A história das intervenções norte-americanas na América Latina,
notadamente na América Centra e na própria América do Norte remonta ao
século XIX. Estados norte-americanos como a Califórnia (1850), o Texas
(1845) e o Novo México (1848) eram parte da República do México e foram
anexados aos EUA ou na guerra contra o antigo México (o mais importante
aterro sanitário dos Estados Unidos hoje), ou em movimentos de
independência, o Texas, que tanto quanto a Califórnia, nos primeiros
momentos se constituíram como repúblicas.
Foi a presença russa na Califórnia e no Alaska que levou o presidente
James Monroe a formular a doutrina “a América para os americanos”. Os
russos concordaram em ceder a parte que detinham da Califórnia e anos
mais tarde venderam o Alaska aos EUA.
A doutrina Monroe se aplicou aos países da América Central. As
constantes invasões do Haiti, Nicarágua, República Dominicana, Porto
Rico (foi anexado na condição de estado dos EUA), Cuba, Guatemala, se
estendem até os dias de hoje e o golpe que depôs o presidente
constitucional de Honduras, Manuel Zelaya é um dos últimos exemplos do
que anos mais tarde seria chamado de big stick – grande porrete –
política desenvolvida pelo presidente Teodore Sorensen Roosevelt. Mais
ou menos escreveu não leu o pau comeu.
Com o terremoto que devastou o Haiti alguns setores do Partido
Republicano já sugeriram um debate sobre a anexação do Haiti na
condição de estado norte-americano. O argumento que isso possibilitaria
um processo de reconstrução mais rápido do país, esconde o fato que
assegura também o controle das reservas petrolíferas haitianas.
No período que se seguiu à Primeira Grande Guerra (1914/1918) a
ocupação de países centro americanos pelos EUA foi sistemática e por
essa via apareceram as ditaduras clássicas de figuras como Anastácio
Somoza (Nicarágua), Rafael Leônidas Trujillo (República Dominicana),
Fulgência Batista (Cuba), na mesma medida que eram depostos governos
eleitos pelo voto e contrários aos interesses de Washington. Um exemplo
clássico foi a deposição de Jacob Arbenz na Guatemala, em 1953, por
ameaçar promover a reforma agrária nas terras da companhia UNITED FRUIT
que, sob outro nome e agregando outros grupos, controla a produção
agrícola em Honduras nos dias atuais. A primeira participação de
Guevara num ato isolado de resistência a opressão dos EUA terá sido na
Guatemala, na deposição de Arbenz.
Elites rurais e militares centro-americanos são como que forças
auxiliares dos EUA no processo político e econômico em seus países.
Elites funcionam como capatazes com maior qualificação (no sentido de
ganhos) e militares como esbirros. Polícias dos “negócios” de empresas
norte-americanas. A maior parte dos integrantes das elites desses
países e dos militares são formados em colégios e academias em
território dos Estados Unidos. Ou em bases como a de Tegucigalpa.
Um dos secretários de Estado (ministro das Relações Exteriores)
americano, Cordell Hull, quando alertado sobre o caráter tirânico e
boçal do ditador dominicano Rafael Leônidas Trujillo (mudou o nome da
capital, São Domingos, para Ciudad Trujillo) respondeu assim ao seu
interlocutor – “ele pode ser um filho da puta, mas é o nosso filho da
puta”.
Mais ou menos o que Nixon viria a falar sobre o ditador brasileiro
Garrastazu Medice ao ser informado dos crimes praticados pela ditadura
brasileira – “é uma pena, mas ele é um bom aliado”.
A revolução cubana, em 1959, e a opção socialista do governo de Fidel
Castro levou os EUA a intensificarem as políticas de intervenções, ora
diretas, ora indiretas e já em 1963, tropas dos EUA participaram do
processo de deposição de Juan Bosh na República Dominicana. Empossado
em fevereiro de 1963 depois de eleito pelo voto direto foi deposto seis
meses depois. Como da fracassada tentativa de derrubar Castro em 1961,
já no governo de John Kennedy, episódio que ficou conhecido como a
“invasão da baía dos Porcos”.
Em todo esse processo o que os EUA não contavam era com um governo de
esquerda no Brasil, o maior país latino-americano. A renúncia de Jânio
Quadros, um demagogo alcoólatra e histriônico, seis meses após a sua
posse, em 1961, levou ao governo o vice-presidente João Goulart e gerou
uma crise militar que viria a desembocar no golpe de 1964 (comandado
por um general norte-americano Vernon Walthers). A verdade é que 1964
começa com a deposição de Vargas em 1945. As sucessivas tentativas de
alcançar o poder através do voto não surtiram efeito (Eduardo Gomes foi
derrotado duas vezes) e em 1950, Getúlio Vargas volta ao poder.
