendo na Argentina, a existência das mães e avós da Plaza de Mayo. 

Para muitos críticos, e com razão, se trata do filme produzido na América do Sul acerca de nossas ditaduras militares, com maior poder de denúncia da engrenagem do regime.

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No final de A História Oficial , a menina Gaby canta baixinho para ela mesma: “No país do ‘não me lembro’, dou três passos e me perco”. Está dizendo que para a Argentina das novas gerações reencontrar o seu destino é preciso lembrar.

Voltando aos tempos de hoje: a neta número 129, de acordo com o portal argentino InfoBae, foi encontrada na Espanha. Exames de DNA confirmaram o parentesco com o pai e o irmão, que a procuravam “intensamente”, segundo as avós.

“Desta vez, trata-se de uma neta cujo pai sobreviveu à ditadura e tem irmãos”, disse o grupo. O último neto, o 128, foi encontrado em agosto do ano passado.

De acordo com estimativas da ONG, durante o regime militar as autoridades se apropriaram de pelo menos 500 bebês, muitos deles nascidos em centros de torturas, hospitais militares e delegacias.

*Filme disponível no catálogo da Netflix

As feridas da Segunda Guerra Mundial ainda estão abertas. Uma prova disso é o filme ‘Memórias da Dor”. Baseado no romance ‘A Dor’, de Marguerite Duras, e indicado pela França ao Oscar de Filme Estrangeiro de 2019, traz a escritora, interpretada de maneira excepcional por Mélanie Thierry, às voltas com episódios que mesclam ficção e realidade.

A narradora está à espera do retorno do marido, ativista como ela da Resistência francesa. O drama se instala porque ela não recebe notícias dele. E não está só nessa jornada. São milhares de pessoas sem informações de parentes, desaparecidos em campos de batalha ou de concentração.

Soldados franceses e judeus se igualam pela dor. Esse é o grande tema do livro e do filme. O diretor Emmanuel Finkiel consegue trazer para a tela o sofrimento da incerteza, da esperança e da ansiedade por se estar em busca de algo que nem sempre se deseja saber. Em muitas situações, a dor do desconhecimento pode ser melhor que a de se saber o que realmente aconteceu.

O filme trafega por esse universo com desenvoltura e tem, como um de seus pontos altos, a libertação de Paris pelos Aliados. A dor dos nazistas prestes a ser derrotados é mostrada de maneira poucas vezes vista no cinema, numa mescla de incredulidade com resignação. A agonia do existir e de conviver com a dor ganha uma dimensão épica, mas é mostrada em ações cotidianas com rara sensibilidade.

Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

A violência ganha dimensões das mais variadas em todo o mundo, sendo quase impossível ter informações das suas mais diversas manifestações. Em 22 de julho de 2011, por exemplo, um homem armado abriu fogo contra os participantes de um acampamento de jovens organizado pela juventude do Partido Trabalhista Norueguês.

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Foram momentos de terror para cerca de 500 jovens, sendo que 69 foram mortos. O filme norueguês ‘Utoya’, de Erik Poppe, reconta essa história numa tomada única feita em tempo real. Os personagens são fictícios, mas as situações de contato direto com a morte e de tentativa de fuga da ilha são infelizmente cruelmente reais.

O eixo central da narrativa é a jovem Kaja, vivida com raro talento pela atriz Andrea Bentzen. Ela conduz nosso olhar pelas crianças abatidas, pela necessidade de tomar decisões e pela busca de uma compreensão para o que estava acontecendo num cenário de terror entre crianças que oscilam entre a valentia, o pavor e a referência dos pais como porto seguro numa situação trágica.

Poucas vezes o cinema contemporâneo consegue tratar uma questão de tamanha seriedade e magnitude com precisão cirúrgica. Não há excessos, melancolia ou cenas fúteis. Os jovens apenas querem sobreviver. Cada um busca esse objetivo a seu modo, de maneira mais ou menos gregária de acordo com sua vivência e temperamento. Dói, mas ilustra bem o mundo contemporâneo, pleno de extremistas das mais diversas causas.


Oscar D’Ambrosio é jornalista pela USP, mestre em Artes Visuais pela Unesp, graduado em Letras (Português e Inglês) e doutor em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e Gerente de Comunicação e Marketing da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo.

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