O pós lulismo como costumam dizer alguns cientistas políticos. Ou o lulismo sem Lula.
Há dois instantes nesse contexto, digamos assim. O primeiro deles o institucional, a necessidade de governar com aliados alguns deles incômodos e ávidos de parcelas do poder.
O segundo, o compromisso com mudanças estruturais necessárias, eu diria imperiosas, sem as quais os avanços políticos, econômicos e sociais acabarão por se transformar em pó.
O modelo de "capitalismo a brasileira" definido com precisão pelo secretário geral do PCB Ivan Pinheiro, é como que um castelo de areia, ou uma cartada em que se joga o tudo ou nada, à medida que depende de fatores externos e tem nas elites econômicas do Brasil, sobretudo latifundiários e grupos paulistas, uma forte torcida organizada pelo fracasso.
Não é hora de confrontos estéreis. Tancredo dizia que só se parte para o confronto quando se tem certeza da vitória, ou pelo menos do empate. O emaranhado institucional brasileiro, dividido em parcelas dos vários grupos que comandam o País, a herança da ditadura militar, tudo isso torna o caminho mais difícil e qualquer presidente que não tenha o carisma de Lula terá que negociar exaustivamente avanços efetivos e concretos, por exemplo, as chamadas reformas políticas.
A maneira como o STF - Supremo Tribunal Federal - conduziu a votação do projeto de Ficha Limpa, inconclusa e confusa é uma demonstração desse institucional que existe para confundir e não para acertar.
O que chamam de democracia no País é um tênue fio seguro por condições muito mais subjetivas que objetivas. O poder das forças golpistas, militares ou não está vivo e presente, não importa que em maior ou menor dimensão. A falta de um governo que avance e deixe espaço, esse espaço será ocupado por esses grupos que poderíamos chamar na velha classificação de direita.
Lula construiu uma aliança com parcelas do empresariado, da burguesia, em determinados momentos cedeu ao latifúndio, teve a sorte de pavimentar uma política externa conduzida por um chanceler ímpar na história do Brasil, Celso Amorim e o fato de Lula ser Lula.
Dilma vai precisar de ampla participação popular no processo de governo e as elites tomam isso como ameaça.
Do contrário cresceremos deformados. João Saldanha dizia que jogar sem pontas ou pelas extremas é abrir mão de parte do campo. Deixá-lo vazio, facilitar a tarefa do adversário. "É enviezar o campo".
Há desafios como a reforma agrária. As reformas politicas que em si permitirão a longo prazo enterrar parte das múmias que habitam a política brasileira (clãs como os Sarney, ou figuras patéticas como Itamar Franco).
Reformas constitucionais que garantam mudanças profundas no Poder Judiciário, na cúpula principalmente, hoje um arremedo do mínimo que se tinha em décadas passadas, dignidade.
No todo dar-lhe uma estrutura dinâmica. É paquidérmico. No próprio Poder Legislativo, em todos os seus âmbitos uma espécie de catedrais com sinos de madeira. Batem e não ecoam.
Ou quando ecoam é para exibir vísceras podres, carcomidas ou doentes por conta da corrupção. Não é nem de longe o problema Tiririca, se é que Tirrica é um problema.
As eleições de 2010 não foram diferentes das outras no que diz respeito aos temas religiosos. Exceto na intensidade. Setores da Igreja Católica Romana, cada dia sem o velho poder absoluto, empenhados em resgatar práticas e idéias medievais a partir de bispos com D. Luís Gonzaga Bergonzini que não hesitou em ir à prática da fraude para vender a idéia do grupo dominante no Vaticano, a OPUS DEI. O próprio papa, de origem nazista veio a público falar sobre o assunto.
Todo esse conjunto tanto tentava alavancar a candidatura de José FHC Serra como criar futuros problemas para a favorita Dilma Roussef, que acabou confirmando as previsões e se elegendo.
No meio de tudo isso, de todo esse processo de uma sociedade que entra no século XXI com niveis de crescimento econômico superiores a sete por cento, mas se mantém no século XIX no campo e em setores da cidade.
Vai caber a Dilma estender esse conceito de "capitalismo a brasileira" para fora dos limites definidos pela nova ordem econômica ditada a partir de Washington e aí, entra outro fator complexo, a integração latino-americana.
A única perspectiva de sobrevivência da América Latina como parte soberana e livre do mundo, distante da imagem de América LATRINA nos tempos da guerra fria, extensão dos território dos EUA.
Sem povo, sem os movimentos sociais, sem o comprometimento claro dos sindicatos e dos estudantes não se arrancará do Congresso uma única mudança efetiva e nem se jogará na lata do lixo o bolor capitalista entranhado em várias setores do Estado desde tempos imemoriais. Agravado com o tecnicismo do govero FHC, um disfarce para o entreguismo mais deslavado de nossa história.
Se Dilma compreender isso, seu passado de militante contra a ditadura militar a credencia, o caminho será difícil, mas passível de ser superado. Do contrário o castelo de areia rui na próxima eleição e volta tudo a ser como dantes no quartel do Abrantes.
E nem falei do desafio da mídia privada. Um debate fundamental e necessário, a ser feito longe das paixões estimuladas artificialmente pelos que controlam o setor e se arvoram em intérpretes dos sentimentos e anseios populares, quando na prática são anestésicos do debate político na presunção, por exemplo, de notório saber de tudo de jornalistas como William Waack, ou na falsa ironia de Jabor, pior, o cinismo de Bonner e o descaramento de VEJA, FOLHA DE SÃO PAULO, etc.
Uma orquestra montada para afinar interesses de donos e desafinar aspirações do Brasil e dos brasileiros.
Essa gente não tem nada a ver com o Brasil e os brasileiros, mas com os pútridos interesses que representam.
Dilma tem como desafios todo esse repertório e o dever de dar o passo seguinte.