Mergulhado num misto de escândalos e corrupção por conta de sua mulher e filhos, pressões de militares sanguinários alinhados com as ditaduras na América Latina e subservientes às políticas de Washington em plena guerra fria.
O início da escalada de "Brasil ame-o ou deixe-o", da dívida externa e dos porões oficializados com os escrúpulos mandados às favas, síntese de Jarbas Passarinho, mas do que pensava todo o Ministério presidencial.
De registro positivo, se é que isso é positivo, a dúvida do vice-presidente Pedro Aleixo. Perguntado pelo ministro da Justiça (?) Gama e Silva, sobre o uso do documento pelas mãos "honradas" do presidente Costa e Silva.
"Sobre as mãos honradas do presidente eu não tenho dúvidas, mas tenho medo do uso que fará o guarda do quarteirão".
Pedro Aleixo acabou afastado no impedimento de Costa e Silva (doença), outro golpe dentro do golpe.
E sobre esse fato um tênue registro de resistência. O então governador de Minas, Israel Pinheiro ligou a Pedro Aleixo convidando-o a "venha para Minas e vamos resistir".
Nem Aleixo foi e nem Israel resistiu.
O ATO INSTITUCIONAL Nº 5 deve ter servido de base a George Bush para decretar o chamado ATO PATRIÓTICO que, entre outras coisas, permite prisão sem mandado, torturas para obter informações necessárias à segurança nacional, assassinatos de adversários e combatentes da resistência, começa ali um dos monstros gerados pelas ditaduras militares e sempre irradiados de Washington.
A famigerada Operação Condor. Junção do aparelho repressivo de Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e mais tarde (após a deposição de Salvador Allende) o Chile. Implantada através de uma estrutura de torturas, seqüestros, assassinatos, com cumplicidade das elites econômicas e veículos de comunicação (A FOLHA DE SÃO PAULO emprestava seus caminhões para a desova dos mortos nos quartéis e instalações do DOI/CODI).
Com o impedimento de Costa e Silva, vítima de um derrame (não se sabe se por conta das trapalhadas familiares - corrupção - ou das pressões sobre ele por militares da chamada linha dura, ou as duas coisas ao mesmo tempo, até porque não era santo e nem tinha escrúpulos), para não correr riscos de uma outra disputa dentro das forças armadas, os senhores da ditadura promoveram uma eleição farsa dentro dos quartéis em que Garrastazu Medice e Afonso Albuquerque Lima disputaram a "presidência" da República. Medice virou presidente e Albuquerque Lima ministro do Interior e depois nome de fábrica de café solúvel.
O AI-5 incorporou figuras tétricas como o delegado Sérgio Paranhos Fleury, da Polícia paulista a partir da OBAN (OPERAÇÃO BANDEIRANTES). Grupo repressivo organizado pelo dinamarquês Boilesen, empresário. Financiado por empresas como a Mercedes, grupos ligados à FIESP (FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DE SÃO PAULO), gerando filhotes em outros estados brasileiros, constituindo-se num esquadrão da morte sem precedentes em nossa História.
Fleury, quando recrutado para a repressão, respondia a vários processos por crimes os mais diversos, muitos assassinatos e isso valeu a chamada "Lei Fleury", que permitia a condenados responderem em liberdade enquanto não se esgotasse a via judicial de recursos. Nunca foi preso e morreu em condições misteriosas em sua lancha, em 1979.
O AI-5 garantiu a impunidade de assassinos como Brilhante Ulstra (coronel do Exército), Torres de Mello, Erasmo Dias (o primeiro general e o segundo coronel PM de São Paulo), permitiu toda a sorte de abusos e violências a partir do aparelho repressivo da ditadura.
