Acredito que eu seja o único assessor de comunicação deste País que tenha abandonado a obrigação de monitorar cotidianamente o noticiário da mídia transnacional.
Mesmo assim não consegui fugir da realidade. Depois de cada noite de agonia levanto esperando que o novo dia seja o marco do fim de um longo pesadelo. Procuro retomar a rotina de um chefe de família normal, sendo feliz na realização das suas pequenas tarefas, a visita matinal à padaria, o reencontro com os amigos da comunidade, o prazer de alguns minutos jogando conversa fora, falando de futebol, gozando os flamenguistas, apesar de ser vascaíno, marcando uma gelada para o fim de semana.
Nem mesmo saio do prédio onde moro e recebo na cara o horror de mais uma desgraça. Uma vizinha conta à novidade da última noite. Um menino de 15 anos, que vimos nascer e crescer, um bom garoto, foi assassinado durante a madrugada por traficantes. Não foi só isso, uma quadrilha das favelas da periferia tomou conta do bairro e num audacioso “arrastão” arrombou as portas de dezenas de estabelecimentos comerciais fazendo a festa, roubaram de tudo um pouco, nem as igrejas escaparam da pesca criminosa.
Até chegar à padaria o noticiário aumenta. Dois outros jovens moradores, também durante a madrugada, morreram na BR quando voltavam para casa no fim de uma balada.
Na fila do pão, a grande discussão é sobre uma criança de dois anos, repito, DOIS ANOS, que conseguiu pegar a arma do pai e disparar contra ela mesma três tiros. Essa foi à história contada pelo pai ao delegado de polícia. Começo a acreditar que estamos chegando ao fim do mundo.
LICENÇA PARA MATAR
Todas essas tragédias e desgraças narradas não são privilégio do bairro onde resido, da minha cidade ou do estado do Espírito Santo, elas fazem parte da rotina da nação brasileira onde quer que estejamos.
No entanto, mesmo diante dos flagrantes de brutalidades quase animalescas, as ocorrências podem ser analisadas racionalmente, é possível identificar as causas e encontrar soluções.
Bem que eu gostaria de acreditar no que estou dizendo. Mas como acreditar se me deparo com homens outorgados dos poderes de estarem ACIMA DA LEI, e como nos filmes de aventuras sobre as ações de agentes secretos, recebem autoridade ilimitada e LICENÇA PARA MATAR.
Estou falando sim, como toda a imprensa nacional e internacional está comentando, sobre os crimes inimagináveis cometidos por dois promotores públicos, homens aos quais foi delegada a missão de fazer cumprir as leis e de defender a sociedade.
O primeiro promotor assassinou fria e covardemente, por motivos fúteis, um jovem de vinte e poucos anos, um quase adolescente com uma expectativa de vida maravilhosa.
Como posso admitir ser racional que uma discussão de rua, exija uma extrema demonstração de machismo, a execução do ofensor, sem lhe conceder a mínima chance de defesa?
Por que não posso dizer da minha indignação? Por que tenho que medir palavras para protestar contra a liberdade de um homicida, contra a vergonhosa blindagem que lhe é concedida impedindo que um assassino seja colocado atrás das grades.
No episódio mais recente, um motorista dirigindo em completo estado de embriagues, provoca uma colisão e a morte de três pessoas. Não sou eu quem afirma que o condutor estava bêbedo, foi o resultado dos exames de taxa alcoólica. A perícia também apontou, com todas as evidências e provas técnicas o culpado pelo acidente, pela tragédia.
O acusado foi conduzido (gentilmente) a uma delegacia para registro da ocorrência e tomada de declarações. Afinal, o motorista responsável, identificado pelos policiais que fizeram as diligências, era O HOMEM, um PROMOTOR DE JUSTIÇA, uma autoridade acima da Lei comum aos cidadãos brasileiros, um intocável.
A autoridade de plantão, o delegado, não pode fugir da imprensa diante da repercussão da notícia. Bastante constrangido em frente às câmeras de televisão, o entrevistado tentou explicar porque não prendia o “infrator”.
O pior dessa história de horror é que O INTOCÁVEL foi indiciado por homicídio culposo, ou seja, sem intenção de matar.
Como compreender a conclusão do delegado? Um homem culto, de bem com a vida, realizado, desconhece que direção e bebida não combinam? Não sabe que um carro conduzido por um alcoólatra é uma arma com bala na agulha e pronta para matar?
MEDO DOS HOMENS ACIMA DA LEI
Nos momentos que não posso escapar ao conhecimento do noticiário da imprensa, tenho percebido de forma clara e direta o medo dos editores de notícias e dos jornalistas em geral, todos procurando expressar a revolta da opinião pública, sem, no entanto, ter a coragem de cobrar o fim da impunidade legalizada com todas as letras.
Se ninguém fala, falo eu, temos que acabar com a Justiça de Funil, que é larga para alguns e estreita para a maioria dos cidadãos brasileiros. Temos que acabar com as leis protecionistas e discriminatórias que diferenciam o tratamento de criminosos da mesma espécie em função do status econômico e financeiro de cada um.
A pena do primeiro homicida blindado como HOMEM ACIMA DA LEI já está sendo cumprida. O réu continua recebendo religiosamente, sem trabalhar, os seus vencimentos, uma micharia, pouco mais de 28 salários mínimos. Também continua sem revogação a sua LICENÇA PARA MATAR.
Muito em breve terá a companhia do seu colega, também autor de homicídio culposo, ambos, autores confessos dos crimes dos quais são acusados, e aos parentes das vítimas só restará entregar a Deus a justiça que não será feita pelos homens.
NÃO POSSO ME DEIXAR VENCER PELO MEDO DOS HOMENS COLOCADOS ACIMA DA LEI, A LEI DEIXARÁ DE TER SENTIDO, OS DIREITOS SAGRADOS DA LIBERDADE SERÃO EXTINTOS, SEREI EU PRISIONEIRO E VÍTIMA PERPÉTUA DO ARBÍTRIO
Faço questão de assinar:
Paulo Roberto Carneiro.