Cientistas a bordo do navio Lake Guardian se preparam para retirar amostras da água do Lago Michigan. Foto: Adrianne Appel/IPS
As novas iniciativas de informação ambiental, muitas sem fins lucrativos, não bastam para preencher a lacuna que deixa o desmantelamento do jornalismo científico nos meios de comunicação tradicionais dos Estados Unidos.
Chattanooga, Estados Unidos, 21 de outubro de 2013 (Terramérica).- As notícias do jornalismo ambiental nos Estados Unidos são deprimentes, e os prognósticos piores ainda. Em 1989, havia 85 seções de ciência nos jornais norte-americanos. Em 2012, sobreviviam apenas 19. O jornal The New York Times anunciou, no dia 1º de março, que punha fim ao seu Green Blog, com informação e notícias ambientais e de energia. Antes já havia desmantelado, em janeiro, sua equipe de meio ambiente, que tinha três anos de vida.
Também este ano, a Universidade Johns Hopkins retirou seu programa de redação científica, com três décadas de atividade, seguindo os passos da Universidade de Colúmbia, que em 2009 encerrou seu programa de jornalismo sobre ciências da terra e meio ambiente, pelo escasso interesse que despertava. A extinção do jornalismo científico é uma tragédia em pleno desenvolvimento, afirmam jornalistas especializados dos Estados Unidos.
Em um tempo em que a conversação pública deveria girar em torno de mudança climática, energia, recursos naturais e desenvolvimento sustentável, o espaço que os meios de comunicação deste país dedicam à reportagem ambiental diminui cada vez mais. O primeiro volume do Quinto Informe de Avaliação do Grupo Intergovernamental de Especialistas sobre Mudança Climática afirma que agora já são esmagadoras as evidências de que a espécie humana é o fator principal do aquecimento global.
Entretanto, “na medida em que o jornalismo ambiental diminui, abre-se uma brecha de conhecimento”, apontou ao Terramérica o jornalista Samuel Fromartz, editor-chefe do Food & Environment Reporting Network, um meio de comunicação na Internet sem fins lucrativos. “O público aprende menos sobre problemas ambientais e seus efeitos na saúde, podendo ser presa fácil de afirmações infundadas e sem base científica que frequentemente se vê na internet”, acrescentou o jornalista, em um aparte da 23ª conferência anual da Sociedade de Jornalistas Ambientais (SEJ), realizada de 2 a 6 deste mês em Chattanooga, Tennessee, centro-leste dos Estados Unidos. “Sem jornalistas para revelar notícias e falar com fontes autorizadas, quem perde é o público”, ressaltou.
Scott Dodd, editor de On Earth.org, publicação na internet do Conselho para a Defesa dos Recursos Naturais, considera que a mudança climática é “a notícia mais urgente de nossa era”. Mas os problemas ambientais são “sistematicamente ignorados”, disse ao Terramérica. O meio ambiente deve ocupar, mais ou menos, 25% dos temas que um repórter deve cobrir”, sugeriu Dodd. “Pedem a eles que cubram prefeitura, polícia, comissão de planejamento e, entre uma coisa e outra, consigam alguma notícia ambiental”, observou.
Além disso, Dodd acrescentou que a mudança climática e a energia “tendem a ser complexas, se desenvolvem em longos períodos e exigem um grau de conhecimento que talvez não tenha o repórter comum”, com o qual ele se identifica. “Na informação de longo prazo, como mudança climática, na qual as notícias de hoje não são muito diferentes das apresentadas na semana passada, ou no ano passado, é difícil sem conhecimento encontrar um ângulo novo e convencer o editor de que deve ser o tema da manchete”, argumentou.
Os membros da SEJ, fundada em 1990 por um pequeno grupo de repórteres e editores, é muito eloquente sobre esta redução. De seus atuais 1.300 associados, a vasta maioria é de freelancer (sem vínculo empregatício), muitos deles à força, explicou a diretora-executiva da organização, Beth Parke. Para ser justo, embora o jornalismo ambiental puro tenha diminuído, ainda se pode apreciar algo de “fertilização cruzada” com outros temas da agenda noticiosa. “Em geral, os editores entendem que não podem cobrir saúde, alimentação, bens de raiz, transporte, política, energia e consumo sem incluir, de um modo ou de outro, questões ambientais”, pontuou.
Enquanto o jornalismo ambiental vai acabando nos Estados Unidos, o mesmo não acontece do outro lado do Atlântico, disse Adam Vaughan, editor do site de meio ambiente do jornal The Guardian. Esse veículo de comunicação ainda tem quatro repórteres, dois editores, dois subeditores e um editor de fotografia dedicados a esse tema. Este ano, pela primeira vez, o jornal contratou um correspondente ambiental na Austrália. Outro jornal britânico, The Times, transferiu há pouco tempo um de seus melhores jornalistas, Ben Webster, para a seção ambiental, afirmou Vaughan.
Então, por que o jornalismo ambiental perdeu sua glória nos Estados Unidos?
Segundo Parke, “os escândalos, as celebridades e os esportes, praticamente tudo que não seja reportagem investigativa e rigorosa, é favorecido como oposto a um jornalismo de explicação e de serviço público”. Os meios comerciais estão “sob dura pressão” para cobrir temas que elevem suas vendas, audiências e leitores online, destacou. Contudo, nem tudo está perdido. Esse tremor fez aflorar o crescente jornalismo sem fins lucrativos.
“Vejo que surgem mais sites online especializados, com o InsideClimate, que há pouco ganhou um prêmio Pulitzer, e o Climate Central”, indicou Vaughan. “Há um fenômeno em alta, as iniciativas financiadas por filantropos (como Carbon Brief, China Dialogue e The Energy Desk), bem como notícias de interesse público e distribuição gratuita, produzidas por jornalistas veteranos sob o guarda-chuva da Climate News Network, que estão fazendo parte da melhor reportagem sobre mudança climática”, enfatizou.
“Veja os temas premiados”, apontou Parke. “São notícias sobre vazamento de petróleo, a saúde dos oceanos, alimentos contaminados, mudança climática. Há um grande número de trabalhos excelentes fora da estrutura dos meios de comunicação tradicionais”, acrescentou. No entanto, nesse universo também há espaço para os equívocos. “Vejo blogs e revistas de organizações não governamentais que são como uma extensão de seu trabalho de promoção e comunicação, e não o que deveria ser reconhecido como jornalismo profissional e independente. É uma texto com agenda, por mais imparcial que pretenda ser”, ressaltou.
De outra perspectiva, Dodd se preocupa com que “pouquíssimas pessoas vejam as notícias relevantes que esses novos veículos de comunicação estão produzindo”, porque seu alcance é pequeno, de nicho, sem os recursos nem a audiência que alguma vez dominaram os jornais nacionais ou os programas noturnos das redes de televisão. Envolverde/Terramérica
* A autora é correspondente da IPS.