Com a promulgação da Constituição Cidadã de 1988 no Brasil, a palavra cidadania passou a significar e a fundamentar a própria República (art. 1º, II), exprimindo, de certo modo, o exercício pleno de um sistema de direitos e garantias previstos no texto constitucional e, eventualmente, disciplinados ou regulamentados pela legislação inferior. Contudo, para a defesa e exercício integral destes direitos e garantias, a sociedade necessita de instrumentos, colocados a sua disposição, não apenas de maneira formal, mas, e principalmente, de forma efetiva, aptos à operacionalização pelo conjunto da sociedade, individual ou coletivamente.
Tratou, assim, o Constituinte Originário de estabelecer mecanismos para que estes direitos e garantias não fossem exercidos, nem tivessem como destinatários, apenas a casta abonada social, política, financeira e culturalmente. Para isso, com fundamento na dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), constitucionalizou-se o acesso à justiça e sua operacionalização aos necessitados através da Defensoria Pública, por seus membros, agentes políticos do Estado, uma Instituição especialmente dedicada a sua orientação e defesa jurídica (art. 134,caput), como forma de construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), independente de origem, cor, raça, posição social, gênero ou orientação sexual, convicção filosófica, política ou religiosa, idade, entre outros (art. 3º, IV).
É, portanto, o material humano da Defensoria Pública instrumento de realização do primado constitucional da igualdade de todos perante a lei, que se esforça para, da melhor forma possível, dada à ausência de sua devida estruturação, mostrar que sem o acesso à justiça aos necessitados, paz social é uma palavra despida de efetividade. E a paz interessa a todos.
A necessária valorização, na atualidade, é viabilizada por um atendimento digno prestado pelos defensores públicos, inseridos em uma verdadeira rede de cidadania, únicos capazes de liberta-se do senso comum para adentrar num mundo de sentidos, formado por pré compreensões, compreensões, interpretações e aplicações. O simples ato de protocolizar uma petição inicial apenas aumentaria o tamanho da parte submersa que um dia acabará por estourar e, provavelmente, prejudicar a vida em sociedade. Não se pode simplesmente diminuir a febre, mas tem-se que curar a infecção.
É o direito de ter direitos que a Defensoria Pública é capaz de efetivar; direitos estes protagonizados diariamente pelas relações vividas (e sofridas) por milhões de brasileiros. Se se é brasileiro tem-se direito ao Estado Democrático de Direito do qual constitui-se a República Federativa do Brasil. Tal democracia concretizada sedimenta o sentimento público e respeito ao Estado, capaz de firmar um crescimento nacional responsável.
O Brasil deve caminhar na efetivação desses direitos, e ao alcançar o cume, certamente estará acompanhado de uma Defensoria Pública forte, organizada, respeitada e acima de tudo, consciente da importância de seu papel no mundo contemporâneo.
Os Estados periféricos, entre eles o Brasil, apesar do desafio de uma economia globalizada e asfixiante pela fluidez dos capitais, que de tão sensíveis colocam em risco a estabilidade de países inteiros pelos simples boatos no meio dos investidores, tentam se mostrar competitivos na arena mundial e ao mesmo tempo conviver com cenários de exclusão social, econômica e cultural, com uma enorme parcela dos seus habitantes abaixo da linha da pobreza.
Essa indigência nos países, verificada inclusive nos chamados países em desenvolvimento, é a realidade que frente aos direitos fundamentais declarados em suas constituições promovem um fosso entre o real e o dever ser constitucional.
Como a nomeação irá impactar nos serviços ao cidadão?
