Água, uma dádiva

Setenta por cento do nosso corpo é constituído por água. Dois átomos de hidrogênio, um de oxigênio. Estrutura tão simples,mas fundamental. Sem ela não há vida.

Em quantas situações podemos sentir o que é a água!

A beleza das águas cristalinas correndo entre as pedras de um rio.

O mar límpido com os peixes visíveis nadando e vivendo.

A sensação tão gostosa de um banho, com a água renovando as forças e trazendo toda uma sensação de bem- estar quando estamos suados pelas caminhadas.

A boca seca e vem o copo de água fresquinha...

A água que ocupa boa parte da terra e que nem sempre pode ser bebida. Para a sede, a renovação da vida, a fisiologia humana e de todo ser vivo, o preparo dos alimentos, o lavar. O que fazer sem água? É tão importante que temos o dito popular : A água lava tudo..

A água é o bem fundamental do ser humano.

O médico é consciente disto, pois a primeira coisa que examina no seu paciente é o estado de hidratação. Sempre pensamos na água para beber, mas devemos nos lembrar que não há plantação sem água e, portanto, não há produção de alimentos sem água. É justo haver um dono das águas? Seria o ideal alguém, ou um pequeno grupo lucrar com o direito humano fundamental de ter água? É um sonho dantesco imaginar legiões de homens sedentos, precisando de água para o seu uso, serem explorados por “donos de água”.

Como admitir que estrangeiros distantes controlem a sua água, a do seu município, ainda mais com o objetivo de obter o mais absurdo lucro sem qualquer respeito pela população local?

A solução ideal é a que tem sido adotada pelo Brasil, água municipal e estatal. Não há o objetivo de lucro, mas de bem-estar social e não há privilégio para nenhum grupo.

Quanto à água, a Constituição Federal estabelece :

Art 20. São bens da União

II. os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um estado, sirvam de limite com outros países, ou se estendam a territórios estrangeiros ou deles provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais.

Art 21 compete a União

I . instituir sistema nacional de gerenciamento de recursos e definir critérios de outorga de direitos de seu uso. E mais adiante:

Art. 26. incluem-se entre os bens do Estado:

I . as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma de lei, as decorrentes de obra da União.

É evidente que estas disposições constituem instrumento do Estado para a defesa do interesse público, não outorgando dotar a água de valor econômico. o que equivaleria a transformá-la em mercadoria.

Foi então desencadeado, no Congresso Nacional, o apontar caminhos para o saneamento, buscado estabelecer uma política nacional. Então, todo esse setor, as empresas estaduais, as empresas municipais, o ramo produtivo, de equipamentos, as consultorias, as empresas de engenharia, enfim o conjunto do setor sanitário foi convocado pelo Congresso em audiências públicas e todas as formas de discussão.

A política adotada foi aprovada na Câmara, no Senado, mas nos primeiros dias de janeiro de 1995 foi vetada.

Em 8 de janeiro de 1997, surgiu a lei federal 94.33 (art. 1°, II, art. 5.IV) em que a água passou a ser considerada um recurso natural limitado, dotado de valor econômico, ou seja, a água passou a ser mercadoria.

Para vender água ao povo a lei permitiu a criação de Agência de Água (art44 III), um sistema de administração adotado com a intenção de desvinculá-lo da política partidária, mas que tem sofrido muitas críticas porque, na prática, ficou muito vulnerável ao poder econômico das grandes corporações.

O fato da lei (em seu art. 18) dizer que a outorga (aprovação, permissão) não implica alienação (cessão) mas simples direito de uso não passa de semântica do legislador. No caso, direito de uso é pago, de fato, constitui venda.

É incrível! Esta lei que transforma água em mercadoria foi sancionada e é muito defendida pelas grandes corporações.

Sendo a água um bem fundamental para a vida, o primeiro princípio que deve reger uma política nacional de saneamento e de águas é o da universalização. Todo brasileiro, homem, mulher, criança, idoso, deve ter acesso à água de boa qualidade e preço módico.

É um direito que ombreia com o direito à vida e o direito à saúde.

Este é o princípio fundamental que conflita com o da privatização em que só tem água quem tem dinheiro.Um exemplo para refletirmos, um pouco, sobre o perigo da privatização pode ser observado nos restaurantes. Não colocam mais, à mesa, uma jarra com água filtrada para você beber. Obrigam-nos a comprar água industrializada, mineral.

De primeiro era absurdo negar água a alguém! Agora, sob a égide da mentalidade capitalista do século XX, você tem que comprar água! É justo?

