No dia seguinte o ex-diretor Agassiel não sei das quantas, em licença remunerada, fez chegar à mídia que o senador recebera um “adiantamento emergencial” para pagar despesas em Paris.
Heráclito Fortes, paladino da dignidade e da moral, mantinha a filha de Fernando Henrique Cardoso em seu gabinete. Mas a quilômetros de distância. A “assessora” de Heráclito “trabalhava” em São Paulo e numa entrevista disse que “prefiro assim, pois o Senado é uma bagunça”. Deve saber direitinho. Tem base para fazer tal afirmação. Seu pai foi senador por 12 anos e o governador de José Serra, da sua turma, por oito anos. Conhece bem a casa.
Outro senador, Demóstenes não sei de que, disse que não tinha conhecimento da nomeação de determinada pessoa para sua assessoria. Agassiel nomeara a dita cuja num decreto secreto.
No meio desse fogo cruzado o presidente José Sarney. Donatário do Maranhão e do Amapá.
ACM pagou o pato no episódio da violação do painel eletrônico – o que registra os votos dos senhores senadores – e José Arruda, líder tucano à época, acabou governador de Brasília. Está lá, posto em chefe do executivo da capital federal.
Jader Barbalho foi obrigado a enfiar a viola no saco, largar a presidência conquistada em muitos acordos, na vingança de ACM. O baiano colocou para fora todas as sujeiras de Barbalho. Contou com apoio da ex do senador. Barbalho hoje é deputado federal.
Renan Calheiros assentou-se à cadeira de presidente do Senado Federal e em pouco tempo estava pregado numa cruz diferente da outra. Toda lambuzada de trapaças e negociatas. E um caso amoroso no meio do caminho.
É a vez de José Sarney e a maldição do Senado. Ou, mais precisamente da cadeira de presidente da Câmara Alta.
Em toda essa série de denúncias até o senador Eduardo Suplicy se viu na obrigação de restituir dinheiro aos cofres públicos num dos capítulos das muitas histórias, falo do “negócio” das passagens aéreas. Que na Câmara dos Deputados levou de roldão a máscara de Fernando Gabeira. Está procurando até hoje a dignidade perdida.
Segundo todo mundo que está atolado nesses episódios nada é ilegal. O critério de moralidade ou imoralidade não conta.
O grande problema das quadrilhas, qualquer uma, quando estoura uma crise, ou aparece um crime, uma série de crimes, é achar um bode expiatório e tocar o barco para frente sem mudar coisa alguma, só a cobertura. A hora que acaba o marrom glacê o que está embaixo é sempre a mesma coisa.
O modelo político brasileiro assenta-se numa estrutura que traz dentro da mesma cesta as elites econômicas, os políticos, magistrados da ausência de porte como Gilmar Mendes e gera esse modelo consentido desde 1984, quando os generais concluíram – nem todos, alguns ainda vociferam “patriotismo" – que podiam deixar os civis tomar conta da lambança. Desde que sob certas condições.
Na prática são as elites que governam.
Licença remunerada para Agassiel. O tempo suficiente para um grande acordo que ponha fim a esse despautério gerado por setores da mídia – hipócritas também – num País em que a maior rede de televisão coloca a fala de um ministro determinada para um horário, num horário diferente.
Por que? Para evitar que a concorrente possa ter um IBOPE eventualmente maior naquele horário, ou nos horários imediatamente anteriores ou posteriores.
Complicado?
O presidente de Honduras, Manuel Zelaya, foi deposto por insistir em ouvir o que os cidadãos de seu país desejavam. Se uma reforma constitucional, ou tudo como está. Meia dúzia de generais acionados por Washington e a maioria de congressistas lambões saíram às ruas e “restabeleceram a ordem democrática”.
Não é o caso do Brasil. Essa série de escândalos envolvendo o Legislativo e agora particularmente o Senado Federal é intrínseca ao modelo, faz parte do modelo.
O que é o Congresso Nacional como um todo? Bancada ruralista a defender o latifúndio, o agronegócio, a borduna em trabalhadores rurais sem terra. Bancada evangélica preocupada com a “pornografia”, mas metendo a mão do jeito que der com dizimo ou sem dízimo. Baixo clero, alto clero e os poucos que sobram íntegros – pode ter certeza que existem –, mas fora da mídia, lógico, integridade não dá camisa a ninguém nesse meio.
A representação popular na Câmara é inferior a 10% dos deputados. O que há por lá são latifundiários, representantes das grandes montadoras, dos bancos, do complexo FIESP/DASLU – sonegação – e dos grandes “empreendedores” como Ermírio de Moraes ou a turma da VALE, nas políticas de destruição ambiental, mas com tecnologia de ponta.
E borduna para eventuais reações aos seus “mandatos divinos”.
É essa turma, são esses os donos. E são eles que vão definir em última instância o que fazer. Claro que Sarney tem assento privilegiado no esquema. É um dos donos de boa parte do Brasil. Inclusive sócio da GLOBO.
Não vai demorar e o senador e seu bigode símbolo de honra vão deixar a cadeira de presidente do Senado. Um discurso bem recheado de citações literárias, lembranças de sua incansável doação ao Brasil e aos brasileiros (desde os tempos que freqüentava os gabinetes da ditadura militar como presidente do partido oficial) e lágrimas que demonstrem a sinceridade desse acadêmico glória de nossas letras.
Como tem uma chácara em Cascais, Portugal, deve passar por lá uns tempos recobrando-se da ingratidão de seus pares. Ou da incompreensão de alguns desafetos.
No fim surge um novo romance e pronto. Meia dúzia de “críticos” para saudar o notável escriba.
O modelo político, econômico, o institucional está falido.
Ou se promove uma grande ruptura e um novo começo, nada de recomeço, começo mesmo, ou a vaca vai para o brejo na velha história de “patriotas” restaurarem a moralidade em câmaras de tortura e quejandos.
O bode expiatório dessa vez, Agassiel, vai vender caro deixar que sua cabeça seja colocada sob a guilhotina. Vai querer ter certeza que a lâmina é de mentirinha, tudo efeito especial e no máximo gozar uma aposentadoria por bons serviços prestados ao Brasil e aos brasileiros.
Se não reconhecemos isso é porque não somos capazes de perceber algo humano nesse tipo de gente. E aí o problema não é dele Agassiel. É do Homer Simpson não perceber que Sarney é só um nome da mesma coisa.