A história das forças armadas latino-americanas desde o término da IIª
Grande Guerra tem sido de subordinação aos interesses norte-americanos.
As constantes intervenções militares em países da América Central e os
sucessivos golpes em países da América do Sul não são mais que um
reflexo da vontade de Washington.
A partir da década de 60, século passado, essas intervenções e golpes
foram regra na aplicação da chamada “doutrina de segurança nacional”
formulada por uma comissão conhecida como Tri-lateral – AAA – América,
Ásia e África.
No caso específico do golpe contra o governo constitucional de João
Goulart no Brasil, essa postura de dos norte-americanos fica clara,
mesmo levando em conta que à época vivíamos, um período agudo da
chamada guerra fria entre as duas superpotências – EUA e URSS -.
João Goulart era oriundo das elites rurais e que num dado momento, seja
por sua condição de herdeiro do varguismo, ou por sua sensibilidade
social, percebeu a necessidade de reformas estruturais capazes de
diminuir o fosso entre a classe dominante e os trabalhadores de um modo
geral. E eram apenas reformas.
Reforma agrária, nacionalização dos setores estratégicos e fundamentais
para um projeto de desenvolvimento político e econômico independente
para o Brasil, monopólio do petróleo de uma ponta a outra, mecanismos
de comunicação populares (concessões de emissoras de rádio e tevê a
sindicatos, associações, etc), controle da remessa de lucros para o
exterior e independência em relação à disputa entre os dois principais
protagonistas da guerra fria.
Isso, para os EUA era e continua sendo intolerável, principalmente em
se tratando do Brasil, país de maior peso em todos os sentidos na
América Latina. E antes mesmo, a guerra do Paraguai já havia sido uma
típica farsa patriótica montada por ingleses que tinham seus interesses
comerciais contrariados pelo governo de Solano Lopez.
Um massacre cruel e deliberado do povo paraguaio que equivocadamente chamam de guerra contra um tirano.
Na década de 60 as Forças Armadas brasileiras se mostravam divididas
entre militares comprometidos com o Brasil e militares subordinados a
interesses dos EUA e de elites econômicas. O golpe nasceu aí e sob o
comando de um general norte-americano, Vernon Walthers, ex-diretor da
CIA, amigo de Castello Branco (primeiro general do golpe), com
interferência direta do embaixador Lincoln Gordon.
O que se seguiu foi um violento e amplo expurgo de militares brasileiros lato senso nos quadros das três forças.
Há um detalhe que explica bem isso e tem escapado a boa parte dos
historiadores. Em 1965 o marechal Henrique Dufles Batista Teixeira
Lott, legalista e que em 1955 havia abortado uma tentativa de golpe
contra a posse de JK, decide candidatar-se ao governo do antigo estado
da Guanabara. Temerosos da vitória de Lott os militares golpistas
impediram sua candidatura criando a figura do domicílio eleitoral
através de um ato institucional. Lott era eleitor em Teresópolis. O
temor decorria da perspectiva que o marechal pudesse dividir as Forças
Armadas e impedir a continuidade da ditadura militar. Foi o último
grande líder militar brasileiro a ter consciência real do papel das
Forças Armadas como instrumento de defesa nacional.
A volta à “democracia” não mudou essa realidade. Vivemos apenas o
período consentido de aparente liberdade, até porque não existe mais a
guerra fria. A disputa, hoje, por exemplo, se dá em torno do petróleo –
é apenas um exemplo, é bem mais ampla -. Querem o pré-sal, capaz de
transformar o País numa potência em todos os sentidos. Ao invés do
golpe torna-se mais fácil criar cunhas para controlar e entregar o
País. Foi assim com FHC e pretendem que seja assim com José Serra. ou
Aécio Neves.
A globalização não é nada mais que a transformação do mundo num imenso
mercado onde países periféricos como o Brasil devem permanecer como
tal, sem colocar em risco os interesses dos grandes blocos,
principalmente os EUA.
A eleição de presidentes populares em países como a Venezuela, a
Bolívia, o Equador, o Paraguai, a Nicarágua, El Salvador, a posição
independente em muitas questões do Brasil, da Argentina, acordaram os
EUA para a necessidade de reagir a esses vagidos de independência e
soberania. E nem estou falando de Cuba, que desde 1959 mantém sua
soberania a despeito de todas as tentativas de por fim à revolução.
Foram tentados golpes contra Chávez, contra Evo Morales e o processo é
o de sempre. Acordo com as elites econômicas de cada país
latino-americano (elites são apátridas), subordinação das forças
armadas latino-americanas aos interesses de Washington e a despeito de
Honduras ser territorialmente um país pequeno, é chave em toda a
América Central para os senhores do mundo.
