São nos pequenos detalhes da vida que surgem os principais questionamentos. Comigo não foi diferente.
Era sexta-feira. Para variar um pouco, eu não havia obedecido aos ponteiros do meu relógio. Estava atrasado. Passei correndo na lanchonete para engolir um sanduíche antes de pegar a estrada. O lanche (talvez eu nunca me esqueça disso) custou R$1,50. Dei uma nota de dez reais.
- Não vou ter troco, moço. Pode pagar na semana que vem. Sem problemas.
Um bom exemplo de confiança na honestidade alheia. Confesso que achei tudo aquilo estranho, mas combinei de pagar na semana seguinte. Porém, fiquei a pensar... Vieram incontáveis deduções na minha cabeça.
“Poxa! Que confiança daquele vendedor em mim!”.
Pensamentos de egocentrismo (e modéstia também)...
“Minha honestidade deve ‘vazar’ pelos meus poros”.
Pensei assim.
“Talvez ladrões sejam feios e eu sou bonito”.
Continuei.
“Deve ser também por causa de minha camiseta recém comprada, toda novinha”.
Mas... os pensamentos começaram a tomar um rumo não muito digestivo.
“O vendedor deve ser gay e me achou lindo e gostoso – mesmo com os quilinhos a mais”.
Parei. E raciocinei novamente.
“Acho que o rapaz da lanchonete, na realidade, me deu o lanche, só que não quis dizer”.
Terrorismo.
“Melhor eu nem comer esse lanche. Deve ter alguma coisa aqui dentro”.
E a fome continuava.
“Os santos vão me proteger contra qualquer tipo de feitiço”.
E a seqüência de pensamentos não parava de chegar.
“Que estranho! Esse tipo de confiança quase não existe atualmente”.
E...
“Não adianta: deve ter algo nessa situação”.
Mais pensamentos.
“Eu estou comendo esse lanche e não paguei. Eu posso nunca mais voltar naquela lanchonete e a dívida, simplesmente, ser esquecida”.
Contraponto.
“Mas isso não é certo. Ele pode precisar do dinheiro um dia. O rapaz vive de vender sanduíches como este que estou comendo”.
Uma (quase) conclusão.
“Mas ele deve ser gay, só pode; honestidade está escassa nesses dias”.
A conclusão.
“Ele confia na honestidade das pessoas. Apenas isso”.
Na semana seguinte passei lá e paguei o que eu devia, como fora combinado.
Finalização.
São nos pequenos detalhes da vida que surgem os principais questionamentos. E também as conclusões. Comigo não foi diferente.