Enquanto os israelenses são chamados a eleger um novo Parlamento, em 17 de setembro, a Faixa de Gaza não para de afundar. Há treze anos, Tel-Aviv submete o território palestino, governado pelo Hamas, a um bloqueio militar devastador. Quanto tempo a população poderá ainda resistir?
Amer Nasser – Campo de refugiados de Nahr Al-Bared, Khan Younès, Faixa de Gaza, março de 2019
Nesta manhã de junho, o tempo está claro sobre a praia em que se alinham os coloridos barcos de pesca. O nascer do sol, o céu azul e a ressaca dão à paisagem ares de cartão postal. Porém, essa charmosa decoração não passa de uma ilusão: aqui, o Mediterrâneo está poluído, seu horizonte está manchado pelas fragatas de guerra, os céus riscados por aviões de caça e por drones. Estamos na Faixa de Gaza, um território superpopuloso (2 milhões de habitantes em 365 quilômetros quadrados) e sitiado por Israel.
Os pescadores que nos recebem em sua cabana em Beit Lahya, nas cercanias da cidade de Gaza, aparentam uma cor cinzenta. Israel, que impõe há treze anos um bloqueio implacável – aéreo, marítimo e terrestre – à faixa de terra palestina, proibiu-os, há dois dias, de qualquer saída ao mar, depois de ter reduzido sua área de pesca ao mínimo. Razão alegada: o lançamento de esferas de fogo e pipas incendiárias sobre cidades israelenses – nomeadamente os kibutzim – situados na parte terrestre da faixa costeira. Em 18 de junho, depois de duas noites de hostilidades (1), e depois de um retorno à calma, Tel-Aviv voltou a autorizar a pesca, mas somente dentro do limite de dez milhas náuticas (dezoito quilômetros e meio), longe das águas ricas em peixes. Uma medida de exceção que o Hamas, o Partido Islâmico no poder em Gaza desde 2006, reclama permanentemente por sua revogação durante as negociações indiretas com Israel.
“Os navios de patrulha israelenses estão somente a três ou quatro quilômetros, podemos vê-los a olho nu, disse-nos Jihad Al-Sultan, responsável pelo Comitê Sindical dos Pescadores do Norte da Faixa de Gaza, mostrando a largura do dedo. Quando nossos pescadores estão no mar, eles disparam contra eles frequentemente, em geral, sem qualquer aviso. Recentemente, muitos deles foram feridos e seus barcos seriamente avariados”. Durante o primeiro semestre de 2019, as forças navais israelenses abriram fogo mais de duzentas vezes sobre os pescadores, ferindo cerca de trinta e atingindo uma dúzia de barcos, segundo duas organizações não governamentais, uma palestina e outra israelense – o Centro de Direitos Humanos Al-Mezan e a B’Tselem. Dois marinheiros de Gaza foram mortos em 2018.
Em 2000, a Faixa de Gaza contava com cerca de 10 000 trabalhadores no mar. Por não mais poderem acessar as águas mais piscosas – Israel os excluiu de 85% das zonas marítimas às quais o Direito Internacional lhes assegura acesso – dois terços tiveram que jogar a toalha. Atualmente, há apenas cerca de 3.500 pescadores, dentre os quais 95% vivem abaixo do limite da pobreza (menos de 5 euros por dia), contra 50% em 2008.
Tomemos a direção de Khouzaa, uma aldeia próxima de Khan Younes, uma das principais cidades ao sul do enclave. Lá, também a moral está a meio mastro. Malgrado uma evidente indigência, Khaled Qadeh, um agricultor de 34 anos, com seus olhos penetrantes protegidos por um chapéu de vime, nos convida a sentar em torno de um lanche na pequena tenda descansando na beira do campo. Suas terras, divididas em 11 dunums (1,1 hectare), se encontram a algumas centenas de metros da cerca “fronteiriça” israelense, que não reconhece o direito internacional.
Uma mistura de 65 quilômetros de muros, trincheiras, barreiras metálicas, malhas de arame e arame farpado envolve a Faixa de Gaza e funciona como uma zona tampão que varia de 300 metros a 1,5 quilômetro de largura. Esta área de exclusão militarizada toma mais 25% do território e invade 35% das superfícies cultiváveis, bem longe da linha do armistício de 1949 (a “linha verde”) que separava oficialmente Israel e Gaza. “Minha família possui igualmente 20 dunums de terras do outro lado da “linha verde”, mas nós os perdemos em 1948” (ano da criação do Estado de Israel), nos informa Qadeh.