A base militar norte-americana naquele país foi usada contra o governo
sandinista, à época de Reagan e campo de treinamento de mercenários
para ações golpistas em toda essa parte do mundo.
A presença de um presidente em Honduras, como Jango em 1964, que
manifeste preocupações sociais e queira ouvir o povo hondurenho sobre
os caminhos a serem seguidos acaba se tornando intolerável para os
“donos”.
Aqui, na América do Sul, assumiram o controle da Colômbia e aliados a
um governo eleito pelo narcotráfico, o de Uribe, montam bases militares
enquanto esperam a possibilidade de eleição de José Serra no Brasil,
para fazer o mesmo. Controlar o Brasil é fundamental, ainda mais agora
com o pré-sal.
Em Honduras, o latifúndio, banqueiros, elites políticas corruptas, sob
a batuta do embaixador dos EUA (o mesmo que estava na Venezuela quando
da tentativa de golpe contra Chávez em 2002) e militares da base de
Tegucigalpa, chamaram os “policiais de Washington”, travestidos de
forças armadas hondurenhas e defensores da democracia, guardiões da
pátria amada, derrubaram o presidente Zelaya e sabiam que mesmo sendo
condenados por Barack Obama, tudo não passava, como não passa de jogo
de cena.
O que não contavam é com a reação popular, com a reação de governos
latino-americanos, com a grande mobilização de lideranças e forças em
todos os cantos do mundo e de repente, não são nada além de criminosos
a serviço e a soldo de interesses econômicos estrangeiros e contrários
aos de Honduras e do povo hondurenho.
A presença de Zelaya na embaixada do Brasil naquele país, a reação
popular favorável ao presidente deposto fez com que essa característica
de criminosos se tornasse mais explícita e indesmentível.
O golpe em Honduras não é uma ação isolada. No Brasil, por exemplo,
setores do latifúndio, predadores sobreviventes do período jurássico
(caso da senadora Kátia Abreu), ou políticos corruptos e compráveis
como Eduardo Azeredo, funcionários de fundações norte-americanas como
José Serra (formulam políticas como a doutrina de segurança nacional,
caso da Fundação Ford, da Fundação Rockfeller), todo o conjunto de
“patriotas” de joelhos para Washington e Wall Street, escoram-se num
governo corrupto e venal, o de Yeda Crusius, para criminalizar
movimentos populares (MST).
Sustentar interesses criminosos de empresas como a Monsanto.
Associar-se a criminosos chamados de empresários como Ermírio de
Moraes. Grilar terras, assassinar lideranças de camponeses.
Torna-se necessário eliminar qualquer foco de resistência que gere
perspectivas de independência, soberania, justiça social e liberdade à
revelia da cadeia McDonalds.
Fatos como esse são freqüentes na Colômbia, controlada pelo
narcotráfico. Nos partidos de extrema-direita disfarçados de sociais
democratas espalhados pelo Chile, Peru, Brasil, etc.
São partes do processo que tentou impor a ALCA (ALIANÇA DE LIVRE
COMÉRCIO DAS AMÉRICAS). Que imaginou a fusão de forças armadas em todas
as Américas sob o comando de Washington.
Que recria a IV Frota. Foi ponto de apoio para os militares golpistas em 1964, estava em águas territoriais brasileiras.
Que controla setores ponderáveis do Legislativo de cada país latino-americano. Do Judiciário. Governos como no caso de Uribe.
Honduras é o símbolo da resistência a esse processo de recolonização dos países latino-americanos.
A presença de Zelaya na embaixada do Brasil em Honduras e a reação do
governo golpista cortando água, luz, telefone, cercando a embaixada
(território brasileiro à luz do direito internacional) mostram que os
golpistas não são nada além de criminosos. Lá em Honduras, aqui no
Brasil, na Colômbia, na Venezuela, onde quer que atuem e atuam na
América Latina inteira.
A recente investida do governo terrorista de Israel por um tratado de
livre comércio com o Brasil, manobra que abre espaços para operações
triangulares envolvendo os EUA. Presença de agentes do MOSSAD no sul do
País. A recusa do Senado Federal em aprovar o ingresso da Venezuela no
MERCOSUL (já aprovada por todos os outros integrantes do grupo).
A resistência em Honduras significa lutar contra tudo isso. E muito mais.
É uma questão de sobrevivência e de dignidade dos povos latino-americanos.
1964 não terminou. Os olhos da barbárie militar permanecem nas sombras
e sombrios das câmaras de tortura financiadas pelo “progresso”. Chamam
isso de democracia.