A Defensoria Pública exerce um papel constitucional essencial na tutela e promoção dos direitos fundamentais de todas as pessoas necessitadas, pautando-se, inclusive, pela perspectiva da integralidade, indivisibilidade e interdependência de todas elas. De tal sorte, da mesma forma que a Defensoria Pública atua na tutela dos direitos liberais, articula-se também, e de forma exemplar, no sentido de tornar efetivos os direitos sociais, quais sejam, educação de qualidade; saúde acessível a todos, com os medicamentos previstos na ANVISA, mas muitas vezes não disponibilizados pelo alto custo, deixando o pobre morre à míngua, nas filas e corredores dos hospitais; garantir uma assistência social aos idosos, às crianças(estas, muitas vezes, como ocorre na região do sisal, deixa de estudar, brincar, para trabalhar), aos deficientes, aos índios, quilombolas; isonomia de tratamento às pessoas lésbicas, gays e transexuais; reduzir, quiçá acabar com a faxina étnica( mortalidade em massa de jovens, homens e mulheres negras em situação de cárcere). Bem como a proteção à mulher, vítima das mais diversas violências, considerando a Bahia hoje, de acordo com o Relatório da CPMI, presidido pela Senado Ana Rita do PT/ES, o sexto Estado com maior índice de violência, fazendo com que as medidas aplicadas aos agressores sejam efetivadas.
Nessa linha, com o surgimento dos direitos fundamentais de solidariedade, como é o caso da proteção do ambiente, automaticamente a tarefa constitucional de zelar pelos direitos ecológicos também é atribuída à Defensoria Pública, em razão de que à população pobre também deve ser garantido o desfrute de suas vidas em um ambiente saudável, equilibrado e seguro; e, portanto, digno.
Enfrentando as dificuldades de uma instituição nova e ainda em processo de consolidação, a Defensoria Pública vem cumprindo com muita dificuldade sua missão constitucional, principalmente no Estado da Bahia, face ao irrisório número de defensores públicos.
Logo, com a nomeação dos aprovados irá interiorizar os serviços públicos em todo Estado, garantindo, assim, de forma ousada, porém eficaz, mesmo nos marcos da cidadania burguesa, a participação popular e o acesso aos meios institucionais de defesa e proteção social, e, também, como meio educativo, eminentemente preventivo, buscando reduzir a ignorância que acomete à maioria da população no que toca o conhecimento de seus direitos.
A educação em direitos consubstancia uma das principais metas de uma autêntica Defensoria Pública. Isso porque, como já mencionado, a cidadania é, antes de tudo, o direito a ter direitos, e certamente só se torna possível com a conscientização das pessoas acerca de seus direitos, inclusive os novos (consumidor, ambiente).
Interessante destacar que, à primeira vista, a educação em direitos ligar-se-ia ao ideal de resolução pacífica dos conflitos, ou seja, retirando-os da órbita do Poder Judiciário, o que só pode ser praticado se os protagonistas da discussão conhecessem e entendessem os direitos que têm, bem como o significado social de suas limitações. Para se alcançar tal escopo, bastaria a criação de canais de comunicação destinados a informar à população necessitada sobre a existência de direitos que possuem e dos respectivos meios de sua efetivação (como ações judiciais, pleitos administrativos e mediação de conflitos). Porém, esta não é, nem de longe, a realidade da sociedade brasileira. Ao contrário, a população, em sua maioria, por diversas razões, desconhece seu direito de ter direitos, o tangível exercício da cidadania.
Tal Instituição Pública não é abstração desligada da história, mas, assim como o Direito, é um produto da cultura. Logo, não faz sentido fechá-la dentro de um círculo anacrônico e inflexível de atribuições, carregado de individualismo, e continuar restringindo sua atuação à defesa processual dos hipossuficientes econômicos. Logo, a Defensoria Pública é uma das funções essenciais da justiça, pois através dela se descobriu o significado oculto há muito tempo, não manifesto, não só de um texto (estrito senso), mas também, da linguagem do real papel e importância do defensor público na solução dos conflitos e anseios sociais, não confundindo com o “advogado de graça”, “advogado de pobre”.
Quantos aprovados ainda estão aguardando a nomeação e quando aconteceu o concurso para Defensor Público?
