Que má sorte está perseguindo os inimigos do presidente Bashar Assad da Síria! Perderam Al-Qusayr. O Qatar e a Turquia às voltas com ondas de instabilidade interna. Homs, cidade estrategicamente importante, está para cair a qualquer momento, atacada por tropas do governo. No Egito, o presidente Mursi foi deposto. Pergunto-me o que acontecerá depois de Aleppo ser libertada. O rei da Arábia Saudita abdicará? Ou algum dos países ocidentais que apoiam inimigos de Assad serão desmoralizados, de uma vez por todas? A desgraça parece rondar os arrogantes e criminosos que tanto insistem em fazer sofrer a ancestral terra síria, cujas raízes chegam aos tempos bíblicos...
Nenhum desses eventos foi causado por questões internas. Mas haverá algum elo entre a crescente onda de contrarreforma no Oriente Médio e os eventos na Síria? Sem dúvida, há. É o enorme vácuo que se percebe, entre as proclamadas ideias da Primavera Árabe e a política que cada um dos países acima mencionados pratica em relação à Síria. Sob os slogans de liberdade, esses países têm apoiado a barbárie e a selvageria, aliados aos EUA e a Israel, países que absolutamente não se contam entre os admiradores do Islã. É difícil enganar o povo. O povo entende muito bem o que se passa e não sente nenhum desejo de apoiar estados bandidos.
É uma ocasião rara, na história do mundo, quando há diferença tão grande entre a opinião pública, contrária à intervenção na Síria, e a política intervencionista das potências dominantes. A diferença é irreconciliável e clara; e vale tanto para o oriente quanto para o ocidente.
O ministro da Defesa e comandante-em-chefe das forças armadas do Egito, general Abdel-Fattah El-Sisi agiu de forma muito semelhante ao que fez o general Pinochet no Chile, quando o presidente Allende foi derrubado (o mesmo plano e as mesmas táticas, tudo concebido pela CIA). El-Sisi foi indicado por Mursi, que confiava nele, como Allende confiara em Pinochet. Sisi fez tudo que podia para construir uma reputação de que seria íntimo da Fraternidade Muçulmana. Muitos, no campo de Mursi descuidaram-se da vigilância, porque o presidente teria controle sobre os militares, depois de ter deposto todos os principais comandantes adversários. Mas os interesses corporativos dos militares prevaleceram sobre a lealdade declarada. Especialistas do GIGA Institute of Middle East Studies, com sede em Hamburg, entendem que a razão de as lideranças militares estarem descontentes com Mursi é o fato de que ele imiscuiu-se nos interesses comerciais dos próprios militares, que alcançam ¼ da economia do Egito. Os militares egípcios têm interesses comerciais no campo do turismo, da construção civil, da construção de estradas e outros projetos de infraestrutura. E os militares recebem ajuda dos EUA, que alcança 1,3 bilhão de dólares.
Os eventos no Egito trazem à lembrança o que aconteceu na Argélia, em 1991. Houve eleições parlamentares dia 26/12/1991, as primeiras eleições com vários partidos, desde a independência. O resultado das urnas foi cancelado por golpe militar logo depois do primeiro turno, o que levou à guerra civil, depois de os militares terem concluído que havia risco de a Frente de Salvação Islâmica, que quase com certeza conquistaria mais de 2/3 dos assentos à Assembleia necessários para modificar a Constituição, vir a constituir, por via democrática, um estado islâmico. O presidente Chadli Bendjedid foi forçado a sair. A Frente foi banida. 100 mil morreram na guerra civil que se seguiu ao golpe militar de 1991 na Argélia. Até hoje ainda há repercussões.