Se do lado da população há o espírito de que não se pode negar água a qualquer pessoa, em contraposição, no governo, há um entorpecimento (ou seria outro nome?) e uma inacreditável submissão aos órgãos internacionais de financiamento, Banco Mundial, BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento) e BIRD (Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento). O que surpreende é que estes bancos são divulgados com uma imagem de que ajudam os países mais pobres mas, na verdade, estão mancomunados e dominados pelo sistema financeiro internacional para facilitar a consumação dos interesses das transnacionais nos diversos países.

No setor água há um bom exemplo da nefasta atuação. As cartas de intenções assinadas mas não muito divulgadas pelo governo brasileiro, mas estabelecem compromissos de privatizações. Procuram passar a água do município para o estado por que é mais fácil negociar com 27 estados no lugar de 5000 municípios. Em realidade as transnacionais e o sistema financeiro sabem que o endividamento do Brasil é crescente, omitem que os empréstimos em dólares são desnecessários, mas aumentam o comprometimento dos orçamentos municipais, estaduais e federais e que já andam em torno de setenta por cento. Por isto procuram novas fontes para sugar as riquezas e os recursos brasileiros. Se não há dinheiro que vendam os rios, as lagoas e as águas como já foi dito por autoridades estrangeiras.

Se o agricultor faz irrigação usando água, tem que pagar às empresas privadas que assumem os serviços de águas da região e assim remeterão mais dinheiro para fora. A lei 9433 precisa ser revista! Ela só faz permitir a venda dos recursos naturais. Uma lei não pode se sobrepor à Constituição.

Sem advertir e anunciar à população, mantê-la é surrealismo.

Aqui, como em tudo sobre recursos naturais, vale a frase do ex-presidente Arthur Bernardes pronunciada quando era deputado federal : “Já tive o ensejo de dizer desta tribuna que uma das tarefas mais árduas para o político no Brasil é defender as riquezas naturais do país. Estrangeiros se mancomunam contra elas e conseguem, não raro, aliciar nacionais para trair a Pátria”.

Com relação a água ainda há um gravíssimo problema : De acordo com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigadores (www.icig.org) os conglomerados Suez Lyonnaise dês Eaux e Vivendi Environnement (este último dono da Nestlé, que no Brasil possui, entre outras marcas, água mineral São Lourenço) são as maiores. A Suez controla os serviços de água em 130 países onde fornece o líquido para 115 milhões de pessoas e Vivendi em mais de 100 países com, pelo menos, 110 milhões de clientes. No Brasil, Nestlé (Vivendi) e a Coca-Cola Company estão atuando intensamente no domínio da comercialização de água mineral.

A denúncia dos jornalistas é muito grave, pois procuram formar um cartel com o produto que não vivemos três dias sem ele e que é insubstituível – água.

Estamos cada vez mais cercados por um sistema industrializado controlando a água que vamos beber.

A entrada das transnacionais no controle dos mananciais está se dando de uma maneira inteiramente predatória. O Movimento Cidadania pelas águas revela que a Empresa de Águas São Lourenço, detentora do Manifesto de Mina ° 140/35, foi comprada pela Nestlé na década de 90. O maior patrimônio de São Lourenço, suas águas, passou a ser tratado sem qualquer outro critério, senão o da exploração predatória, o que tem sido muito questionado até pelo Ministério Público. O poço Primavera tem uma das águas mais mineralizadas do País, e ela está sendo extraída sem respeitar a surgência sendo desmineralizada para se converter na tal água purificada adicionada de sais. Isto poderia ser feito com qualquer água. Ao que parece, em Brasília, a Coca-Cola Company o faz com a água do serviço público.

Esta água purificada adicionada de sais,que inicialmente tentaram vender como água mineral, é patenteada e todos nós pagamos os direitos pelo seu uso, no País que tem a maior reserva de água do planeta.

Há os minerais que são retirados dessa água. Quilos de lítio, por exemplo, seriam jogados fora? O surpreendente foi ver alguns representantes do Estado, nas audiências públicas, atuando como advogados da transnacional.

Não podemos deixar o bem essencial da vida cair nas mãos das transnacionais formando cartel.

Será possível que a água que nós temos para beber se transforme em fonte de lucros absurdos alimentando a crescente remessa para o exterior?

Daqui a pouco só poderá beber água quem tiver dinheiro para pagar.

Até pela Constituição água tem que ser o bem essencial da população e como tal sua gestão tem que ser comunitária.

Água é uma dádiva, um direito fundamental do homem, nunca uma mercadoria. Defendê-la não é defender riqueza, mas a própria vida.

 

Rui Nogueira
Médico, pesquisador e escritor
Portal : www.nacaodosol.org
Endereço eletrônico: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.

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