O PÓ DO MINÉRIO – O PÓ DO MINEIRO
Eu imagino a perplexidade de Tarzã quando encontrou Jane perdida de uma
expedição. E imagino Jane, um jovem de família nobre na Grã Bretanha,
acostumada a talheres de prata e porcelana dos primórdios da
civilização, tendo que comer com as mãos e ainda por cima com Cheeta
por perto. E aquele monte de raízes, pior ainda, sem dentifrício e sem escova de dentes para o depois. Tampouco essas balas coloridas artificialmente que arrebentam qualquer estômago, mas mantêm o hálito fresco durante todo o período de trabalho em nome da eficiência.
Não tenho a menor dúvida que Tarzã, por sua vez, mergulhou em profunda confusão ao perceber que aquela figura à sua frente poderia significar alguma coisa a mais que o simples socorro e salvamento. Deve ter se exibido em cipós vários num ir e vir olha eu aqui, do que sou capaz e pronto, deu no que deu. Jane foi sensata e Tarzã descobriu realidades que o seu paraíso não lhe mostrava.
A grande preocupação das autoridades de Santa Catarina é vender para os brasileiros a idéia que toda a tragédia é conseqüência única e exclusiva das chuvas e da imprevidência de algumas pessoas. Que todas as providências haviam sido tomadas e todo um aparato de proteção para evitar a tragédia era parte da ação de governo.
Nesse cipoal complicado de mentir aqui e acolá transformam o drama de milhares de pessoas num espetáculo sob a batuta de William Bonner mostrando que um gatinho foi perdido e o menino ou menina está inconsolável e que uma família inteira perdeu tudo e não sabe como suportar o golpe, mas vai lutar e reconstruir num exemplo de denodo do brasileiro.
E claro que a família vai construir. O governo não vai fazer nada. Vai fingir aqui, fingir ali e esperar a próxima chuva. Tem sido assim historicamente no País. A seca do Nordeste é decisão da providência divina.
Mas há um cipoal mais complicado porque o Tarzã desse filme não tem a menor idéia de que cipó pegar para chegar ao seu objetivo. São tantos os cipós que se enredou e se perdeu. Vai, volta, não vai, não volta e acaba e casa, no alto da árvore, falando um monte de coisas que depois desfala, como se estivesse num labirinto de cipós em que os caminhos são vários e ora desemboca na boca do leão, ora não desemboca em coisa alguma, ora fala aos bichos da selva em assembléia sem perceber que a boca do crocodilo está escancarada e já arrancou vários pedaços de sua perna. O caminhar se torna lento e trôpego.
A CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil) fez um diagnóstico do governo Lula e chegou à conclusão que o presidente vai entregar ao seu sucessor um País nas mesmas condições que recebeu. Falido e sem avanços efetivos e concretos que signifiquem mudanças duradouras. Perdeu-se em meio a tantos cipós e incapacidade de perceber que andar pelo chão, a despeito das feras (tucanos, DEMocratas, etc) seria melhor, pois milhões de brasileiros o acompanhariam se tivesse sido o caso.
Ivan Pinheiro diz que Lula inventou "o capitalismo brasileiro". Começa por ser uma opção preferencial pelos donos do Estado. Ter ajustado a economia aos padrões determinados pelo FMI e a ortodoxia do mundo neoliberal não é um avanço, antes é um recuo. Aceitou passivamente toda a desordem gerada no governo FHC.
O episódio envolvendo a Norberto Odebrecth, quadrilha que controla parte do setor de obras públicas e o governo do Equador é um dos braços do tal "capitalismo brasileiro". Para despistar Bush colocou umas tropas no Haiti e abriu as portas para o grupo Gerdau, entrar no Peru. Essa quadrilha opera no setor de siderurgia. Acordos feitos com governos corruptos, inclusive o atual, Alan Garcia, como os anteriores, incluindo aí Alberto Fujimori, amigo do peito de FHC.
