O caso mereceu um registro rápido e fugaz nos principais jornais das redes de televisão. Desapareceu nas páginas policiais dos jornais impressos e foi registrado tão somente por sua semelhança com o caso Lindenberg/Eloá nos noticiários de rádio. Não se tem notícia que Ana Maria Braga ou qualquer outra apresentadora de outra rede tenha tentado um contato com Daniel para ouvir seus motivos e buscar diagnosticar o mundo contemporâneo. Nenhuma receita mágica, ou nenhum conselho.
"Como indispensável adorno dos objetos produzidos agora, como demonstração geral da racionalidade do sistema, e como setor econômico avançado que molda diretamente uma multidão crescente de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual" – Guy Debort, "A sociedade do espetáculo", Ed. Contraponto, 2000)
Para o governador José Serra é uma questão de transferir responsabilidades, punir culpados quaisquer que sejam, mostrar atitude diante do problema, lamentar o acontecido, mostrar-se como alguém confiável e capaz de continuar no centro do picadeiro do circo paulista, para poder chegar ao centro do picadeiro do circo Brasil.
"Toda a vida das sociedades nas quais reinam as modernas condições de produção se apresenta como uma imensa acumulação de espetáculos. Tudo o que era vivido diretamente se tornou uma representação" - (idem).
O comandante do GATE na operação Santo André, vamos chamá-la assim, não tinha a menor idéia do que fazer no caso Lindenberg/Eloá. Lindenberg deu entrevistas a programas de televisão via celular, manteve o show durante todos os dias, assegurou IBOPE às principais redes de tevê do País cada qual com sua exclusividade.
A invasão do apartamento da menina Eloá parecia um filme desses chamado pastelão, com soldados se atropelando enquanto tentavam abrir a porta, outros ainda chegando à janela segundos fatais após a explosão da bomba, enfim, simulacro de Gordo e o Magro porque trágico.
Nem Lindenberg, nem Eloá, tampouco Daniel ou Camila são trabalhadores rurais sem terra protestando contra latifundiários que se valem de trabalho escravo. Ou trabalhadores chamados policiais civis denunciando as políticas de in/segurança do governador Serra (e outros, lógico). E nenhum deles morava em favela e no Rio de Janeiro.
A Polícia Militar e o GATE, qualquer seja o nome que tenha, BOPE, não sabem como lidar com esse tipo de crime, à medida que PM não é polícia, é braço repressivo do poder econômico, arremedo caro e privilegiado a sustentar elites em qualquer canto do Brasil.
"O espetáculo que inverte o real é efetivamente um produto" afirma o mesmo Debort. "A realidade surge no espetáculo e o espetáculo é real. Essa alienação recíproca é a essência e base da sociedade existente". Do mesmo autor.
Eloá deixou de ser uma vítima de um tresloucado produzido pelo modelo para ser alguém que "gerou vida", na atitude de sua mãe induzida a doar os órgãos num conceito um tanto abstrato em toda a sua concretude de morte cerebral irreversível.
O segundo ato.
O terceiro vem agora. A polícia de Alagoas suspeita que o pai da moça, um ex-PM esteja foragido desde 1991 por cumplicidade num crime que matou um parente do governador de um estado da dita federação brasileira.
Terminada a peça o anonimato produzido pelo sistema, pelo modelo à espera de outro Lindenberg, quem sabe um Nardoni.
E domingo todos decidindo democraticamente quem vai governar sua cidade num segundo turno que em boa parte das cidades brasileira soa como noite de terror. O dilema Gabeira e Paes é um deles.
O espetáculo é a afirmação da aparência e a aparência é a afirmação da vida no modelo da verdade absoluta.
Está chegando o Natal e com ele as promoções fantásticas que podem ser pagas só no carnaval do próximo ano. Em seguida os heróis de Bial no Big Brother Brasil e agora com um quarto espelhado.
O maior banco privado da Suíça, o UBS perdeu cerca de 50 bilhões de dólares na crise montada pelo neoliberalismo. O governo suíço pegou 60 bilhões de dólares dos cidadãos suíços e colocou na conta do UBS.
O dilema de alguns eleitores norte-americanos é se votam em McCain por ser branco, apesar de Sarah Palin ("expõe o corpo demais, é vulgar" – Canal Fox –), ou se entregam a presidência a um negro que se chama Obama e ainda tem no meio entre o Barak e o Obama, o Hussein.
O número de mortos de forma violenta na Colômbia, país governado pelo narcotráfico é maior, a cada ano, que o número de mortos na guerra do Iraque.
Ingrid Betancourt, a ex-prisioneira de guerra das FARCs havia reservado um restaurante inteiro em Paris para anunciar e comemorar o prêmio Nobel da paz. Não ganhou. Treinou as lágrimas o dia inteiro. O espetáculo previa um telefonema de Uribe para saudar a moça e a democracia. As despesas foram pagas por uma empresa de cosméticos e a senhora Betancourt mostraria sua dor e sofrimento de anos de selva e maus tratos com os cosméticos da patrocinadora.
"À medida que a necessidade se encontra socialmente sonhada, o sonho se torna necessário. O espetáculo é o sonho mau da sociedade moderna e aprisionada, que só expressa afinal o seu desejo de dormir. O espetáculo é o guarda desse sono" (Debort).
O sistema, como afirma ainda Debort, produz a "perda da unidade do mundo". Nesse contexto "uma parte do mundo se apresenta diante do mundo e lhe é superior. O que liga os espectadores é apenas uma ligação irreversível com o próprio centro que os mantém isolados. O espetáculo reúne o separado, mas o reúne como separado".
Senhoras e senhores há um ponto no Universo onde uma constelação com a forma CFT encontra-se vagando. Tem um brilho contínuo.
Há outro ponto onde aqui se junta todo o processo irreal que chamam de real. A saúde pública do prefeito do Rio, César Maia, não pode fornecer atestados médicos a pacientes para evitar perdas do capital. No máximo os médicos são autorizados a declarar o horário do atendimento ambulatorial ou hospitalar. No mais é produzir.
Cá entre nós, que diferença existe entre César Maia e Lindenberg? Ou entre Serra ou Aécio e Lindenberg? Só no método com que essa gente nos mantém reféns.
Vale para o modelo inteiro.