Não bastasse a lentidão do processo de recuperação da economia brasileira, os elementos que explicam a saída da brutal recessão de 2015/16 não são capazes de sustentar uma trajetória contínua de expansão do produto. Ou seja, o que estamos assistindo é mais um dos chamados “voos de galinha”.
Os elementos macroeconômicos que explicaram a modesta recuperação foram distintos nos últimos 2 anos. Em 2017, o crescimento de 1% no PIB foi impulsionado pelo setor exportador. O volume das exportações brasileiras cresceu 5,2%, enquanto a demanda doméstica ficou praticamente estagnada, com expansão real de 0,2%. Já o crescimento esperado para o PIB em 2018, que deverá ser muito próximo ao do ano passado, é resultante de um mix diferente de fatores macroeconômicos. As exportações não conseguiram manter o mesmo ritmo e sofreram forte desaceleração. Segundo os últimos dados do IBGE as exportações registraram crescimento de apenas 1,5% no acumulado até o terceiro trimestre. Já os principais itens da demanda doméstica mostram números mais expressivos neste período. O consumo das famílias registrou expansão de 2,1% e os investimentos, de 4,5%.
A instabilidade do desempenho do setor exportador já evidencia uma fragilidade importante. A elevada concentração, tanto da pauta exportadora em algumas commodities quanto dos destinos dos produtos, tornam o desempenho exportador bastante vulnerável. A desaceleração das exportações decorreu principalmente da forte retração das vendas de manufaturados para a Argentina. Em contrapartida, as exportações de commodities para a China aumentou de forma muito significativa, de modo que o gigante asiático deverá ser responsável por absorver quase 30% do total exportado neste ano. Não podemos nos iludir com os números do expressivo saldo comercial de US$ 50 bilhões esperado para 2018. As bases sob as quais este resultado está sendo alcançado são cada vez mais frágeis. A dependência de produtos primários, cujos preços tendem a apresentar elevada volatilidade, é crescente. Além disso, aumenta nossa exposição à demanda chinesa, economia envolvida em um imbróglio comercial com os EUA, o qual pode afetar de forma significativa seu ritmo de crescimento a médio prazo.
Com relação à demanda doméstica, alguns elementos setoriais também reforçam a tese da fragilidade da retomada. No caso do consumo privado, a expansão verificada em 2018 está essencialmente calcada nas vendas de bens de consumo duráveis. Já a venda dos bens de consumo semi e não duráveis seguem se retraindo. O Indicador de comércio da Serasa aponta que no período acumulado até outubro houve expansão de 12,9% nas vendas de “móveis, eletrodomésticos, eletroeletrônicos e informática” e de 7,4%, de “veículos, motos e peças”. Contudo, as vendas em “supermercados e hipermercados” e de “tecidos, vestuário, calçados e acessórios” registraram retração de -2,5% e -2,6%. Este resultado deixa claro que a expansão do consumo ocorreu em função das melhores condições de crédito, e não de renda. O consumo de massa, associado a bens de menor ciclo de vida e capazes de sustentar um crescimento mais perene, continua em queda. Estes tipos de bens dependem essencialmente da renda média e da massa salarial. A PNAD mostra que de janeiro a setembro, a renda média sofreu retração, em termos reais, de 11% e a massa salarial, de 10%. Além disso, a taxa de desemprego segue em níveis muito elevados. No início do ano era de 12,2% e encerrou setembro a 11,9%.
No que se refere aos investimentos, o crescimento observado está vinculado a uma dinâmica de reposição de máquinas e equipamentos depreciados. Após 4 anos de quedas consecutivas desde 2014, é natural que parte do estoque de capital tenha se tornado obsoleto. Além disso, os investimentos estão sendo impactados por um fator muito particular. Sem entrar em detalhes, as mudanças no programa de benefícios fiscais do chamado REPETRO têm feito com que a Petrobras passe a incorporar em seu estoque de capital ativos cuja propriedade era de suas subsidiárias estrangeiras. No entanto, trata-se apenas de transferência de propriedade de ativos já existentes. Uma retomada contínua dos investimentos depende dos projetos de expansão de capacidade produtiva. Estes, por sua vez, dependem da redução da elevada capacidade ociosa ainda existente. A última sondagem industrial da FGV aponta para um Nível de Utilização da Capacidade Instalada (NUCI) de 75,3%, muito aquém da média histórica de 81%.
Em suma, tanto no âmbito interno quanto externo, a fragilidade dos fatores explicativos da retomada de crescimento aponta para uma recuperação não apenas lenta, mas de fôlego curto. Sem um crescimento mais consistente da renda média e do emprego dificilmente assistiremos um novo ciclo virtuoso de crescimento nos próximos anos. Somente um crescimento sustentado do consumo reduzirá a ociosidade e, consequentemente, induzirá a expansão em novos projetos de ampliação da capacidade produtiva.
A forma mais efetiva para a retomada da renda e do emprego envolve a reativação do setor de construção civil. De meados de 2013 a meados de 2018 este segmento sofreu retração ininterrupta e acumulada de 36,3% em termos reais. Trata-se de uma atividade intensiva em geração de emprego, com alto poder de encadeamento produtivo e predominância de um perfil de trabalhador com elevada propensão a consumir. A partir do uso da última Matriz Insumo Produto brasileira, referente a 2015, estima-se que a cada R$ 1 bilhão de incremento nos gastos destinados à construção civil gera-se R$ 1,81 bilhão na produção total da economia brasileira, acima dos efeitos multiplicadores decorrentes do crescimento da demanda pelas atividades “Comércio” (R$ 1,53 bi), “Agropecuária” (R$ 1,71 bi) e “Extrativa Mineral” (R$ 1,77 bi). Além disso, chama atenção a maior capacidade da “Construção Civil” de gerar massa salarial. Os mesmos R$ 1 bilhão de demanda adicional gera R$ 292 milhões de salários no caso da “Construção”, bem superior aos R$ 197 milhões e R$234 bilhões da “Agropecuária” e “Extrativa mineral”, respectivamente. Neste sentido, é cada vez mais urgente uma agenda de retomada dos investimentos (públicos e privados) em infraestrutura que gere o impulso inicial para uma recuperação mais consistente. Caso contrário, o crescimento continuará altamente vulnerável, a mercê de impulsos esporádico e não recorrentes ou ainda dos desdobramentos de uma guerra comercial entre as maiores economias do mundo.
* Thiago de Moraes Moreira é economista, professor de Macroeconomia do CORECON/RJ e membro do Grupo Reindustrialização. Email: Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.