Adota uma postura nacionalista, introduz na cena política João Goulart.
Goulart, em 1954 foi forçado a renunciar ao Ministério do Trabalho
debaixo de fortes pressões de militares, empresários, banqueiros e
latifundiários, após o decreto que aumentou em 100% o valor do salário
mínimo. Selava ali seu destino político. A tentativa de impedir sua
posse em 1961 e sua derrubada em 1964.
O controle do Brasil a partir dos militares e das elites econômicas da
cidade e do campo, permitiu que o que era considerada a “ameaça
cubana”, resultasse em ditaduras cruéis e sanguinárias na Argentina, no
Uruguai, no Chile, no Peru e na Bolívia, enquanto mantinha o regime
brutal do paraguaio Stroessner e sob controle governos da Colômbia e da
Venezuela.
Se as bases de operações golpistas até então se limitavam a América
Central, o golpe de 1964 permitiu aos EUA irradiar todo o processo de
dominação sobre a América Latina a partir do Brasil. A Operação Condor
pode ser apontada como uma das sínteses desse quadro. A associação
entre serviços de inteligência dos países do chamado Cone Sul, os
órgãos repressores de cada ditadura, a presença de instrutores dos EUA
e recursos do empresariado de cada país e as chamadas “fundações
democráticas” dos EUA.
Uma noite longa, sangrenta em que líderes de oposição aos regimes de
extrema-direita foram assassinados, milhares de cidadãos de cada um
desses países presos, torturados, mortos, garantindo aos EUA o domínio
absoluto do que ficou conhecido como América Latrina.
Essa “limpeza”, o fim da União Soviética e o isolamento imposto a Cuba
pelo bloqueio econômico, fez com que os norte-americanos incentivassem
a retomada da “democracia”, na certeza que seus interesses
permaneceriam preservados.
Não foi bem o que aconteceu. Bem antes, o coronel Caamaño tentou
recuperar o poder para o presidente deposto da República Dominicana e
foi derrotado com intervenção militar direta dos EUA e presença de
tropas brasileiras. No Peru o nacionalismo do general Alvarado foi
substituído pelo entreguismo do coronel Bermudez e na Bolívia o risco
Juan José Torres, general de esquerda, terminou num assassinato em
Montevidéu, Uruguai, onde estava exilado.
O sentimento de reação permanecia latente.
O caso mais grave no entanto foi a deposição do presidente do Chile
Salvador Allende, em 1974. Marxista, eleito pelo voto direto dos
chilenos foi deposto num golpe impiedoso pelo general Augusto Pinochet.
O principal líder militar de oposição a Pinochet, general Carlos Pratt,
viria a ser assassinado também em Montevidéu, no Uruguai.
Perduram suspeitas até hoje que os ex-presidentes brasileiros João
Goulart e Juscelino Kubistchek tenham sido vítimas da Operação Condor.
De volta à democracia, até por conta da pressão popular, os EUA
começaram a colecionar derrotas. Na Venezuela é eleito presidente o
tenente-coronel Hugo Chávez em meio à falência dos partidos
tradicionais e a decomposição do país. No Equador surge o governo de
Rafael Corrêa e na Bolívia o líder indígena Evo Morales vence as forças
de direita. Surge o bolivarianismo, um ideário com tintura socialista
cada vez maior, inspirado nas idéias do libertador Simon Bolívar.
O Brasil, sempre a principal peça nesse jogo, elege Luís Inácio Lula da
Silva que substitui o paulista/norte-americano Fernando Henrique
Cardoso. Funcionário da Fundação Ford, Cardoso foi o responsável pela
despudorada venda do patrimônio público brasileiro, pelo fim do
monopólio estatal do petróleo, pela absoluta submissão do Brasil às
regras da chamada nova ordem econômica, a globalização, imposta por
Washington, o célebre “Consenso de Washington”, a versão neoliberal do
capitalismo, nascida dos escombros da ruína soviética, nos delírios
imperiais norte-americanos.
O império norte-americano sonha ter tentáculos em todos os cantos do
mundo, são mais de 350 bases militares espalhadas em todo o globo com o
intuito de “ajudar”, “libertar”, só não explicam o que e a quem. A eles
próprios.
