Buenos Aires, Argentina. Ele conseguiu. Pela quarta vez. Na 14ª eleição em 13 anos, Hugo Chávez Frias – o chefe de estado do mundo atlântico que a direita mundial mais ama odiar – foi reeleito presidente em eleições justas e limpas, absolutamente transparentes, monitoradas por agências oficiais de todo o planeta, da ONU e União Europeia, à Organização dos Estados Americanos (OEA).
Disputaram-se duas eleições ali. Numa, Chávez disputava a presidência contra um neoliberal de direita, democrata reconvertido, Henrique Capriles Radonski – advogado representante da classe compradora venezuelana aliada ao Consenso de Washington. Na outra eleição, a integração latino-americana progressista disputava eleições contra o desejo do Grande Irmão de ter na Venezuela um estado-cliente obediente.
De acordo com pesquisa do Instituto Gallup em 2010, a Venezuela está empatada com a Finlândia como a 5ª “nação mais feliz do mundo” [EPA]
Chávez venceu, em primeiro lugar, porque o projeto bolivariano tem a seu favor os números. Os anos de chavismo – apesar dos erros e do desbragado culto personalista – recuperou a soberania nacional venezuelana, redistribuindo riqueza na direção dos excluídos e dos serviços públicos, mediante missões sociais e salário mínimo decente. Pode-se chamar, como Chávez chama, de “socialismo para o século 21”. Em termos latino-americanos, é caminho que com certeza leva rumo a sociedade mais igualitária.
No processo de campanha, Chávez acertou ao dar destaque à figura de Guacaipuro – líder indígena que comandou as tribos Teque e Caracas na luta contra a colonização espanhola – como principal símbolo da resistência venezuelana. “Somos todos Guacaipuro” era grito que ressoava – com ênfase nas raízes “aborígenes, indígenas e na resistência negra, empurrando adiante a luta dos oprimidos”.
Nada de trocar analfabetismo por petróleo
Os fatos são muito eloquentes. A Venezuela possuiu reservas de petróleo hoje reconhecidas como as maiores do planeta – maiores, até, que as da Arábia Saudita. Mas até recentemente, era um Santo Graal de energia controlada pela pequena elite arrogante e rapinante de sempre, do qual as massas não extraíam nem educação decente, nem moradia decente, nem salário decente.
A história do chavismo é uma história de como horizontalizar progressivamente uma sociedade vertical. O chavismo canaliza nada menos que 43% do orçamento do estado para um vasto leque de políticas sociais.
O desemprego caiu, de mais de 20% para menos de 7%. Em dez anos foram construídas nada menos que 22 universidade públicas. O número de professores passou, de 65 mil para 350 mil. O analfabetismo foi erradicado. Está em curso uma reforma agrária – sonho, em quase todas as latitudes sul-americanas.
A classe governante, obviamente, não está gostando – como tampouco está gostando no Brasil, na Argentina ou Bolívia (no Paraguai já deram jeito, até, de organizar um “golpe constitucional” para depor governo democrático legítimo). Na Venezuela, há dez anos, a classe então governante também tentou um golpe – com o apoio da imprensa-empresa – mas durou só miseráveis três dias. As massas decidiram que “No Pasaran”.
O candidato derrotado, Henrique Capriles Radonski, por falar em golpe, é uma espécie de democrata morto e ressuscitado, que esteve diretamente envolvido no golpe de abril de 2002; amargou até cadeia, por isso.
Venezuela tem o melhor “coeficiente de Gini” – o que significa dizer que é o país menos desigual – de todo o continente latino-americano. No relatório de janeiro de 2012, a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (conhecida pela sigla em espanho, CEPAL) diz que Venezuela e Equador, entre 1996 e 2010, foram os países campeões na redução da pobreza nas Américas.
Simultaneamente, americanos dos EUA talvez achem engraçado, mas o Instituto Gallup classificou a Venezuela como “a 5ª nação mais feliz do mundo” [1]. Vamos bailar a salsa?
Por mais que a imprensa-empresa nos EUA, na Europa Ocidental e na América do Sul insista em repetir histórias de venezuelanos que sonhariam com o exílio e com viver a bebericar martinis em Miami, fato é que legiões de jovens espanhóis, já sem futuro na Europa, estão desembarcando na Venezuela, onde encontram emprego. [2] [SP].
A demonização de Chávez, na imprensa-empresa é piada patética – como nas páginas e páginas que se publicaram sobre sua doença e a morte iminente, repetidamente, praticamente todos os dias. [3] Nenhuma empresa-imprensa consegue admitir que o câncer de Chávez foi tratado com sucesso por médicos cubanos.
A causa-chave para a ação dessa indústria de demonização é que Chávez recusa-se a alinhar-se com os projetos geopolíticos de Washington. Mantém relações complexas, muito próximas, com líderes chineses (processo que inclui, em futuro próximo, o fornecimento de um milhão de barris/dia de petróleo à China); defende o direito do Irã a ter programa nuclear para finalidades civis; apoiou Gaddafi sempre, até o fim, contra o que via como guerra ilegal da OTAN contra a Líbia; apoia o governo sírio contra o que identifica como terroristas jihadistas-salafistas que querem depô-lo; e é fonte inexaurível de inspiração em toda a América Latina – da Bolívia e Equador à Nicarágua.
