Já era quase noite, apenas traços do que foi um bonito dia de verão podia-se ver no horizonte.
Marcela, com as botas de borracha sujas de lama, chegou a casa, após mais um exaustivo dia de trabalho.
Seus dois filhos, Andrézinho e Raphaela, aproveitavam os poucos raios
de sol que ainda se faziam presente e brincavam animadamente no jardim
da casa.
Tudo corria normalmente...
Foi quando Marcela escutou gritos vindos do quintal e saiu apressada calçando apenas uma das botas.
Seu coração saia pela boca. O que estaria acontecendo com as crianças?
Acordou tonta, sem ao certo saber o que havia acontecido.
Seu olho esquerdo não abria, estava dolorido e inchado, seus lábios
sangravam, sua cabeça doía e as lembranças ainda atrapalhadas não
conseguiam identificar o que havia acontecido.
Ao seu lado jazia Andrézinho, caído de bruços, choramingando.
Raphaela chorava agarrada à sua boneca amiguinha.
Aos poucos, percebeu que não estava tendo um pesadelo, a dor que sentia era real, tudo era real.
Com dificuldades levantou-se cambaleando, Andrézinho, que chorava baixinho, foi ao seu encontro, Raphaela também.
A cena era de dar dó!
Já recomposta, embora com dificuldade e cheia de dores, pôde entender o
ocorrido, à sua frente estava de pé Diogo, seu ex-amor, ex-amante e
ex-marido.
Aquela cara de ódio já era sua velha conhecida.
Havia pouco menos de seis meses que o casal estava separado, eram
tantas agressões verbais, tantas humilhações e ameaças que o amor há
muito já não existia.
Marcela tentou falar algo, mas as palavras não eram ouvidas, era como se um vácuo tomasse conta de tudo ao redor.
Aquilo parecia uma eternidade! Que medo! Que nojo! Que arrependimento!
Aos poucos, mal refeita das agressões passou a mão pelo rosto inchado,
olhou para seus filhos ainda tão pequenos, mas já tão cheio de marcas,
cicatrizes, e traumas para tão pouca idade.
Andrézinho já completara dez anos, Raphaela ainda não tinha seis.
Andrézinho parecia um pequeno grande homem acariciando sua face, em seu rosto as marcas da agressão eram visíveis.
Como um homem a quem chamava de pai podia ter feito aquilo? Ele é apenas uma criança, pensou.
O rostinho do pequeno grande homem estava em um estado lastimável, seu
nariz havia sido quebrado e faltavam-lhe dois dentes ainda de leite.
Não haviam caído por força da mãe natureza, haviam sido arrancados por um furacão que outrora chamara de "pai".
Mais uma história estampada nas páginas de um boletim de ocorrência?
Não, aquilo não ficaria mofando na gaveta enferrujada de alguma
delegacia policial!
Não, não e não! Estava resolvido! Iríamos até as últimas conseqüências,
queríamos JUSTIÇA! Haveria alguma Lei que punisse aquele monstro, nada
de cestas básicas, nada de multas, isso era pouco, tinha que ter um
fim, quanta impunidade.
A Lei Maria da Penha já está em vigor
A Lei de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher foi sancionada
pelo presidente Lula, dia 7 de agosto, e receberá o nome de Lei Maria
da Penha Maia. "Essa mulher renasceu das cinzas para se transformar em
um símbolo da luta contra a violência doméstica no nosso país", afirmou
o presidente.
O projeto foi elaborado por um grupo interministerial a partir de um
anteprojeto de organizações não-governamentais. O governo federal o
enviou ao Congresso Nacional no dia 25 de novembro de 2004. Lá, ele se
transformou no Projeto de Lei de Conversão 37/2006, aprovado e agora
sancionado.
A ministra da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres,
Nilcéia Freire, acredita que o número de denúncias possa aumentar.
"Certamente , quando oferece a sociedade uma estrutura de serviços onde
as mulheres se sintam encorajadas a denunciar porque tem uma rede de
proteção para atendê-las, você aumenta a possibilidade de número de
denúncias", disse.
A Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres colocou à
disposição um número de telefone para denunciar a violência doméstica e
orientar o atendimento. O número é o 180, que recebe três mil ligações
por dia.
Art. 12. Em todos os casos de violência
doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência,
deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes
procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo
Penal:
I - ouvir a ofendida, lavrar o boletim de ocorrência e tomar a representação a termo, se apresentada;
II - colher todas as provas que servirem para o esclarecimento do fato e de suas circunstâncias;
III - remeter, no prazo de quarenta e oito horas, expediente apartado
ao juiz com o pedido da ofendida, para a concessão de medidas
protetivas de urgência;
IV - determinar que se proceda ao exame de corpo de delito da ofendida e requisitar outros exames periciais necessários;
V - ouvir o agressor e as testemunhas;
VI - ordenar a identificação do agressor e fazer juntar aos autos sua
folha de antecedentes criminais, indicando a existência de mandado de
prisão ou registro de outras ocorrências policiais contra ele;
VII - remeter, no prazo legal, os autos do inquérito policial ao juiz e ao Ministério Público.
§ 1º O pedido da ofendida será tomado a termo pela autoridade policial e deverá conter:
I - qualificação da ofendida e do agressor;
II - nome e idade dos dependentes;
III - descrição sucinta do fato e das medidas protetivas solicitadas pela ofendida.
§ 2º A autoridade policial deverá anexar ao documento referido no § 1ºo
boletim de ocorrência e cópia de todos os documentos disponíveis em
posse da ofendida.
§ 3º Serão admitidos como meios de prova os laudos ou prontuários médicos fornecidos por hospitais e postos de saúde.
Art. 20. Em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução
criminal, caberá a prisão preventiva do agressor, decretada pelo juiz,
de ofício,a requerimento do Ministério Público ou mediante
representação da autoridade policial.
Parágrafo único. O juiz poderá revogar a
prisão preventiva se, no curso do processo, verificar a falta de motivo
para que subsista, bem como de novo decretá-la, se sobrevierem razões
que a justifiquem.
A história aqui relatada é real, seus personagens são fictícios, Um
inquérito judicial foi instaurado, o processo transcorre em um dos Juizados Especial Criminal eleito
especialmente para julgar crimes de "Violência contra a mulher",
Marcela, Andrézinho e Raphaela, passados um ano, estão bem, as marcas
das cicatrizes quase já não são percebidas, restando às cicatrizes da
alma, um pouco mais difícil de curar.
• Um agradecimento especial a grande médica que cuida das cicatrizes da
alma, minha amiga, Dra. Ana Maria Rodrigues Alves Campitelli Simas.
Adriana De Cenzo
Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Outros artigos