Daniel Ortega que liderara a revolução sandinista na Nicarágua retoma
ao poder pelo voto (fora derrotado em eleições fraudulentas e debaixo
de forte pressão dos EUA, inclusive militar a partir da base em
Honduras). O governo de El Salvador tem perfil de centro-esquerda. O
Paraguai elege um ex-bispo católico de esquerda. O Uruguai elege um
ex-guerrilheiro para a presidência. A Argentina sai de uma crise e
começa a mergulhar em outra, mas as perspectivas de um governo de
esquerda são palpáveis.
Todo essa realidade que o presidente Chávez transformou em conjunto com
líderes latino-americanos na ALBA (ALIANÇA BOLIVARIANA DAS AMÉRICAS)
contrapõe-se à proposta de recolonização via ALCA (ALIANÇA DE LIVRE
COMÉRCIO DAS AMÉRICAS), formulada a partir de Washington e aceita,
entre outros, por FHC. Lula repudiou, o que era para se transformar
realidade em 2005.
A revolução cubana sobrevive e entra em cena, novamente, a aliança
entre forças armadas, latifundiários e grandes empresários. O Brasil
volta a ser o que nunca deixou de ser. A peça chave para o destino da
América Latina, refletindo outra frase de Nixon – “para onde se
inclinar o Brasil se inclinará a América Latina” –.
O governo de Barack Obama não difere em nada nas suas políticas para a
América Latina de qualquer governo republicano. É só lembrar que o
presidente dos EUA em 1964 era o democrata Lyndon Johnson. Os Estados
Unidos são uma grande empresa privada controlada pelo que Eisenhower
chamou de “complexo industrial e militar”. A associação das grandes
empresas do país.grupos sionistas e os militares.
A guerra, qualquer guerra, para os norte-americanos, é parte implícita de suas políticas imperiais.
O golpe militar de Honduras foi como que um teste para a eventualidade
de novos governos considerados hostis a Washington (quer dizer, leais
ao seus povos) e o esquema de legitimação da ditadura através de
eleições fraudulentas, o governo Porfírio Lobo, mostra não uma nova
faceta imperial, mas uma opção momentânea.
Por incrível que pareça vai depender do resultado das eleições de 2010
no Brasil. Uma derrota do norte-americano/paulista José Collor Serra,
ou outro que venha a substituí-lo (há notícias que pode desistir
temeroso de ser derrotado) e uma continuidade de um governo do PT,
mesmo longe dos ideários do partido, mergulhado em algumas alianças
complicadas, abre as portas para futuras intervenções e novos golpes.
O primeiro alvo é a Venezuela e não é por outra razão que 13 bases
militares foram instaladas na Colômbia. Álvaro Uribe lembra Trujillo,
na concepção do secretário Cordel Ull. Se Trujillo era um filho da puta
“mas o nosso filho da puta”, Uribe é um mega traficante de drogas, “mas
o nosso traficante”.
Não há contradição alguma nisso, o dinheiro do tráfico é guardado nos
bancos cristãos e democráticos abençoados pelo estado nazi/fascista do
Vaticano, sob a batuta de herr Bento XVI.
Toda a aposta norte-americana na América Latina passa pelas eleições
brasileiras e não vai ser a primeira vez que vão intervir de forma
descarada. FHC, funcionário aposentado da Fundação Ford, já deu a
partida nas críticas que fez a Lula (tiro no pé, José Collor Serra sabe
que cada vez que o ex-presidente abre a boca seu capital eleitoral
diminui).
É como uma contagem regressiva para novos golpes de estado. Se
conseguirem um governo colaboracionista no Brasil (Serra, Aécio), tudo
bem. Dezenas de bases militares irão “garantir” a democracia em nosso
País. A privatização da PETROBRAS, do BANCO DO BRASIL, a entrega da
Amazônia, etc, etc, da água.
Caso contrário os novos golpes de estado. O quadro ideológico permanece
o mesmo na maioria das forças armadas (colonizadas ideologicamente) e
as elites como todas as elites formadas por latifundiários, banqueiros
e empresários, são apátridas.
Uma eleição não significa necessariamente que as mudanças fundamentais
ao País, qualquer país, possam vir a acontecer. Mas não deixam de ser
instrumentos para avanços no desafio da organização e da
conscientização.
E por isso mesmo não se pode, em todo esse processo, deixar de levar em
conta que os principais veículos de comunicação são controlados por
grupos estrangeiros e muitas das organizações que parecem Chapeuzinho
Vermelho são verdadeiros Lobos maus.
A contagem regressiva do cervejeiro Barack Obama termina quando as
urnas forem abertas no Brasil e os resultados significarem que caímos
de quatro (Serra ou Aécio), ou que optamos por sobreviver como nação
livre, soberana e independente.
- Laerte Braga
- Opinião