Um lugar onde a vida se tornará inviável de hoje até 2020, segundo os Nações Unidas
Sobre o magro hectare plantado de que dispõe, o agricultor só pode explorar plenamente um terço do total. “O restante de meu campo, na divisa com a “zona de exclusão”, é raramente acessível, já que os israelenses me impedem, na maior parte do tempo de ir até lá; eles têm o dedo no gatilho, para não mencionar os danos causados por seus tanques e ‘bulldozers’. Como todos os agricultores da zona fronteiriça, eu estou sempre exposto aos disparos, inclusive neste local em que estamos agora. Os israelenses me proíbem também de trabalhar à noite para tirar proveito da corrente de ar, quando há: se eles suspeitarem do menor movimento, eles usam as metralhadoras ou lançam bombas”, nos conta Qadeh com um tom vivo, enquanto um blindado israelense, a patrulhar ao longe, levanta uma nuvem de poeira. Seu rendimento caiu 80% depois da implantação da zona-tampão que se seguiu ao desmantelamento das colônias judaicas de Gaza, em 2005, e da instauração do embargo no ano seguinte. Visto que sua atividade é a única fonte de renda da família, ele está mergulhado em dívidas. O lote (de terreno) em que pode plantar lhe permite ganhar apenas cerca de 400 shekels (100 euros) por mês graças à venda de seus produtos para a alimentação dos seus. O setor agrário, que emprega 44 000 pessoas (cerca de 10% dos postos de trabalho), teve uma queda de mais de 30% depois de 2014 (2).
A situação dos pescadores e dos agricultores é a imagem enfrentada pelo conjunto da Faixa costeira: “catastrófica” e “insustentável”, segundo as palavras de Isabelle Durant, diretora-adjunta da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (UNCTAD) (3). Desde 2012, a Organização das Nações Unidas (ONU) disparou o sinal de alarme. Acreditava que este território se tornaria "inviável" até 2020 se o bloqueio imposto por Israel, com a colaboração do Egito não fosse suspenso (4). Isolada do mundo já por oito anos, Gaza já havia sofrido duas guerras, lançadas por Tel-Aviv, em 2006 e depois em 2008-2009 (mais de 1.800 mortos do lado palestino contra cerca de 20 do lado de Israel).
Em 2017, depois de duas outras guerras (uma em 2012, depois outra em 2014), com um balanço acumulado de 2.500 mortos do lado de Gaza contra 72 do lado israelense), Robert Piper, então coordenador humanitário da ONU para os territórios palestinos ocupados, observou: “a degradação da situação se acelerou mais rapidamente que o previsto (...). Gaza já se tornou inabitável (5)”.
Amer Nasser. – Malaka, a leste da cidade de Gaza, junho de 2019
Setenta por cento da população tem o status de refugiado desde 1948 e a metade tem menos de 15 anos. Atualmente, o desemprego atinge 53% da população ativa (70% entre os jovens e 85% entre as mulheres) – um recorde mundial – a pobreza maltrata mais de uma pessoa em duas e a economia local está em total colapso (-6,9% de crescimento em 2018) (6). Ademais, a infraestrutura e “as capacidades produtivas estão destruídas”, destaca a UNCTAD (7). “Entre a destruição material e o custo de reconstrução, somente a fatura da última guerra (a de 2014) chega 11 bilhões de dólares, informa Ali Al-Hayek, presidente da Associação dos Empreendedores Palestinos (PBA) que encontramos na sede da Associação no centro da cidade. “Mais de mil fábricas, ateliers e comércios, em especial foram riscados do mapa. Israel nos lançou em uma guerra econômica”. Por causa do embargo, muitas empresas tiveram que fechar, reduzir salários ou demitir. “A Faixa de Gaza se parece com uma grande prisão onde foi confinado todo um povo submetido a uma ocupação militar e ao qual se administra doses de tranquilizantes, como ajuda humanitária para evitar a implosão”, resume Ghazi Hamad, vice-ministro do desenvolvimento social e personalidade do Hamas. “Depois da eleição do Hamas, em 2006, temos sofrido uma punição coletiva para a qual não vemos o fim”, declarou por seu turno o analista gazita Fatih Sabah, colaborador do jornal pan-árabe Al Hayat: “este bloqueio é, antes de tudo, um meio de pressão utilizado por Israel, com a cumplicidade da comunidade internacional, para nos por de joelhos”.
