Os riscos da saturação da violência

Nesta semana, pretendia escapar ao tema que tenho tratado – violência – e caminharmos por outras regiões.

Entretanto, o clima trazido pelas notícias, tanto nacionais ( chacina de jovens em Santa Teresa-RJ, por exemplo ) quanto internacionais ( a morte de 32 universitários nos Estados Unidos da América, fuzilados quando simplesmente assistiam as suas aulas ), conduzem nossa atenção para esse mesmo estado de coisas. Creio que isso ocorra com a maioria das pessoas, a não ser aquelas que já tomaram algumas decisões, como a de não atenderem aos apelos dos jornais.

Verdade que a imprensa cumpre seu papel informativo. Mas aqui fica uma primeira pergunta: por que tais assuntos são os selecionados como chamada de primeira página, com extensas matérias no corpo do jornal?

Por outro lado, a insistência temática não reflete apenas um necessário estado de conscientização social, afinal percebe-se que a sociedade já tomou uma série de providências relativas aos cuidados contra a violência. Principalmente as grandes cidades mudaram uma série de hábitos para não ficarem na contra-mão dos picos de perigo. A ameaça, o perigo, passou a ocupar um lugar de privilégio na sociedade.

É quanto a tais questões que necessitamos dar um passo de reflexão. Estaria a sociedade, estaria cada pessoa, protegendo-se ou mantendo a cultura do terror ? Todos conhecemos hoje em dia aqueles que se enclausuram em suas casas e temem fazer da cidade um espaço de liberdade. Tornam suas casas prisões fortificadas pelo medo da invasão do inimigo provável.

A questão é que há uma saturação de efeitos que vai muito além dos fatos informados pela mídia. O ser humano, além de uma mente racional, amplia-se, em muito, em áreas do desconhecimento, em afetos muitas vezes mal revelados. Toda essa condição humana colabora em construções que vão muito além de toda e qualquer fatualidade, mantendo ações repetitivas que geram não só no indivíduo mas também na sociedade verdadeiros cerimoniais de verdades. Podemos ainda ilustrar com os crimes familiares - como o recente caso Von Richthofen ocorrido em São Paulo, onde o casal de namorados, ajudados pelo irmão, mata seus pais a pauladas, enquanto dormiam. Sem se falar nos “pequenos crimes familiares”, quando filhos são negados em suas possibilidades de crescimento. Tudo isso precisa ser investigado.

Cena em Psicose, de Alfred Hitchcock

Torno claro que não tenho o menor interesse em tratar de questões técnicas ou travar discussões teóricas quanto a temas da Psicanálise, mas sim fazer do conhecimento psicanalítico um instrumento vigoroso na tentativa de entendimento das situações que nos angustiam.

Quando constatamos que a violência tornou-se um tema relevante que une as pessoas, que faz com que um vizinho converse com o outro, que faz com que um amigo procure o outro como que para atualizá-lo nas mais recentes notícias, isso nos chama atenção quanto aos efeitos mentais que estão ocorrendo.

Logo de imediato percebe-se aquilo que a teoria da comunicação nos fala, o fator entrópico a que esse excesso saturante da informação conduz. Não ficando aí, importa perceber que essa saturação leva a uma total incapacidade de pensar . Não se pensando, o que domina são os fatos, as histórias ou “novelas” que passam a sustentar uma comunicação linear e contínua, um verdadeiro desfile de acontecimentos misturados aos “ais” e “que horror” de cada um.

A violência passa a conviver com cada um e, mais ainda, torna-se uma aliada que justifica as divisões internas em muitos. Uma relação de necessidade se estabelece.

Quem já não presenciou ou mesmo se viu interessado em sondar acontecimentos como uma briga de vizinhos, um acidente na rua, um pega ladrão gritado na noite... enfim, uma curiosidade “ingênua” acerca de situações que trazem a cor de uma briga, de um conflito?

Na realidade, do ponto de vista psíquico, tudo isso é um reflexo de estados internos que, por ocasião de um acontecimento externo, aproxima o dentro e o fora e permite falar acerca de algo que o indivíduo não tem consciência em relação a si mesmo.

A situação externa, embora tenha sua objetividade, precisa ser destacada das individualidades, sem ser tomada numa com-fusão que acaba por aprisionar as mentes e as ações de vida.

A grande questão está em se perceber quando a saturação passa a ocupar um papel paralizante no indivíduo e na sociedade.

 O presente está sendo colocado como um fim de mundo, somando-se ainda a violência da natureza com as ameaças de tsunamis e aquecimento global, numa cadeia de grandes catástrofes próximas ao homem.

Necessário separar os medos antigos, medos tão próprios e justificáveis dos homens pré-históricos que não dispunham dos meios hoje existentes de proteção.

O passado surge, nessas épocas, como o colo protetor, refúgio de desgraças, recurso à memória de infância, o que, na realidade, está significando uma busca de equilíbrio para conviver com os problemas de uma atualidade.

Separar e identificar esses medos, nas suas devidas proporções, não se tendo no passado o único referencial promissor, o que seria manter-se num mundo de irrealidades, povoado dos fantasmas do ontem, que somente surgem nos sonhos mas que frustram o dia-a-dia. Romper a saturação e possibilitar uma via de esperança, de vitalidade, na construção de um caminho de junções, acasalamentos, um possível caminho amoroso.

Perceber a violência em seus aspectos microscópicos pode promover uma mudança de foco, rompendo, assim, a continuidade da saturação que tão só cega o indivíduo a outros olhares da realidade.

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