Não conte com uma dramaturga saudita escrevendo um remix séc. 21 de Look Back in Anger de John Osborne [1] estrelando um monte de gente da realeza saudita não trabalhadora. Mas é raiva mesmo – do Rei Abdullah (abaixo); não apenas pela “dupla moral” da ONU, mas especialmente – silêncio – à administração Obama infiel.
Esta é a explicação saudita oficial da recusa ao mandato de dois anos tão cobiçado no Conselho de Segurança da ONU, apenas algumas horas após sua nomeação.
Não é à-toa que o movimento sem precedentes de autodecapitação da Casa de Saud foi louvado apenas pelos suspeitos submissos de sempre; petromonarquias do Clube Contrarrevolucionário do Golfo, também conhecido como Conselho de Cooperação do Golfo (CCG), assim como o Egito, que agora depende de dinheiro saudita para pagar suas contas e mal e mal sobreviver.
O Kuwait tomou as dores de Riad, o suficiente para mandar “uma mensagem para o mundo”. OS EAU disseram que a ONU tem agora a “responsabilidade histórica” de rever seu papel. O Bahrain – invadido pelos sauditas em 20
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1 – sublinhou a “posição clara e corajosa”. Cairo disse que a coisa toda era “corajosa”.
Como foi corajoso mesmo, pressionar nações árabes e do Pacífico por dois anos e gastar uma fortuna treinando uma dúzia de diplomatas em Nova Iorque por meses apenas para dizerem “não” quando você consegue o prêmio. A Casa de Saud substituiria o Paquistão com um assento do Pacífico; o Marrocos permanece até 2015 em um assento africano. Há apenas cinco meses o assento saudita era considerado como certo na ONU.
Torrentes de bits da NSA fluíram especulando sobre a suposta “agenda reformista” saudita ou a “posição de princípio” quanto a R2P (a doutrina Responsabilidade de Proteger), Palestina e tornar o Oriente Médio uma zona livre de armas.
A seu crédito, o Rei Abdullah avançou um plano para a Palestina desde 2002 baseado em uma solução de dois estados e um retorno a fronteiras pré-1967.
Mas não houve pressão subsequente sobre Israel; ao contrário, Riad é aliada de Tel Aviv para tocar fogo na Síria. Isso implica nenhum esforço para incluir Israel como poder nuclear em um Oriente Médio livre de armas. Já quanto à versão saudita do R2P, isso só se aplica à “proteção” sectária de sunitas na Síria.
Fora de poucos lugares no Oriente Médio, ninguém está seriamente perdendo o sono pela ação adolescente saudita - que mostra uma noção curiosa de influência, ao escolher um golpe de RP para reinventar a corrupta petromonarquia como os campeões de “princípios” de uma causa (reforma da ONU) tanto quanto eles possam tentar influenciá-la por dentro.
Isso implicaria mais escrutínio. Por exemplo, nesta segunda-feira, o Human Rights Council (Conselho de Direitos Humanos), outra instituição da ONU, devidamente acusou a Arábia Saudita pelo seu autêntico histórico de discriminação contra as mulheres e sectarianismo, seguindo relatórios da Human Rights Watch e Anistia Internacional. Como membro do Conselho de Segurança da ONU, a discrepância entre a realidade medieval dentro da Arábia Saudita e sua pomposa agenda “reformista” seria ainda mais flagrante.
Eu quero meu fluido kafir
Uma garrafa daquele precioso fluido kafir [2], Chateau Petrus – muito apreciado por príncipes sauditas em viagens a Londres – pode ser a aposta de que a decisão de “desistir da ONU” veio direto da boca do camelo. E agora que a Casa de Saud decidiu manter sua “influência” do exterior, nada faz mais sentido que o ressurgimento de Bandar Bush – que, neste verão, foi designado pelo Rei Abdullah como o homem no comando da jihad na Síria.