Há, atualmente, cerca de 25 (vinte e cinco) aprovados esperando nomeação no VI Concurso Público de Ingresso na Carreira de Defensor Público do Estado da Bahia (APÓS DESISTÊNCIAS DE OUTROS APROVADOS E POUCOS NOMEADOS APENAS), realizado no ano de 2010 e, homologado em junho de 2011, prorrogado em 18 de julho do corrente ano.
Ou seja, dos 160 aprovados no certame em tela, há apenas um número pequeno a espera da vontade política do Estado e da Instituição, para exercer com afinco sua função, uma vez que, poucos foram nomeados e, muitos já desistiram e partiram para outras carreiras, fato que contribui ainda mais para o déficit de profissionais no Estado, que atualmente é o terceiro pior do Brasil, apesar de possui uma das defensorias mais antigas. Há, dos 417 municípios, apenas 22 possuem defensores públicos. Muitos aprovados vocacionados pela Defensoria Pública tiveram que optar pela Magistratura e pelo Ministério Público, por exemplo.
O concurso da Defensoria da Bahia foi realizado em 2010 e nós já estamos em 2014 e ainda não há previsão para nomeação de todos aprovados. A Bahia precisa no mínimo de 1.239 defensores públicos para atender a população de forma qualitativa, e não há. Hoje, nós temos um quadro de mais ou menos 225 defensores públicos. Nós temos 700 juízes, 600 promotores. Ou seja, um tripé: o Poder Judiciário, o Ministério Público, que acusa, e, para defender o pobre carente, nós não observamos isso.
Para defender o pobre carente, nós não observamos a mesma paridade de armas. Há uma lei que já prevê 593 cargos públicos e tem uma lei em andamento que é para aumentar o número de cargos. Logo, nós temos cargos vagos. Falta tão somente a motivação política e nossa nomeação e discernimento pelo Poder Público do real papel de um defensor público: agente de transformação social!
Quanto em investimento seria necessário para que a nomeação dos aprovados no concurso se torne realidade?
Nós fizemos uma pesquisa e a nomeação de 53 pessoas vai equivaler em mais ou menos 0,03% do orçamento do Estado. Ou seja, absolutamente um nada, da felicidade que nós levaremos a milhões de baianos. Nós temos 70 mil baianos para um defensor público. No sudoeste do estado, em Barreiras, que tem presídio, não tem Defensoria Pública. Nós estamos, mesmo, em um estado crítico no Poder Judiciário.
Em verdade, o que mais assusta o Estado da Bahia é que, dos 28(vinte e oito) pontos de identidade, apenas 16(dezesseis) possuem defensores públicos e, ainda assim, apenas em um Município. Além da falta de defensores públicos, o órgão passa por alguma outra deficiência?
Discute-se muito a falta de estrutura física e de servidores públicos de apoio aos Defensores Públicos, mas de todos os males, a inexistência da pessoa de um Defensor Público em uma Comarca é um grave problema social, devido a impossibilidade de realização da atividade fim da instituição.
Como surgiu o Movimento Mais Defensores aqui na Bahia?
Este movimento surgiu em 2010, após a conclusão do concurso realizado para carreira de defensor público – o sexto concurso para ingresso na carreira inicial de defensor público da Bahia. Esse concurso foi homologado em julho de 2011. Como nós não vimos uma motivação política nem da própria instituição nas nomeações, começou o movimento de um grupo. Esse grupo, com o tempo, ficou um pouco desmotivado. Daí, tomei a frente, porque não é uma luta por corporativismo, por causa de um cargo, mas, sim, a luta para efetivar direitos fundamentais do Grupo Gay da Bahia, do movimento de lésbicas, dos deficientes físicos, do MML [Movimento Mulheres em Luta]. dos jovens, homens e mulheres; negros, vítimas de cárceres privados, onde a maioria, hoje, por causa de uma faxina étnica, sofre com a mortalidade em massa de jovens; dos idosos; das crianças que ainda vivem sem ter escolas, sem educação básica, mas que vivem do trabalho do sisal.
O Ministério Público tem como principal objetivo o interesse coletivo. Como o órgão pode ajudar a forçar a nomeação dos defensores públicos?