O cerco israelense afeta todos os aspectos do cotidiano. Criou-se até mesmo uma nova “normalidade”. A precariedade energética, por exemplo: depois da destruição, por Tel-Aviv, da única central elétrica, em junho de 2006, o acesso à eletricidade é aleatório. Reconstruída parcialmente, a central, por falta de combustível, não chega a 20% de sua capacidade. O território precisa então se aprovisionar, principalmente, em Israel, que fornece a eletricidade – que é faturada à Autoridade Palestina na Cisjordânia – em quantidade limitada. Os cortes de energia ditam o ritmo da vida dos habitantes de Gaza. “Não temos mais que oito a doze horas de energia elétrica por dia e em horários variáveis, nos explica Ghada Al-Kord, jornalista e tradutora, de 34 anos. A maioria das casas não tem grupos geradores, muito caros, para compensar os cortes. Isto significa que não podemos arriscar guardar nada na geladeira. Devemos nos organizar dia-a-dia. Há dois anos era ainda pior”. De abril de 2017 a janeiro de 2018, Mahamud Abbas, presidente e chefe do Fatah, recusou-se a pagar a conta de eletricidade a Israel para pressionar os rivais do Hamas. Consequência: a população passou a não ter mais que três ou quatro horas de energia elétrica por dia. Acrescente-se que os habitantes estão confrontados com a falta d’água. Em vista da poluição do aquífero costeiro, do qual Israel controla 85%, mais de 95% dos lençóis freáticos do enclave são considerados insalubres.
O acesso aos cuidados médicos é igualmente atingido em cheio pelo embargo. O Hospital Al-Shifa, o maior do território, outrora respeitado, atualmente provoca apreensão. Os gazitas, fiéis a seu senso de ironia fazem piadas a respeito: “entramos nele vivos, mas como será que sairemos?” A causa, em geral, é a falta de medicamentos, de material e de leitos para tratar diversas doenças. Os hospitais se transformaram em casas de velório. A proibição de importar produtos de primeira necessidade, a falta de pessoal, os cortes de energia elétrica, mas também os danos causados – sob encomenda – pela artilharia israelense, têm feito da saúde um setor bastante atingido. “Temos falta de tudo”, reclama o porta-voz das autoridades sanitárias de Gaza, Ashraf Al-Qadra, que manuseia um catálogo do Prévert: "mais de 50% dos medicamentos básicos estão inacessíveis, 65% dos que têm câncer estão privados do tratamento, uma grande parte das intervenções cirúrgicas não pode ser executadas...”
As balas explosivas que causam danos irreversíveis
No Hospital Al-Shifa, o quadro é edificante: cruzamos sempre com coxos – jovens, na maior parte – as paredes desbotadas, as salas de espera superlotadas, o pessoal sobrecarregado. Mohamed Chahin, cirurgião ortopedista se ocupa essencialmente com os manifestantes feridos pelos soldados israelenses nas assembleias semanais organizadas antes do fechamento “fronteiriço” israelense e que faziam parte da “grande marcha de retorno” (Massirat Al-Awda).
Toda sexta-feira, dia de manifestações, os médicos têm que cuidar da chegada dos feridos. “Os pacientes são muitos e cada vez mais jovens, relata Chahin. Eles têm sofrido lesões profundas de um tipo que nós não tínhamos visto até agora. Os israelenses utilizam balas explosivas que destroem os tecidos musculares, as articulações e os nervos. Quando seus snipers (atiradores de elite) não atiram para matar – no peito ou na cabeça – eles miram nas pernas ou nas partes mais sensíveis do corpo para produzirem danos irreversíveis. É possível acreditar que eles fizeram algum curso de anatomia. Muitos manifestantes atingidos voltam a viver aleijados ou têm que ser amputados, já que nós não dispomos de equipamentos”. Dos 30 000 feridos recenseados depois do início da “grande marcha de retorno”, cerca de 140, dos quais cerca de trinta são crianças, perderam um membro inferior ou superior e, 1.700 dentre eles, segundo a ONU, correm o risco de amputação nos próximos dois anos, por falta da autorização israelense para serem evacuados.
(1) Tzvi Joffre, Alvos de ataque das “IAF (Forças Armadas Israelenses) na Faixa de Gaza”, The Jerusalem Post e “Força Aérea de Israel dispara muitos mísseis contra Gaza”, Centro de Mídia Internacional do Oriente Médio (IMEMC), 14 de junho de 2019.
(2) Conforme o Relatório Anual do Escritório das Nações Unidas para a Coordenação de Assuntos Humanitários (UNOCHA, em inglês), Nova York, 18 de maio de 2018, e Ali Adam, “Israel está intensificando a guerra contra agricultores em Gaza”, The New Arab, Londres, 19 de março de 2018.
(3) Tom Miles, “A ONU considera a economia palestina insustentável”, Reuters, 12 de setembro de 2018.
(4) Conforme o relatório “Gaza em 2020: um lugar para se viver?”, Organização das Nações Unidas, Nova York, agosto de 2012.
(5) “Gaza dez anos depois”, Organização das Nações Unidas, julho de 2017.
(6) Todos esses dados estão disponíveis nos sites do Banco Mundial, da UNCTAD e do Escritório Central de Estatísticas Palestinas (PCBS, abreviatura em inglês).
(7) “Relatório sobre a assistência da UNCTAD ao povo palestino”, UNCTAD, Genebra, 12 de setembro de 2018.
Tradução do Francês: A. Pertence