A Queiroz Galvão, dona dos negócios do lixo em boa parte do País, tratou de se arrumar na Bolívia. Estradas é o negócio da empresa. Começa, pára no meio do caminho e só continua se um dinheirinho a mais for pago. A clássica chantagem que resta válida em governos corruptos, pois todos ganham. Na Bolívia não. Nem no Equador.
Compraram governo anteriores, os atuais não.
Antônio Ermírio de Moraes, que deveria ter uma estátua de benfeitor em cada cidade brasileira (benfeitor dele com o dinheiro do distinto contribuinte), está devastando parte do Brasil com o negócio da celulose. Ocupa terras que não são suas, ou de suas empresas. Expulsa índios, quilombolas e trabalhadores (esses infelizes que teimam em querer viver com dignidade). Desmata florestas inteiras e replanta com eucalipto, o chamado deserto verde.
Dedica-se agora, depois de ter devastado boa parte do Rio Grande do Sul, transformado o antigo Espírito Santo numa grande fazenda, a liquidar com a cidade mineira chamada Vazante.
Maria Luísa Mendonça num trabalho magistral mostra a ação do "senhor progresso" nesse município mineiro. Por ali passam os rios Santa Catarina e Paracatu, afluentes do São Francisco e é uma região rica em minérios explorados pela Companhia Mineira de Metais (mas é paulista, do grupo Votorantin).
Assim que acabou a extração mineral na superfície a empresa do doutor Ermírio passou a explorar uma mina subterrânea na região. Começa aí, mostra Maria Luísa, a "destruição ambiental". "Essa mina é como a galinha dos ovos de ouro da Votorantin. Mas, para os moradores de Vazante é a rachadura das casas, a poluição das águas, a destruição das grutas naturais".
Dolores Solis, professora na cidade, fez um abaixo assinado contra os crimes do mafioso Ermírio de Moraes que agora ameaça processá-la. Têm, esse tipo de gente, o controle de boa parte do Judiciário, inclusive e principalmente dos tribunais superiores. O prédio da Prefeitura, no puxa-saquismo de autoridades corruptas recebeu o nome da mãe do empresário. E para evitar problemas a clássica chantagem.
Se prosperarem os protestos, se a lei for cumprida, ele demite os empregados. A mineradora conseguiu na justiça retirar um site de denúncias contra os crimes ambientais do criminoso. A saída foi passar a página de um provedor brasileiro para um provedor estrangeiro garantindo a continuidade dessas denúncias. O endereço é www.ecodenuncia.org.
Estudos ambientais realizados por especialistas mostram que a exploração subterrânea da mina causa "subsistência" (afundamento dos terrenos), conflitos por escassez de água e problemas na qualidade dos afluentes. Em breve a extinção do São Francisco.
Um acidente em 1999, a 350 metros de profundidade. A escavação atingiu a um imenso lençol freático e a água invadiu a mina. Os órgãos técnicos falam em permissão para bombear 2600 metros cúbicos de água por hora a empresa bombeia 7500 metros. A cada ano a quantidade água bombeada pela empresa corresponde ao volume de uma baía da Guanabara.
Um documento do vereador Donizetti Vida para a Promotoria Pública de Vazante alerta que o desperdício de água numa proporção de 180 000 metros cúbicos por dia seria suficiente para abastecer uma cidade com 360 mil residências com consumo diário de 500 litros cada.
Esse desperdício resultou no fim das lagoas do Sucuri e Poço Verde, além de prejuízo a córregos e açudes próximos à mineradora. É real a contaminação dos solos, dos rios por metais pesados e isso representou a morte de milhares de peixes, além de destruir de forma quase absoluta a fauna. O jornal FOLHA DO NOROESTE (PARACATU/MG) denunciou em outubro de 1999 que os rejeitos da mineradora estão sendo jogados no rio Santa Catarina numa quantidade maior que o volume de vazão do rio, transformando águas límpidas em uma corrente de lama. Uma das substâncias atiradas ao rio, o cádmio quando absorvido em pequenas quantidades causa insuficiência renal e deformação óssea.
