Não obstante alguns avanços, essa política continua demonstrando que “remendos novos em panos velhos”, se necessários, são insuficientes para uma transformação do setor.
Abaixo, apresentamos sucintamente algumas rápidas avaliações dessa política.
Rio de Janeiro: o fato positivo foi a mudança nas ações de ocupação das favelas tendo em vista a ampliação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP). Antes, nas chamadas “reconquistas de território” pelo poder público, as incursões policiais causavam grande vitimização às comunidades. As últimas operações redundaram em intervenções bélicas sem derramamento de sangue. Isto foi possível devido à mudança na tática operacional, utilização mais eficiente de tecnologia e, principalmente, o convencimento do governo do Estado de que políticas de segurança exclusivamente truculentas não resolvem o problema da criminalidade. O ponto negativo é a falta de clareza dos dados de criminalidade no Rio de Janeiro, principalmente em relação às mortes violentas. O grande desafio: “depurar” as duas polícias, cujos contingentes ainda estão contaminados por muitos policiais corruptos e altamente violentos. As UPP’s são estratégias interessantes na renovação dos quadros policiais fluminenses, mas o sucesso dessa metodologia depende da firmeza do governo em expurgar os agentes corruptos e violentos das corporações. Não é nada fácil reformar as polícias.
São Paulo: os esforços do governo paulista nos últimos anos diminuíram fortemente a criminalidade violenta no Estado. Atualmente, alguns indicadores de crimes, como homicídios, colocam São Paulo no ranking dos estados menos violentos e mais eficientes no combate à criminalidade. Quais foram as estratégias adotadas pelo governo paulista para melhorar a eficiência da segurança pública? Ampliação e melhoria das ações policiais, com extensos investimentos em pessoal, inteligência e integração policial; políticas de prevenção focalizadas em bairros violentos das periferias das grandes cidades; grande investimento em ampliação e modernização do sistema prisional (o que é um problema para a gestão pública em médio prazo, dado que o gerenciamento desse sistema é altamente oneroso e complexo); melhoria e ampliação do sistema de medidas socioeducativas, com a construção de pequenos centros de internação, com pessoal qualificado. Restam dúvidas se o Estado tem o controle sobre o Primeiro Comando da Capital (PCC) na atualidade. Mas, se a análise ficar circunscrita a 2011, é imperioso reconhecer que o sistema de segurança pública paulista é o mais eficiente do Brasil.
Minas Gerais: este ano observamos uma espécie de “paralisia decisória” da Secretaria de Defesa Social (Seds) de Minas. Foi um ano ruim, inclusive pela falta de transparência e divulgação dos dados de crimes no Estado. O resultado da falta de governança da Seds pode ser assim sistematizado: (a) instituições policiais não conseguem superar os modelos tradicionais tanto de policiamento ostensivo, quanto de policia judiciária – o que poderia explicar os óbices para uma efetiva integração policial no Estado; (b) sistema prisional que, não obstante os investimentos em ampliação de infraestrutura e de recursos humanos, ainda está fundado na contenção dos detentos, com poucas condições objetivas de reinserção social dos presos; (c) política de enfretamento das drogas é insuficiente, desarticulada e não responde à complexidade do tema; (d) Defensoria Pública tem sua ação limitadíssima pelo escasso número de servidores e alcance de suas ações; (e) baixa eficiência dos mecanismos efetivos e autônomos de controle externo das ações policiais; (f) falta de transparência dos dados de segurança pública; (g) ausência de participação social nos mecanismos de gestão e controle da política de segurança. Para agravar a situação, tivemos cortes no orçamento da segurança pública. Resultado: em algumas regiões, como a metropolitana de Belo Horizonte, teremos aumento nos indicadores de crimes violentos, principalmente homicídios, em relação a 2010. Algo extremamente preocupante é o aumento das denúncias envolvendo violência policial em 2011.
Interiorização da violência: com a expansão do tráfico de drogas para o interior do Brasil (em boa medida devido ao aumento do poder aquisitivo das pessoas nas cidades médias e pequenas), e tendo em vista que o sistema de segurança no interior do Brasil é mais frágil que nas áreas metropolitanas, tem-se percebido um aumento de crimes nessas cidades. Isto demandará mais eficiência do sistema público de segurança. Porém, é bom lembrar: o combate ao comércio de drogas não se dá exclusivamente com ações de repressão policial. É preciso melhorar a efetividade das polícias, mas é fundamental que outras ações de prevenção sejam articuladas com as ações policiais. Ademais, cada vez fica mais latente a necessidade da participação dos municípios, principalmente nas políticas de prevenção ao crime e na melhoria da rede de atendimento aos usuários de drogas.
