CRIMES DA DITADURA CHEGAM A CORTE INTERAMERICANA DE JUSTIÇA

A Corte Interamericana de Justiça, em San José da Costa Rica, emitirá sentença sobre os crimes cometidos na ditadura militar até 21 de junho, tomando como base uma representação em torno da Guerrilha do Araguaia.
 
O documento que denuncia os militares brasileiros e questiona a impunidade dos repressores, o caráter abrangente da lei de Anistia, entre outras coisas trata da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade.
 
Ações organizadas de tortura (em todas as suas formas, inclusive estupro e assassinato) a partir de governos de força são crimes imprescritíveis segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, enunciada quando da criação da ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – e referendada por vários tratados internacionais de direitos humanos.
 
No Brasil, na prática, a lei de Anistia beneficiou apenas os torturadores, os assassinos da ditadura. A história desse período se mantém oculta e todas as violências cometidas só chegam ao conhecimento público através de denúncias e documentos esparsos, já que as forças armadas brasileiras, no seu núcleo, mantêm posição contrária a abertura dos chamados baús da ditadura.
 
A ação proposta à Corte Interamericana é contra o Estado Brasileiro, visto que, do ponto de vista jurídico, o Estado é responsável pela observância dos princípios internacionais – já que subscritor dos tratados e da Carta da ONU – dos direitos humanos.
 
A Corte está examinando o CASO GOMES LUND e outros versus o BRASIL. Foram mais de 70 detenções arbitrárias, tortura, execuções sumárias e desaparecimentos, isso no período compreendido entre 1972 e 1975 a partir de operações executadas pelas forças armadas do Brasil. O objetivo dessas operações era o de destruir um movimento de resistência à ditadura.
 
A negativa do Estado em entregar, mesmo solicitado reiteradas vezes, os documentos e informações sobre o paradeiro dos desaparecidos e desaparecidas, ou ainda de propor e iniciar uma investigação criminal para esclarecer esses crimes, determinando seus responsáveis, culpados, e puni-los, associada à recente decisão do STF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) legitimando a lei da Anistia, todo esse conjunto de fatores, incluindo aí numa perspectiva mais ampla a gênese do movimento militar que derrubou um governo legítimo sob influência e comando de potência estrangeira, transfere o caso para a esfera internacional.
 
Os antecedentes, tanto em relação a ditadores e torturadores na América Latina, levam a crer que a decisão da Corte deverá ser de condenação ao Brasil. Isso equivale a dizer que os responsáveis por esses crimes se saírem do Brasil podem vir a ser presos e julgados à luz da legislação internacional sobre direitos humanos.
 
As vítimas, os representantes junto à Corte Interamericana de Justiça, pedem a análise da lei da Anistia, que consideram “principal obstáculo à investigação e esclarecimento dos fatos”, do ponto de vista legal considerados “graves violações aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade”.
 
A Corte Interamericana analisará a Lei de Anistia, por ser esta considerada pelas vítimas como o principal obstáculo à investigação, ao esclarecimento dos fatos e ao julgamento de graves violações aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade cometidos durante o regime militar brasileiro.
 
A representação foi proposta inicialmente pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo e passou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), que sugeriu uma alternativa de acordo entre as partes, o que não aconteceu.
 
O Estado Brasileiro, coagido pelas forças armadas, recusou-se a negociar qualquer acordo que permitisse o conhecimento dos fatos.
 
A Comissão de Direitos Humanos da OEA entendeu que o Estado Brasileiro deveria adotar as providências necessárias para apurar os crimes de tortura praticados pelos militares, isso num relatório de 31 de outubro de 2008, determinou a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro pelos fatos, negou validade à lei da Anistia que extingue a punibilidade dos torturadores, tudo com base na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
 
Em março de 2009 a Comissão decidiu que diante da omissão do Estado brasileiro diante dos fatos, o assunto deveria ser, como foi, encaminhado à Corte Interamericana de Justiça.
 
A sentença será proferida após o exame da representação, dos crimes ali constantes, do depoimento de testemunhas tanto das vítimas da barbárie dos governos militares, como do próprio Estado Brasileiro e sendo condenatória expõe todos os envolvidos, os torturadores, à condição de criminosos contra a humanidade, passíveis de serem presos em qualquer parte do mundo.
 
A decisão do STF considerando válida em toda a sua integralidade a Lei de Anistia não exclui a sua apreciação por cortes internacionais, levando-se em conta que o Brasil é subscritor da Carta das Nações Unidas, da Carta da Organização dos Estados Americanos e dos tratados originais e subseqüentes que tratam da matéria.
 
Na prática não há como obrigar o Estado Brasileiro a punir os torturadores. Mas transforma-os em figuras sinistras, os chamados autores de crimes contra a humanidade. Existem exemplos de militares argentinos e chilenos presos no exterior por crimes semelhantes à época de semelhantes ditaduras em seus países, como a do próprio ditador Augusto Pinochet, detido por decisão da Justiça Britânica em território britânico por crimes assim.
 
O que isso tem de importância? Bom, pode-se responder como Stalin ao saber que o papa o havia excomungado, ou coisa que o valha – “quantas divisões tem o papa? – A exceção da guarda suíça nenhuma.
 
A luta pela abertura dos baús da ditadura é no entanto de suma importância em seu caráter político, seja para que se conheça o verdadeiro caráter dos militares que governaram o Brasil a partir do golpe de 1964, seja para que as famílias de desaparecidos, com toda a certeza assassinados pelos esbirros da ditadura, tenham conhecimento do que aconteceu a seus entes, para que sejam divulgados amplamente os nomes desses criminosos (ocultos em patentes de coronéis, generais, etc) e para que a História não sofra um corte provocado pela violência, pela truculência e pela intolerância de militares que transcende aos brasileiros. Mas é lamentável que assim o seja. Ou como disse um militar expulso do Exército por não aceitar tal tipo de prática – “isso não é o exército brasileiro, são marginais” –.
 
Essa história tem sido resgatada aos poucos. Em livros, filmes, documentários, mas é pouco ainda, até que sejam conhecidos os destinos dos desaparecidos e toda a boçalidade da ditadura.
 
E não é ter ou não ter divisões, como quis Stalin referindo-se ao papa. Transcende a uma frase de efeito. Marca a história de um povo, estigmatiza um setor do nosso País que se mantém alheio ao direito internacional e não se mostra disposto a abrir suas vísceras pútridas, mesmo se proclamando guardião da democracia e da liberdade.
 
Nem uma coisa e nem outra, mesmo porque o comando das forças armadas brasileiras continua sediado em Washington, no prédio do Pentágono.  
 
A decisão da Corte pode abrir precedentes para que horrores como a Operação Condor sejam analisados e julgados, já que a bestialidade militar se estendeu a toda a América Latina e o Brasil foi um dos centros de tortura.
 

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