Refugiada maliana com filhos no Níger. Foto: ACNUR/H.Caux
Bamako, Mali, 26/3/2013 – Um dos filhos de Amina Diallo está desaparecido desde agosto do ano passado. Ela acredita que Salif, de 14 anos, foi sequestrado por rebeldes islâmicos quando ia ao mercado de Gao, a cidade onde viviam, no norte de Mali, para convertê-lo em combatente. “Onde estiver, saiba que continuo rezando para que volte vivo e são”, disse à IPS.
Uma intervenção militar francesa permitiu que o exército recuperasse o controle do norte de Mali em janeiro, mas a região continua submersa em uma situação de instabilidade, com centenas de milhares de refugiados internos, crianças desaparecidas e escassez de alimentos. O norte do país esteve por mais de um ano sob controle de combatentes de diferentes grupos islâmicos, entre eles Al Qaeda no Magreb (AQMI), Ansar Dine e Movimento pela Unicidade e a Jihad na África Ocidental (Muyao).
Diallo e seus outros quatro filhos abandonaram Gao em outubro e se mudaram para a casa de um parente em Bamako. Ela não perde a esperança de voltar a ver Salid, mas as probabilidades são escassas. A única resposta que recebeu das autoridades foram as condolências por sua perda e garantia de que o exército fazia o possível para averiguar o paradeiro dos menores desaparecidos.
Laura Blank, diretora de relações com a mídia da organização cristã World Vision, disse à IPS que os menores de Mali continuam em perigo. “Menores sem supervisão também são vulneráveis a assédio sexual e violência, inclusive podendo ser recrutados como crianças-soldado por grupos armados. E este continua sendo um motivo de preocupação para nós”, afirmou.
Um relatório da organização Human Rights Watch (HRW), publicado no mês passado, conclui que meninos e meninas de até 11 anos eram expostos na frente de luta pelos combatentes islâmicos. Cidadãos afetados por isso contaram à organização, com sede em Nova York, que viram crianças-soldado caídas em meio a um banho de sangue depois de vários combates. O Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) informou que pelo menos 175 menores foram recrutados em 2012 neste conflito.
Blank informou que sua organização trabalha como voluntária para compartilhar informação com a população local sobre como proteger os menores e ajudar os pais a mantê-los a salvo. “As crianças e suas famílias continuam em situação vulnerável. O acesso a alimentos, água, medicamentos e abrigo seguro é cada vez mais restrito, e os menores são propensos a adoecerem”, apontou.
Nem todos os menores participaram dos combates. Alguns foram usados como mensageiros, cozinheiros ou espiões. Outros foram convertidos em escravos sexuais dos combatentes. Oumou Camara foi obrigado a ver como homens fortemente armados, que realizavam operações de porta em porta em Gao, lhe arrebatavam das mãos sua filha de 16 anos. Buscavam menores, viúvas ou mulheres solteiras para entregá-las aos mujahidines (combatentes da guerra santa), segundo contou à IPS.
“Levaram minha filha na ponta de pistola e nos ameaçaram de morte se resistíssemos”, contou Camara, com sete filhos. “Não voltei mais a vê-la”, lamentou. Camara perdeu a esperança de recuperá-la e não confia nas autoridades. “O que podem fazer se nem mesmo conseguiram lutar sua própria guerra. Não posso fazer nada além de rezar”, afirmou.
É impossível obter declarações de fontes do governo. Os meios de comunicação independentes estão proibidos de entrar na zona do conflito e as autoridades ameaçaram deter e processar quem publicar “informação sensível” capaz de incitar uma rebelião sob o atual estado de emergência.
As organizações humanitárias que protegem os menores vulneráveis também estão preocupadas com a disponibilidade de alimentos. O preço destes disparou, o que foi agravado pela escassez de cereais. O arroz aumentou mais de 50% desde outubro, informou a Oxfam Internacional. “Muitos comerciantes de Gao se mudaram ou venderam todas suas reservas”, contou à IPS a diretora de campanha da Oxfam no Mali, Ilaria Allegrozzi.
Além disso, a população da região tem pouca disponibilidade de dinheiro em efetivo porque o conflito perturbou o funcionamento normal do sistema bancário. “A maioria das pessoas de Gao não tem mais dinheiro, está endividada e vendeu seus bens, e com isso esgotou suas estratégias de sobrevivência”, insistiu Allegrozzi, lembrando que a Oxfam fornece alimentos para cerca de 70 mil pessoas.
Blank, por sua vez, disse que até dezembro a World Vision atendeu cerca de 130 mil refugiados em Bamako, Segou e Sikasso, no sul de Mali. Neste contexto, a busca por menores desaparecidos ou sequestrados é difícil, pois o conflito já deixou mais de 260.660 deslocados, segundo o escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).
Além disso, há mais de 170.300 refugiados nos países vizinhos: Níger, Mauritânia e Burkina Faso. Muitos são reticentes em voltar para suas casas no atribulado norte de Mali. “Não tenho pressa para regressar porque, embora a guerra tenha acabado, o que vamos comer? O que vou vender e comprar no mercado? Gao está sedenta, faminta e doente”, ressaltou Diallo. Envolverde/IPS
(IPS)