Na Operação Condor, a colaboração e ação conjunta entre serviços de inteligência e repressão das ditaduras do chamado Cone Sul resultou no assassinato de figuras como o general Carlos Pratts (opositor de Pinochet), Juan José Torres (general boliviano e ex-presidente ligado a forças populares), Orlando Letelier (morto em New York pela polícia secreta de Pinochet, ex-chanceler de Allende) e centenas de outros resistentes. E até hoje suspeitas sobre as mortes de João Goulart e Juscelino, ex-presidentes do Brasil.
O major do Exército brasileiro Joaquim Pires Cerveira foi uma das vítimas de Fleury e da Operação Condor. Preso pelo delegado na Argentina foi levado para o Uruguai, trazido para o Brasil (São Paulo), onde foi visto por outros presos políticos, já torturado e semimorto. A ditadura nunca esclareceu o assunto e nos arquivos do DOPS (DEPARTAMENTO DE ORDEM POLÍTICA E SOCIAL) da capital paulista consta como "falecido".
O regime de terror gerado pelo AI-5 implantou a censura aos meios de comunicação, muitos eram parte do processo político vigente - GLOBO (todo o grupo), FOLHA DE SÃO PAULO, etc -, cinema, teatro, música, permitiu toda a sorte de estupidez comuns a ditaduras com requintes capazes de causar inveja a chefes de campos de concentração nazistas, fechou o Congresso e inaugurou uma longa noite de boçalidade que, na prática ainda não terminou.
A anistia concedida a presos políticos, exilados, absolveu também a torturadores e integrantes do aparelho repressivo. Essa mancha - entre muitas - permanece colada às forças armadas brasileiras.
Reagem até hoje a abertura dos chamados "baús da ditadura". Permanecem impunes.
E tanto quanto reação a eventuais processos contra torturadores, a de que a natureza do movimento de 1964 seja mostrada em sua plenitude. Um golpe de estado comandado por interesses de potência estrangeira (EUA) e um setor das forças armadas que bate continência para fora, para Washington.
Os documentos divulgados pelo site WIKILEAKS mostram que os norte-americanos até hoje consideram os militares latino-americanos (inclui os brasileiros, óbvio) "cooptáveis".
Documentos do governo dos EUA, trazidos a público no Brasil pelo jornalista Marcos Sá Corrêa, à época no JORNAL DO BRASIL, exibem a presença diplomática, militar e de um porta aviões no golpe de 1964. O comando coube ao general norte-americano Vernon Walthers. O grupo que tomou o poder reportava-se a Walthers, amigo de Castello Branco e mais tarde diretor da CIA - AGÊNCIA CENTRAL DE INTELIGÊNCIA -. Tinha a característica de falar português fluentemente.
Outra ação permitida pelo AI-5 foi ampliar o expurgo nas forças armadas. Militares comprometidos com a legalidade ou contrários ao regime foram expulsos, reformados e muitos perseguidos, presos e assassinados depois de torturados.
São fragmentos que se pega aqui e ali, na lembrança, de um período sombrio e brutal que o País viveu.
E muitos dos protagonistas estão aí, vivos, lépidos e fagueiros. José Sarney, presidente do Senado e ex-presidente do partido da ditadura a ARENA. É o exemplo pronto e acabado. Marco Maciel, ex-vice presidente de FHC. Hélio Costa, tradutor de Dan Mitirone, agente dos EUA na implantação da Operação Condor). Inúmeros.
Impunes e garantidos pela anistia uma legião de torturadores, eternos golpistas, sonhando novamente bater continência para Washington.
O AI-5 é uma história que a imensa maioria dos brasileiros desconhece e deve ser uma luta, o ato em si e todas as suas conseqüências, para revelar que 1964 foi um golpe de estado contra o Brasil e os brasileiros em função de interesses dos Estados Unidos. E 1968 a vitória da barbárie.
Como a dos desaparecidos na guerrilha do Araguaia, ou nas prisões do DOI/CODI.
Um tempo de horror, em que os golpistas mandaram o que nunca tiveram às favas, "os escrúpulos".