Estão abertas as apostas sobre se Obama 2.0 – para não falar de uma ainda remota possibilidade de Romney ser eleito – “endurecerá”, ou se tentará “engajar” a Venezuela mediante processo democrático, em condições de respeito mútuo.
O chavismo encontra o lulismo
Em 2012, a Venezuela crescerá 5% – bem mais que Argentina (2%) e Brasil (1,5%). É economia parcialmente socializada, que está produzindo mais empregos, mais crédito, mais investimento estatal – e o resultado é sólido crescimento econômico.
Internamente, a luta de classes não sumirá por passe de mágica. Os mais pobres se firmarão no novo status, pelo menos de classe média baixa. Quanto à emergente classe média e os ricos, buscarão consumo e mais consumo. O único câncer que ainda ameaça o chavismo é a ineficiência da administração pública combinada à corrupção; essa a grande batalha ainda a ser vencida. Como argumenta James Petras [4] [SP], a chave para o sucesso crescente das políticas sociais de Chávez é conseguir diminuir a corrupção na política e na administração locais.
A vitória de Chávez também é alvissareira em termos de integração da América Latina. A Venezuela já é membro do MERCOSUL. Com maior integração econômica, virá também maior integração política, via a UNASUL – a aliança dos países sul-americanos.
A América do Sul está envolvida em ampla discussão sobre a emergência de um inevitável consenso pós-Washington. Há duas escolas em campo: o chavismo e o que tem sido descrito como “o consenso de Brasília”.
Chile, Colômbia e Uruguai podem ser classificados como seguidores do “consenso de Brasília” – e até o Peru do presidente Ollanta Humala. O “consenso de Brasília”, obviamente, é sinônimo de “lulismo” – expressão criada a partir do nome do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, imensamente popular, que até Obama admitiu que “é o cara”.
O chavismo é popular na Bolívia e no Equador. E há os híbridos – como Argentina e Paraguai antes do golpe contra Fernando Lugo.
Mas, na essência, as diferenças são pequenas, relativas ao grau de socialização da economia e à construção de política exterior independente. O modelo básico é partilhado por todos – com ênfase no crescimento econômico, igualdade social, democracia real e integração progressiva.
Um chavismo menos personalizado, mais moderado, fará maravilhas com vistas à integração latino-americana. Mas ainda há imensos obstáculos a vencer – como o golpe no Paraguai, o golpe em Honduras, a manipulação de discursos ecologistas para desestabilizar a Bolívia e a perene obsessão de Washington com demonizar Chávez.
E há também algo que a imensa maioria dos latino-americanos nunca esquece: a 4ª Frota dos EUA – ressuscitada em 2008 no governo de George “Dubya” Bush – observa de perto.
Pepe Escobar |
8/10/2012, Pepe Escobar, Al-Jazeera, “Opinion”
“Why Hugo rules”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
Notas de rodapé
[1] Mulher caminha em frente a um mural representando o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, o líder cubano Fidel Castro, em Caracas, em março de 2012. Sessenta e quatro por cento dos residentes do país viu prosperidade no governo Chávez. Foto: Leo Ramirez/Agence France-Presse via Getty Images .
[2] 6/10/2012, Publico.es, Pascual Serrano em: “Por qué no entendemos a Chávez”
[3] No Brasil, por exemplo, Merval Pereira, folclórico colunista do jornal O Globo e da Rede Globo de Televisão, escreveu, dia 16/2/2012:
A saúde do presidente Hugo Chávez, da Venezuela, pode afetar a eleição presidencial. Os últimos exames, analisados por médicos brasileiros, indicam que o câncer está em processo de metástase, se alastrando em direção ao fígado, deixando pouca margem a uma recuperação.
Como a eleição presidencial se realiza dentro de 8 meses, a 7 de outubro, dificilmente o presidente venezuelano estaria em condições de fazer uma campanha eleitoral que exigirá muito esforço físico, pois a oposição já tem em Henrique Capriles um candidato de união.
O ex-embaixador dos Estados Unidos na OEA, Roger Noriega, invocando informações de dentro do governo venezuelano, escreveu artigo recentemente no portal de internet da InterAmerican Security Watch intitulado “A Grande mentira de Hugo Chávez e a Grande Apatia de Washington”. Nesse artigo ele dizia que o câncer está se propagando mais rapidamente do que o esperado e poderia causar-lhe a morte antes mesmo das eleições presidenciais (“Quadro Grave”, Merval Pereira, O Globo, 16/2/2012). [NT]
[4] 7/10/2012, Rebelión, James Petras (trad. de Paco Muñoz de Bustillo) em: “Elecciones venezolanas: Una auténtica elección”.
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