Onda de crimes no Nordeste: se no Sudeste (que concentrava altas taxas de crimes violentos) há uma tendência de controle dos crimes violentos, a situação no Nordeste é péssima: os indicadores de criminalidade em várias cidades daquela região aumentaram absurdamente em 2011. É preciso dizer que o Nordeste sempre teve indicadores altos de crimes. Mas, com a expansão do tráfico de drogas, a situação piorou muito. Alguns Estados, como Pernambuco, têm tentado reestruturar a segurança pública, com relativo sucesso. Noutros, como Alagoas, a situação é dramática. Enquanto mantivermos a constitucionalização das polícias (as leis sobre segurança, nos três planos federativos de governo, devem estar em conformidade com a Constituição Federal, assim como as respectivas estruturas administrativas e as próprias ações concretas das autoridades policiais, conforme artigo 144, da Constituição Federal) – que impede uma reestruturação efetiva da segurança pública em cada Estado para responder às demandas locais –, continuaremos a assistir essa situação que está relacionada à questão dos dilemas do federalismo brasileiro.
Sistema de Justiça Criminal: impunidade e morosidade. Duas características do sistema de justiça criminal brasileiro, corroboradas pela baixa eficiência do Judiciário e do Ministério Público. Condenação de homicídios, por exemplo, tem taxa de resolutividade inferior a 15% dos crimes praticados. Não adianta apontar o dedo para as polícias, atribuir responsabilidades para as políticas sociais, delegar funções para os municípios, se o Judiciário e o Ministério Público não melhorarem sua eficiência e efetividade.
Gestão e investimentos federais: também em nível federal tivemos um ano ruim para a segurança pública. Praticamente, tudo ficou em “banho-maria” numa tentativa de rearranjos das ações do Pronasci (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania). Ademais, os contingenciamentos de recursos financeiros impactaram negativamente em várias políticas, principalmente no campo da prevenção criminal. Um amplo programa nacional de prevenção aos homicídios, preparado cuidadosamente durante o ano pela Secretaria Nacional de Segurança Pública, foi abortado de forma surpreendente. As notícias sobre o tema dão conta de que a presidenta Dilma avaliou que assumir essa tarefa seria de grande desgaste para seu governo. Lamentável… Registre-se uma melhoria significativa nas ações articuladas por vários órgãos federais para melhorar a vigilância das fronteiras. No final do ano, o Ministério da Justiça anunciou um pacote de boas novas, como a criação de um sistema nacional de estatísticas criminais e investimentos vultosos no sistema prisional. Agora, é esperarmos os resultados.
Crimes de trânsito: cada vez mais as mortes no trânsito se aproximam do número de homicídios no Brasil. Não adianta simplesmente medidas repressivas para conter os crimes de trânsito. Mas, como está, não dá para continuar… Motoristas que dirigem embriagadas, dopados, com veículos em alta velocidade e que oferecem risco a terceiros devem ser severamente punidos. Não se pode tolerar a banalização das mortes no trânsito. Há uma grande quantidade de mortes que não são resultados de acidentes. São verdadeiros homicídios.
Segurança privada: é muito estranho o fato de que a depreciação da segurança pública nos últimos anos, no Brasil, tem aumentado os lucros de uma indústria em franca expansão, a da insegurança e do medo. Ou ainda, de outra forma, a indústria da segurança privada. Será que as pessoas, individualmente, podem resolver os problemas da insegurança pública? Será que existe uma relação entre a deterioração da segurança pública e o vertiginoso crescimento da segurança privada?
As respostas para estas e outras perguntas são cruciais. Afinal, se queremos um país mais democrático, a segurança não pode continuar sendo tratada como o “patinho feio” das políticas públicas.
* Robson Sávio Reis Souza é associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Possui graduação em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, especialização em Teoria e Prática da Comunicação pela Universidade São Francisco, especialização em Estudos de Criminalidade e Segurança Pública pela Universidade Federal de Minas Gerais, e mestrado em Administração Pública, Gestão de Políticas Sociais pela Escola de Govereno da Fundação João Pinheiro (2003).
** Publicado originalmente no site Carta Capital.