Os anos 50, em seu finalzinho, se não me falha as paredes empoeiradas de minha mente, chegou a esta cidade vindo dos Campos dos Goitacázes um jovem rapaz. Moreno, alegre, dançarino, olhar sempre a frente das pessoas de sua idade, Um menino pobre, materialmente, mais muito rico em espiritualidade. "Baixou" na Boa Vista e lá ele espalhou uma alegre vivencia e logo tomou conta de toda a cidade de Macaé.
Poucos teriam conquistado, em tão pouco tempo, uma sociedade fechada e careta. O menino mulato, campista, malandro por excelência, foi abrindo, no peito e na raça este mundo fechado, Ia dando seus passos nas domingueiras e nas noites dos tradicionais bailes macaenses.
Não fugiu das suas origens. Apesar de ter alcançado o social macaense ele se notabilizava pela sua profissão de lanterneiro. Mestre nesta arte. Cobrava cara cada pancada que dava nos luxuosos carros importados. Seu trabalho era uma espécie de artesão. A perfeição era tanta que centenas de pessoas de outras cidades vinham conhecer sua perfeição na arte de lanternar. Dezenas de lanterneiros que existem por toda região foram aprendizes do meu amigo Eraldo Gomes da Silva.
Fui um dos primeiros amigos seus em sua chegada à Macaé. Eu líder estudantil, militante no PTB de Jango e Roberto e, sempre amante das noites, era um parceiro e tanto para este campista alegre e descontraído.
O tempo, que tudo leva mais não apaga os bons momentos, levou Eraldo para outros mundos na comunidade macaense. Casou, filhos os teve, "enricou" como "se diz" nas esquinas da existência no interior do norte brasileiro. "enricou" mais não perdeu as suas fincadas nas origens das noitadas. Cantor nato, seresteiro dos mais puros, Eraldo batia bem também nos compassos dos tons que vinham de "Zezinho do Violão" e dos seus comparsas nas tardes noites de uma cidade que se esvai no esquecimento de seus vultos puros e simples.
Eraldo fazia com a voz à mesma perfeição que tinha no martelar de suas lanternagens. Sonorizava o amor, sonorizava o belo que ia de encontro a outros belos de pessoas que o ouviam. As carências humanas eram semeadas e colhidas por este belo amigo que sabia bem da psicologia das massas que habitam as noites.
As vivencias são ramos, são galhos que vivem pendurados na nossa vida. Iguais aos das nativas árvores. Daí que, das nossas noites, de nossas musicas, de nossas biritas, o sentimento de carinho se renova quando dos reencontros aqui na terra. Eu tive a felicidade de sentar na mesa com Eraldo, nos dois ainda de cabelos negros, e de "resentar" quando o sereno das noites vividas nos colocou lado a lado numa das esquinas das noites em recente evento.
A vida leva anos para ser entendida. Saudades dos bares macaenses e campistas que a gente conhecia. Dadá, Continental, quadrado, Rua do Vieira, mangue, enfim noites de encantos e busca do nada num tudo que flui ao saber de sua morte. Sofreu muito o velho Seresteiro que sempre me dizia: "José Milbs, o dia que eu morrer, quero que você fale de mim". Sei que O REBATE não esta circulando, faça um panfleto, lembra as pessoas de nossas ruas empoeiradas, fale de meus amigos Lineu, Calomeni, Oswaldo, Sylvio Lopes, Manoel do Carmo, de Dodô do Bicho, de Zezinho e, principalmente fale para minha esposa e filhos que, se não fui perfeito na vivencia familiar como o fui na profissão isto é "defeito da fábrica humana". Diga que a vida foi boa para mim e dela, se sair primeiro que você, viajo feliz com a certeza do dever cumprido. Vou cantar em outros acordes ""...
Este jornal O REBATE on-line, que quando existia no papel, impresso com o suor de noites mal dormidas, forjados no carinho de mãos que, letras por letras compunham, seus textos, homenageia este bravo amigo, colocando, como nos anos 60 e 70 a frase que tornou célebre o amigo que se foi.
SEU CARRO BATEU, ERALDO LANTERNEIRO.