O eterno Ministro do Exterior saudita, Príncipe Saud al-Faisal, almoçou com o Secretário de Estado americano, John Kerry em sua luxuosa residência em Paris nesta segunda-feira. O mistério é qual fluido kafir foi consumido; embora, sem dúvidas, na versão oficial e inofensiva, eles concordaram com um Irã não nuclear, um fim à guerra na Síria e um Egito “estável”. Após a festinha em Paris, durante o fim de semana, Bandar Bush já estava a todo vapor, anunciando abertamente a diplomatas europeus em Riad que ele vai comprar suas armas destinadas à Síria [3] em outro lugar, vai desassociar seu esquema da CIA e vai treinar “seus” rebeldes com outros players, notadamente França e Jordânia.
O Wall Street Journal deu a história, que previsivelmente não apareceu na mídia árabe (90% dela é controlada por diferentes ramos da Casa de Saud).
Ainda mais interessantes são duas outras informações vazadas por diplomatas. A Casa de Saud queria que os EUA fornecessem alvos a serem atingidos na Síria quando a tal da guerra cinética de Obama começasse. Washington recusou peremptoriamente.
Melhor ainda; Washington supostamente disse a Riad que os EUA não seriam capazes de defender a Província Oriental, majoritariamente xiita e rica em petróleo, se os Tomahawks começassem a voar pela Síria. Imagine o show de horrores em Riad; afinal, a proteção da máfia pelos petrodólares reciclados/investidos na economia americana é a base para este casamento disfuncional por quase sete décadas.
Portanto, isso deveria nos levar à tal da “postura independente em política externa saudita”, tão falada a ser implementada em relação à Washington. Não contem com isso.
Tanto quanto a Casa de Saud está completamente paranoica quanto às últimas ações da administração Obama, ter um ataque de raiva não vai mudar para onde os ventos geopolíticos estão soprando. A ascensão geopolítica do Irã é inevitável. Uma solução síria está no horizonte. Ninguém quer jihadis ensandecidos andando livres da Síria ao Iraque e pelo Oriente Médio.
A tentativa saudita de criar “um novo arranjo de segurança para o mundo árabe” é uma piada – como demonstrado por este shill [4] financiado pelos sauditas.
A verdade é que uma Casa de Saud raivosa e temerária não consegue confrontar o protetor benigno Washington. Ter um ataque de raiva – como berrar para chamar – é para bebês geopolíticos. Sem os EUA - ou “o Ocidente” – quem vai manter a indústria saudita de energia? Camelos sem PhD? E quem vai vender (e manter) aquelas armas maravilhosas? Quem vai defendê-los por esmagar o verdadeiro espírito da Primavera Árabe, no CCG e além?
O eterno Ministro do Exterior Príncipe Saud está gravemente doente. Ele será substituído por um recém nomeado vice primeiro ministro.
Adivinhe quem?
O Príncipe Abdul Aziz bin Abdullah, o filho do rei. Ao invés de uma postura “de princípios” contra “double standards”, a ação da Casa de Saud na ONU se parece mais com nepotismo.
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Notas do tradutor
[1] Expoente dos Angry Young Men, movimento dramatúrgico inglês do final dos anos 1950.
[2] Fluido dos infiéis, ou seja, bebida alcoólica.
[3] Aos rebeldes sírios, bem entendido.
[4] Apologista.
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22/10/2013, Pepe Escobar, Asia Times Online - The Roving Eye
“The self-beheading House of Saud”
Traduzido por João Aroldo
[*] Pepe Escobar (1954) é jornalista, brasileiro, vive em São Paulo, Hong Kong e Paris, mas publica exclusivamente em inglês. Mantém coluna (The Roving Eye) no Asia Times Online; é também analista político e correspondente das redes Russia Today, The Real News Network Televison e Al-Jazeera. Seus artigos podem ser lidos, traduzidos para o português pelo Coletivo de Tradutores da Vila Vudu, no blog redecastorphoto.
Livros
- Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War, Nimble Books, 2007.
- Red Zone Blues: A Snapshot of Baghdad During the Surge, Nimble Books, 2007.
- Obama Does Globalistan, Nimble Books, 2009.