O documento que denuncia os militares brasileiros e questiona a impunidade dos repressores, o caráter abrangente da lei de Anistia, entre outras coisas trata da imprescritibilidade dos crimes contra a humanidade.
Ações organizadas de tortura (em todas as suas formas, inclusive estupro e assassinato) a partir de governos de força são crimes imprescritíveis segundo a Declaração Universal dos Direitos Humanos, enunciada quando da criação da ONU – ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – e referendada por vários tratados internacionais de direitos humanos.
No Brasil, na prática, a lei de Anistia beneficiou apenas os torturadores, os assassinos da ditadura. A história desse período se mantém oculta e todas as violências cometidas só chegam ao conhecimento público através de denúncias e documentos esparsos, já que as forças armadas brasileiras, no seu núcleo, mantêm posição contrária a abertura dos chamados baús da ditadura.
A ação proposta à Corte Interamericana é contra o Estado Brasileiro, visto que, do ponto de vista jurídico, o Estado é responsável pela observância dos princípios internacionais – já que subscritor dos tratados e da Carta da ONU – dos direitos humanos.
A Corte está examinando o CASO GOMES LUND e outros versus o BRASIL. Foram mais de 70 detenções arbitrárias, tortura, execuções sumárias e desaparecimentos, isso no período compreendido entre 1972 e 1975 a partir de operações executadas pelas forças armadas do Brasil. O objetivo dessas operações era o de destruir um movimento de resistência à ditadura.
A negativa do Estado em entregar, mesmo solicitado reiteradas vezes, os documentos e informações sobre o paradeiro dos desaparecidos e desaparecidas, ou ainda de propor e iniciar uma investigação criminal para esclarecer esses crimes, determinando seus responsáveis, culpados, e puni-los, associada à recente decisão do STF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL) legitimando a lei da Anistia, todo esse conjunto de fatores, incluindo aí numa perspectiva mais ampla a gênese do movimento militar que derrubou um governo legítimo sob influência e comando de potência estrangeira, transfere o caso para a esfera internacional.
Os antecedentes, tanto em relação a ditadores e torturadores na América Latina, levam a crer que a decisão da Corte deverá ser de condenação ao Brasil. Isso equivale a dizer que os responsáveis por esses crimes se saírem do Brasil podem vir a ser presos e julgados à luz da legislação internacional sobre direitos humanos.
As vítimas, os representantes junto à Corte Interamericana de Justiça, pedem a análise da lei da Anistia, que consideram “principal obstáculo à investigação e esclarecimento dos fatos”, do ponto de vista legal considerados “graves violações aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade”.
A Corte Interamericana analisará a Lei de Anistia, por ser esta considerada pelas vítimas como o principal obstáculo à investigação, ao esclarecimento dos fatos e ao julgamento de graves violações aos direitos humanos e crimes de lesa-humanidade cometidos durante o regime militar brasileiro.
A representação foi proposta inicialmente pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), o Grupo Tortura Nunca Mais do Rio de Janeiro e a Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos de São Paulo e passou pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos), que sugeriu uma alternativa de acordo entre as partes, o que não aconteceu.
O Estado Brasileiro, coagido pelas forças armadas, recusou-se a negociar qualquer acordo que permitisse o conhecimento dos fatos.
A Comissão de Direitos Humanos da OEA entendeu que o Estado Brasileiro deveria adotar as providências necessárias para apurar os crimes de tortura praticados pelos militares, isso num relatório de 31 de outubro de 2008, determinou a responsabilidade internacional do Estado Brasileiro pelos fatos, negou validade à lei da Anistia que extingue a punibilidade dos torturadores, tudo com base na Convenção Americana sobre Direitos Humanos.
Em março de 2009 a Comissão decidiu que diante da omissão do Estado brasileiro diante dos fatos, o assunto deveria ser, como foi, encaminhado à Corte Interamericana de Justiça.
A sentença será proferida após o exame da representação, dos crimes ali constantes, do depoimento de testemunhas tanto das vítimas da barbárie dos governos militares, como do próprio Estado Brasileiro e sendo condenatória expõe todos os envolvidos, os torturadores, à condição de criminosos contra a humanidade, passíveis de serem presos em qualquer parte do mundo.
A decisão do STF considerando válida em toda a sua integralidade a Lei de Anistia não exclui a sua apreciação por cortes internacionais, levando-se em conta que o Brasil é subscritor da Carta das Nações Unidas, da Carta da Organização dos Estados Americanos e dos tratados originais e subseqüentes que tratam da matéria.
Na prática não há como obrigar o Estado Brasileiro a punir os torturadores. Mas transforma-os em figuras sinistras, os chamados autores de crimes contra a humanidade. Existem exemplos de militares argentinos e chilenos presos no exterior por crimes semelhantes à época de semelhantes ditaduras em seus países, como a do próprio ditador Augusto Pinochet, detido por decisão da Justiça Britânica em território britânico por crimes assim.
O que isso tem de importância? Bom, pode-se responder como Stalin ao saber que o papa o havia excomungado, ou coisa que o valha – “quantas divisões tem o papa? – A exceção da guarda suíça nenhuma.
A luta pela abertura dos baús da ditadura é no entanto de suma importância em seu caráter político, seja para que se conheça o verdadeiro caráter dos militares que governaram o Brasil a partir do golpe de 1964, seja para que as famílias de desaparecidos, com toda a certeza assassinados pelos esbirros da ditadura, tenham conhecimento do que aconteceu a seus entes, para que sejam divulgados amplamente os nomes desses criminosos (ocultos em patentes de coronéis, generais, etc) e para que a História não sofra um corte provocado pela violência, pela truculência e pela intolerância de militares que transcende aos brasileiros. Mas é lamentável que assim o seja. Ou como disse um militar expulso do Exército por não aceitar tal tipo de prática – “isso não é o exército brasileiro, são marginais” –.
Essa história tem sido resgatada aos poucos. Em livros, filmes, documentários, mas é pouco ainda, até que sejam conhecidos os destinos dos desaparecidos e toda a boçalidade da ditadura.
E não é ter ou não ter divisões, como quis Stalin referindo-se ao papa. Transcende a uma frase de efeito. Marca a história de um povo, estigmatiza um setor do nosso País que se mantém alheio ao direito internacional e não se mostra disposto a abrir suas vísceras pútridas, mesmo se proclamando guardião da democracia e da liberdade.
Nem uma coisa e nem outra, mesmo porque o comando das forças armadas brasileiras continua sediado em Washington, no prédio do Pentágono.
A decisão da Corte pode abrir precedentes para que horrores como a Operação Condor sejam analisados e julgados, já que a bestialidade militar se estendeu a toda a América Latina e o Brasil foi um dos centros de tortura.