O Egito repetirá o quadro argelino? Essa possibilidade ainda não está totalmente descartada. Mas há a possibilidade, embora pequena, de que os militares egípcios decidam assumir plenamente o controle dos destinos do país. Mas, diferente de seus companheiros de farda na Argélia, no Egito os militares não têm, nem petróleo, nem gás. O ocidente pode não se interessar por apoiar diretamente uma ditadura militar absoluta. Embora aliado dos Irmãos Muçulmanos, o Qatar, principal apoiador árabe do país, pode não querer ajudar o novo regime. Surpreendentemente, a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos aliaram-se à conspiração – motivo pelo qual os militares egípcios obtiveram o apoio dos salafistas. Mas não se comparam a Doha, em termos da quantidade de ajuda que podem oferecer. Ações terroristas e baionetas absolutamente não combinam com turismo, a principal fonte de recursos da economia do Egito. A única fonte de renda relativamente estável, embora não suficiente, do Egito, é o Canal de Suez.
É difícil impedir que o país caia na anarquia. É possível que os militares não consigam controlar tudo, ainda que o desejassem. Por isso, Adly Mansour, juiz civil, foi posto na presidência do país, com o compromisso de organizar eleições e adotar nova Constituição (ainda sem data marcada).
Mas a oposição “sob ditadura” nunca é oposição a priori fraca. A ditadura é desafiada pelos que ousam enfrentar abertamente o poder e podem “agitar” o regime, mantê-lo instável. Tudo leva a crer que o Egito enfrentará longo período de instabilidade e de desafios ao poder. Os ventos inaugurados pelo discurso do presidente Obama no Cairo não morrerão, nem facilmente, nem rapidamente. Stratfor, dos EUA, crê que a coalizão “Tamarod” de grupos políticos foi constituída com o objetivo de derrubar Mursi. Mas, colcha de retalhos – que aproxima liberais e fundamentalistas – o grupo inevitavelmente rachará. Os problemas do Egito praticamente não se alteram, não importa quem esteja no poder.
Nessas circunstâncias, não é fácil escolher novo líder.
O presidente da corte constitucional e presidente interino, Adly Mansour, nada sabe do ofício de governar. Não por acaso, o ex-presidente da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) El-Baradei apoiou plenamente a mudança, mas recusou-se a presidir o governo de transição, sabendo que não conseguiria mudar rapidamente a situação no país. O outro nome cogitado e candidato, Farouk El Okdah, ex-presidente do Banco Central do Egito, não passa de coadjuvante político e não tem a suficiente autoridade.
Entre os Irmãos, a principal preocupação é que todos os seus líderes estão presos. Os membros da organização não estão ameaçando qualquer tipo de resistência armada e prometem moderação. Como se não quisessem provocar os militares nem levá-los a excluí-los da lista de candidatáveis, para que nem possam concorrer a eleições que muito provavelmente vencerão outra vez (embora ninguém saiba o que fazer para retomar a vida econômica e todos saibam que, sem medidas nesse campo, as ruas logo voltarão a encher-se).
Por hora, limitam sua atividade aos protestos de massa e ataques aos novos poderes, com o quê mantêm-se psicologicamente ativos e presentes na opinião pública. Por exemplo, a Fraternidade Muçulmana já espalha informação segundo a qual o presidente interino Adly Mansour seria membro de uma seita judaica chamada Adventistas do Sétimo Dia. O boato foi insistentemente repetido por blogueiros árabes, até suas páginas serem deletadas pela empresa Facebook.
Criaram a União Nacional de Partidos pelo Poder Legítimo [orig. National Union of Parties for Legitimate Power] – novo movimento que une todas as organizações islamistas do Egito. A nova União já está convocando manifestações de rua em todo o país, embora recomende que não se façam manifestações violentas e evitem-se confrontos com o exército.
Para o jornal britânico The Guardian, a junta egípcia é apoiada por fundamentalistas como a frente Jamaat al-Islamiyya e o Partido al-Nour, dos salafistas. Mursi errou gravemente ao excluí-los do poder. Resultado disso, tornaram-se agora os mais vociferantes dos manifestantes nas ruas do país. Além disso, os jihadistas acusaram os adversários políticos de terem traído a fé e de se renderem ao ocidente. Equivale a dizer que a aliança da Fraternidade Muçulmana com os EUA não trouxe qualquer benefício aos Irmãos. E Washington também nada tem a comemorar. De fato, os EUA abandonaram os Irmãos à própria sorte, como, antes, também abandonaram Mubarak. E a bandeira islamista acabou nas mãos dos salafistas – os islamistas mais radicais e mais figadais inimigos do ocidente.