Sim, através da ação civil pública. Em algumas Comarcas baianas, a exemplo de Santo Amaro, uma Promotora de Justiça já entrou com uma ação civil pública para a nomeação de defensor público para o município e região. Não há defensor público em Santo Amaro e você vê que há um clamor, não apenas da população, mas do próprio órgão ministerial.
A Constituição da República em seu artigo 129, inciso III, atribui ao Ministério Público legitimidade, para ajuizar a Ação Civil Pública em proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos. Esta a redação do mencionado dispositivo:
"Art. 129 - São funções institucionais do Ministério Público:
I - ...
II - ...
III –
promover o inquérito civil e ação civil pública, para proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos." Ademais, também é disposição constitucional, materializada no artigo 127, caput, da Carta Política Brasileira, que o Ministério Público corresponde a "instituição permanente essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis".
Também a Lei n° 7.347/87, que disciplina a Ação Civil Pública, estabelece, em seu artigo 5º, que poderá o Órgão Ministerial, dentre outros agentes legítimos, ajuizar ação principal e cautelar para os fins de responsabilizar causadores de dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo.
In casu, a garantia de assistência jurídica integral e gratuita, por parte do Estado, encontra-se prevista no artigo 134 combinado com o artigo 5° , inciso LXXIV, ambos da Constituição da República, e constitui interesse difuso da sociedade, pela sua própria natureza: trata-se de previsão incluída dentre os Direitos e Garantias Fundamentais, constantes do Título II da Charta Magna
Uma situação como lamentável em que se encontra o Estado da Bahia, atenta contra, pelo menos, dois direitos fundamentais do cidadão, incluídos no Capítulo I, do Título II, da Constituição da República, antes mesmo do Título concernente à organização do Estado brasileiro, o que revela o grau de importância que o legislador quis conferir à matéria. São esses direitos, o acesso à Justiça, através da prestação integral e gratuita de assistência jurídica, a ser oferecida pela Defensoria Pública (art. 5º, inciso XXXV e LXXIV), e o respeito ao princípio da isonomia (art. 5 º, caput), aqui entendido como a garantia de que as partes não se encontrem em desigualdade, seja ela de natureza econômica ou, mais amplamente, de acesso aos meios disponíveis para obter a tutela jurisdicional.
A expressão ‘acesso à justiça’ é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico — o sistema pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual e socialmente justos. Assim, "a justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas pressupõe o acesso efetivo De fato, o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação. O acesso à justiça pode, portanto, ser encarado como direitos humanos — o mais básico dos direitos fundamentais — de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos.
Dessa forma, demonstrada a inércia do ESTADO DA BAHIA em suplementar o orçamento e da Instituição em cumprir com sua obrigação de nomear os aprovados, resta caracterizado o desrespeito ao direito constitucional do cidadão e do estrangeiro aqui residente em ter possibilitado seu mais amplo acesso à Justiça, razão pela qual urge a intervenção do Poder Judiciário no sentido de compelir o Estado e o Órgão a atenderem ao comando dos dispositivos legais multicitados.
E o relacionamento do Movimento com o Governo, como está? Há alguma agenda de reuniões?
O Governador da Bahia, durante todo o nosso movimento, nunca nos atendeu. Chocou-me bastante, entristeceu. Não vou também censurá-lo. Ele deve ter suas razões, mas acho que a razão maior é o povo e ele deveria entender que nós somos a voz do povo. Felizmente membros da Associação dos Defensores Públicos da Bahia – ADEP-BA, em reunião com o Governador Jaques Wagner, discutiram a falta de Defensores Públicos no Estado, inclusive deixaram uma lista com os aprovados que aguardam nomeações. O governador mostrou-se sensível à argumentação dos diretores da Adep-BA e pediu ao secretário de Administração para fazer o cálculo do impacto do acréscimo dos que faltam no orçamento. Estamos aguardando uma resposta do Executivo.