A Universidade Federal de Uberlândia constatou que o nível de zinco no rio é 50 vezes maior que o permitido em lei e o de chumbo 137 vezes maior. O de manganês 149 vezes maior, o de ferro nove vezes maior que o permitido. Esse tipo de contaminação causa problemas gastrintestinais, toxidez crônica, anorexia, paralisia, distúrbios visuais, anemias e convulsões e até envenamento e morte.
Grutas estão desmoronando e afetando, segundo os especialistas da Universidade Federal de Uberlândia, edifícios e os chamados "equipamentos urbanos", por conta do rebaixamento do lençol freático. Aumentaram os "fenômenos conhecidos como dolinas, enormes crateras que se formam de maneira abrupta, como se fosse uma implosão. O jornalista J. Carlos Assis, no seu livro "CRATERAS DA COBIÇA" explica como se formam essas crateras com o bombeamento das águas e o processo de sucção que reduz a resistência ao peso da superfície". Uma cidade está sendo engolida. Fazendeiros da região estão sendo afetados num diâmetro de 92 quilômetros pela formação de centenas de dolinas e pela poluição dos solos e das águas. Existem crateras de 25 metros de diâmetro, com 12 a 25 metros de profundidade.
As fazendas Salobo e Olaria, próximas à mina, centros de criação de gado da raça Pardo-Suíça perderam seus rebanhos. Morreram à míngua de água e pastos contaminados. "Estima-se que somente nesta fazenda morreram 493 animais". Na região são registrados altos índices de aborto do gado. O Conselho Municipal de Defesa do Meio-ambiente atribui esse fenômeno à presença de mercúrio, chumbo e zinco na água. Um operário, Elias Marques Jordão morreu soterrado na mina.
O representante do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Metalúrgicas de Vazante mostra que os operários precisam – são obrigados – a cumprir metas cada vez maiores de aumento da produção. Entre 1998 e 2006 a meta sofreu um aumento de 100%..
Até 2010 a empresa pretende aumentar a produção de zinco de 180 mil para 260 mil toneladas.
A empresa adota políticas paliativas, ao lado das ameaças, em relação a moradores e fazendeiros. No caso dos fazendeiros ou compra as fazendas, ou aterra as dolinas e manda caminhões pipa com água. A terra que aterra está contaminada e não permite a recomposição da vegetação e a água também.
"O que está em jogo em Vazante é, de um lado, o poder de um dos maiores grupos econômicos do país e, de outro, o agravamento de um desastre ecológico irreversível".
Ermírio de Moraes é um dos donos do Brasil. Lula o inventor desse capitalismo que tenta exportar para toda a América Latina através de empresas/máfias como a Votorantin.
Não soube distinguir os cipós contaminados e podres do período FHC e optou por uma ortodoxia cínica de tentar levar com a barriga para ver como é que fica.
Não custa repetir o que perceberam paleontólogos. Os dinossauros viveram 120 milhões de anos na superfície do planeta. A espécie humana, racional, ou dita assim, tem 250 mil anos. Não deve chegar a um milhão.
Santa Catarina é aqui, ali, em qualquer parte do Brasil.
À noite, tem William Bonner comovendo brasileiros e brasileiras com a tragédia catarinense, sem que percebamos que a tragédia catarinense está em todos nós.
E no fim do ano tem Ermírio de Moraes agraciado pelos esquemas FIESP/DASLU como o grande empresário nacional (nacional?). Aécio Neves, Ermírio é um dos financiadores do barato do tucano, entrega a comenda.
Culpado é o presidente Rafael Corrêa do Equador que denuncia essas quadrilhas.
Está na hora de Lula achar o cipó certo e tentar salvar o mínimo que se possa em sua brincadeira de neoliberalismo populista. Do contrário como afirma a CNBB entrega um Brasil idêntico ao que recebeu de FHC.
Em Vitória, no extinto Espírito Santo, as pessoas brilham. É pó do minério que faz resplandecer esse brilho, nada a ver com o pó do Ermírio ou do mineiro. Esses são outros.