Manifestação do Movimento "Tamarod"em 29/6/2013
O principal traço do “Verão Egípcio” e sua mudança de regime é o fato de que os militares apenas depuseram o governo eleito, sem assumirem eles mesmos o poder.
Em certo sentido, tem ares de “golpe incompleto”. EUA e União Europeia já declararam que não veem os eventos como golpe militar – posição que os livra de ter de impor sanções ao Egito. Anders Fog Rasmussen, secretário-geral da OTAN, disse que não faz diferença se foi golpe ou não. Para ele, só interessa fortalecer a democracia no país. Em termos simples, é lógica de Jesuíta.
Por seu lado, Barack Obama limitou-se a declaração confusa, em que disse que os EUA abstêm-se de apoiar políticos ou partidos e creem na supremacia do processo democrático e da lei. Conclamou os militares egípcios a devolver o país a governo civil o mais depressa possível. Disse, de fato, que os rituais democráticos não interessam e que Washington aprova a mudança de regime no Egito, mesmo que ignore todas as normas democráticas.
Mas os aliados dos EUA não estão gostando. A agência estatal turca, Anadolu, disse que nada justifica o que houve no Egito. O primeiro-ministro Erdogan convocou uma reunião de emergência do gabinete. O ministro das Relações Exteriores, Ahmet Davutoglu, disse que a destituição do poder só pode acontecer mediante processo eleitoral, respeitada a vontade popular. É inaceitável derrubar por meios ilegais um governo democraticamente eleito, sobretudo se derrubado por golpe militar.
É claro que a Turquia tem muito com o que se preocupar. A mudança de poder no Egito é exemplo eloquente da facilidade com que os EUA desertam e traem os aliados de ontem.
Israel ainda não se manifestou. Evidentemente apoia o golpe, percebendo-o como uma espécie de retorno dos apoiadores de Mubarak com os quais Telavive sempre se entendeu muito bem. A principal preocupação é com a possibilidade de os EUA suspenderem a ajuda militar, caso em que os acordos de Camp David podem ser ameaçados.
De todos os chefes de Estado, Bashar Assad foi quem ofereceu o comentário mais detalhado, ao jornal sírio Al-thawra. Segundo ele, o que está acontecendo no Egito é prova de que são fúteis todas as tentativas para politizar o Islã. Pensava, aí, no sistema que a Fraternidade Muçulmana tentou impor. O presidente disse que é erro usar o Islã para obter vantagens políticas, porque religião e políticas devem ser capôs separados: “Quem quer que use a religião para alcançar objetivos político partidários perderá sempre, onde quer que o faça – no Egito ou em qualquer outro país do mundo”.
O colapso do Islã usado como sistema político de governo explica-se pelo fato de que o “Islã político” é uma ideologia: o projeto político da Fraternidade Muçulmana levou a uma cisão no mundo árabe. Os Irmãos provaram isso aos egípcios. O povo entendeu que fora enganado desde os primeiros dias da revolução egípcia.
Quando perguntado por correspondentes se confirmava a informação que a Agência Reuters recebera de fontes militares egípcias, de que uma das motivações para o golpe seria a decisão de Mursi de romper relações com a Síria, o presidente Assad respondeu que não podia falar em nome do povo egípcio, mas confirmou que houve contatos entre o governo sírio e fontes no Egito, que diziam que a decisão fora um erro.
A grande lição a extrair, que beneficiará políticos em todo o mundo, é simples: deixem em paz a Síria!
A Síria tem potência, até, para encerrar carreiras de presidentes eleitos!
7/7/2013, Dmitry MININ, Strategic Culture
“Egypt: Takeover Short of Military Coup”
Traduzido pelo pessoal da Vila Vudu
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