As mentiras da História oficial

É oportuno rever o premiado filme 'A História Oficial' na mesma semana em que foi encontrada pelas Avós da Praça de Maio a 129ª criança roubada de pais militantes e sequestrada pela ditadura dos militares da Argentina

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A História oficial, de 1985, é um filme histórico.* Com o seu lançamento alavancado pelo Oscar que recebeu de Melhor Filme Estrangeiro no ano seguinte e pelo Globo de Ouro, também em 86, e com a Palma de Cannes e os prêmios ganhos em Berlim e na Itália, com ele o mundo conheceu – ou reconheceu – uma das mais cruéis práticas das ditaduras militares sul-americanas; no caso, a da Argentina: o sequestro de bebês recém nascidos, e de crianças e adolescentes filhos de militantes de esquerda presos, torturados e assassinados nas prisões ou fora delas, e daqueles que até hoje são cìnicamente enquadrados por muitos cidadãos autodenominados ‘de bem’, como desaparecidos políticos.

O filme de Luis Puenzo traz à lembrança mais uma vez essa história sombria numa semana mais que oportuna. O grupo incansável das Avós da Plaza de Mayo, de Buenos Aires, anunciou oficialmente, há quatro dias, a localização, na Espanha, da 129ª criança (uma moça) comprovadamente sequestrada logo após o parto da mãe, na prisão, que foi morta em seguida, e entregue para adoção a famílias sem filhos amigas dos torturadores e dos militares.

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Quando Puenzo imaginou fazer este filme a ditadura militar argentina dava os últimos suspiros. Ele trabalhava em publicidade, em Buenos Aires, porque deixara de fazer cinema. O regime, no entanto, caiu de podre pouco antes do diretor terminar de escrever o roteiro junto com a colega Aída Bortnik. 

Mas mesmo assim, em 86, quando entrou em cartaz, não escapou de forte reação dos homens de bem.

Uma das ações de oposição mais barulhentas se deu no âmbito da igreja católica. Boa parte do clero portenho foi cúmplice, por omissão e covardia, nos crimes de roubo de seres humanos denunciados em La historia oficial. Isto é apresentado claramente na famosa cena do padre que conhece o que se passou, mas silencia e não se comove com a angústia da mãe adotiva que havia passado a suspeitar da origem da filha e começa a buscar a verdade.

O personagem da mãe adotiva, Alicia, professora de História, uma conservadora, e inteiramente (e isso era possível?) alienada da situação política em seu país é interpretado com rara sensibilidade pela excelente atriz Norma Aleandro, uma das grandes intérpretes argentinas do período. Ela também foi premiada por este trabalho, em 86, no Festival de Cannes, com a Palma de Melhor Atriz.

Aleandro carrega, nesse seu trabalho irretocável, a representação simbólica da Argentina, da sua elite e da classe média do país entorpecida pela propaganda e convenientemente ocupada em tocar a vida para frente sem fazer perguntas. 

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É uma mãe adotiva que não coloca em questão a origem do bebê trazido para casa pelo marido, anos atrás, um homem de negócios estreitamente ligado ao poder e às cúpulas da ditadura. 

O forte poder de denúncia de A História Oficial vem de um roteiro enxuto e produtivo queinclui várias sequências documentais das primeiras manifestações das Avós da Plaza de Mayoque exigiam manter viva a memória dos filhos e começavam a longa espera para conhecer suas verdadeiras histórias e o seu destino. A professora começa a cruzar na rua, no seu cotidianocom os protestos do grupo.

Uma amiga de infância, Ana, ex-presa política, de volta a Buenos Aires depois de exilada; um professor progressista colega de escola, e uma das avós que participam das manifestações, interpretada pela excelente atriz Chela Ruiz, são os elementos que detonam as suspeitas de Alicia a respeito da origem da sua garotinha, Gaby.

(No início, as manifestações eram diárias e, depois, realizadas às quintas-feiras, mas durante o regime foram proibidas de cobertura pela mídia.)

A força maior do filme não vem de cenas de tortura com choques elétricos nem dos espancamentos habituais, mas do duro processo de conscientização assumido pelo país, pela massa da população, e do (re) conhecimento de um dos mecanismos mais sinistros para a manutenção da ditadura. 

A sua importância foi denunciar ao mundo o que estava acontecendo na Argentina, a existência das mães e avós da Plaza de Mayo. 

Para muitos críticos, e com razão, se trata do filme produzido na América do Sul acerca de nossas ditaduras militares, com maior poder de denúncia da engrenagem do regime.

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No final de A História Oficial , a menina Gaby canta baixinho para ela mesma: “No país do ‘não me lembro’, dou três passos e me perco”. Está dizendo que para a Argentina das novas gerações reencontrar o seu destino é preciso lembrar.

Voltando aos tempos de hoje: a neta número 129, de acordo com o portal argentino InfoBae, foi encontrada na Espanha. Exames de DNA confirmaram o parentesco com o pai e o irmão, que a procuravam “intensamente”, segundo as avós.

“Desta vez, trata-se de uma neta cujo pai sobreviveu à ditadura e tem irmãos”, disse o grupo. O último neto, o 128, foi encontrado em agosto do ano passado.

De acordo com estimativas da ONG, durante o regime militar as autoridades se apropriaram de pelo menos 500 bebês, muitos deles nascidos em centros de torturas, hospitais militares e delegacias.

*Filme disponível no catálogo da Netflix

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