Um paciente de MDR-TB em uma clínica da organização Médicos Sem Fronteiras em Manipur, nordeste da Índia. Foto: Bijoyeta Das/IPS
Nova Délhi, Índia, 7/3/2014 – Joba Hemron, uma mulher de 50 anos, rezou muito tempo para que sua tosse passasse. Em 2011, teve diagnosticada tuberculose e iniciou um tratamento curto sob observação direta em uma clínica pública do distrito de Bongaigaon, no Estado indiano de Assam.
Porém, logo se tornou impossível tomar todas as doses de medicamentos que necessitava. “Meus filhos trabalham no campo, e eu estava muito fraca para ir buscar as pastilhas”, afirmou. Então, procurou uma clínica privada, esperando que ali lhe dessem todos os remédios de uma só vez. Mas eram muito caros, e ela não pôde concluir o tratamento.
Três anos depois, e após ter sido atendida por cinco médicos diferentes, continua perdendo peso. “Tomei todos os remédios que considerava convenientes, mas só piorava”, contou. Sua família vendeu uma cabra e com o dinheiro Joba pôde viajar à capital do Estado, Guwahati. Ali teve diagnosticada tuberculose polifarmacorresistente (MDR-TB). “Não sei o que significa, ninguém me explica nada. Vou me sentir bem?”, perguntou enquanto seu corpo sacudia com a tosse.
Como Joba, muitos indianos ficam cada vez mais resistentes aos remédios, devido à imprecisão dos diagnósticos médicos e às interrupções dos tratamentos. Especialistas dizem que a resistência aos medicamentos é uma enfermidade iatrogênica, isto é, uma alteração do estado do paciente por uma má administração médica.
A resistência aos medicamentos contra a tuberculose pode se desenvolver tão logo se contrai a doença ou no curso do tratamento. A Índia registrou o maior aumento de MDR-TB mundial em 2012, com cerca de 64 mil casos estimados.
O Estado indiano fornece tratamento gratuito por meio do Programa Revisado Nacional de Controle da Tuberculose, que beneficia 1,5 milhões de pacientes. A tuberculose continua sendo a enfermidade com maior mortalidade no país, com duas mortes a cada três minutos. Mais de um quarto de todos os casos mundiais dessa doença ocorrem aqui.
Mas Ramanan Laxminarayan, vice-presidente da Fundação de Saúde Pública da Índia, acredita que o programa está “parado nos anos 1990”. Ainda não emprega todas as ferramentas disponíveis contra a doença e não consegue envolver o setor privado, criticou. “Cada caso de MDR-TB pode ser 20 vezes mais caro de tratar do que qualquer cepa sensível e causar muito mais inconvenientes, dor e sofrimento para o paciente”, ressaltou.
Apesar de tomar remédios regularmente, alguns pacientes se tornam resistentes a medicamentos de primeira linha. Em Mumbai, os médicos do Hospital Hinduja disseram ter identificado pessoas “totalmente resistentes aos medicamentos” e que não respondiam a nenhum deles. Mas o governo indiano negou essa informação.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 450 mil pessoas contraíram tuberculose resistente aos medicamentos em 2012. Cerca de metade estão na Índia, China e Rússia. Nesse ano, houve 170 mil mortes devido à enfermidade em todo o mundo.
Madhukar Pai, diretor-adjunto do McGill International TB Centre, organização de pesquisa que fica no Centro de Saúde de Montreal, no Canadá, explicou que os serviços indianos de saúde, públicos ou privados, não oferecem uma atenção de qualidade contra a tuberculose.
O especialista afirmou que são comuns os regimes de medicamentos errados, os remédios de má qualidade, a escassa vigilância do cumprimento do tratamento e o uso inadequado dos exames de sensibilidade às drogas. Tudo isto pode causar MDR-TB ou mesmo tuberculose extremamente farmacorresistente (XDR-TB).
O tratamento da MDR-TB é muito caro, e, em geral, dura até dois anos. O acesso a dois novos medicamentos para combatê-la, o bedaquiline e o delamanid, continua limitado. Na Índia só estão disponíveis por intermédio de programas de assistência.
A maioria dos pacientes procura o setor privado, mas alguns abandonam o tratamento devido ao seu alto custo. Quando chegam aos hospitais públicos, infectam muitas outras pessoas, e isso também desenvolve formas graves de resistência aos medicamentos, explicou Pai.
“No setor privado são comuns as receitas irracionais. Os médicos fazem suas próprias combinações de medicamentos”, afirmou. “Isso é desastroso. E cada vez que o paciente vai de um médico a outro provam diferentes combinações de medicamentos, agravando a resistência aos remédios”, ressaltou Pai.
Por outro lado, estima-se que cerca de 10% dos medicamentos na Índia são falsificados, o que complica ainda mais o tratamento. Os exames de resistência aos remédios são muito limitados no setor público. “Utiliza-se um tratamento empírico”, pontuou Pai, que não é baseado em um perfil do paciente sobre sua suscetibilidade às drogas.
A solução não é “meramente tecnológica”, disse, por sua vez, Mike Frick, do Treatment Action Group, centro de pesquisa com sede nos Estados Unidos. Novas máquinas de diagnósticos, com a GeneXpert, podem descobrir mais casos de resistência aos medicamentos, mas “não resolvem as falhas do sistema de saúde para dar aos pacientes o mais alto nível de atenção que merecem”, acrescentou.
A Índia tampouco oferece apoio psicossocial e econômico aos seus pacientes, disse Frick. Em todo o mundo, o financiamento das pesquisas sobre a tuberculose diminuiu. Os governos cortaram seus orçamentos e os laboratórios Pfizer e AstraZeneca abandonaram suas pesquisas para o desenvolvimento de anti-infecciosos, o que dificulta o acesso a melhores medicamentos, diagnósticos e vacinas.
Isso “reduz nossas possibilidades de substituir os remédios tóxicos no atual regime contra a MDR-TB por outros novos e mais seguros, que podem ser melhor tolerados pelos pacientes”, detalhou Frick à IPS.
Em 2013, houve inúmeras informações de que os medicamentos estavam se esgotando na Índia. Apesar de o governo ter desmentido, muitos pacientes tiveram que suspender seus tratamentos e outros foram rejeitados nas clínicas. Quando um tratamento não é concluído, abre-se a porta para o desenvolvimento da resistência.
“A cruel ironia é que, mesmo quando os fabricantes indianos de genéricos continuaram produzindo muitos dos remédios contra a tuberculose dos quais dependem pacientes de outros países, o governo não pôde assegurar a disponibilidade para seu próprio povo”, afirmou Frick.
A tuberculose é uma enfermidade oportuna, e os que vivem com HIV, o vírus causador da aids, são mais vulneráveis. Daniel, que pediu para não ter revelado seu sobrenome, é HIV positivo. Há seis meses teve diagnosticado MDR-TB. “Os medicamentos são muito fortes, me tiram todas as forças”, afirmou. Ele foi obrigado a ir a um hospital público devido ao custo exorbitante dos remédios. “Mas ali há longas esperas, e todos acabam sabendo de seu caso. Isso só contribui para o estigma”, afirmou. Envolverde/IPS
(IPS)