Uma jovem mãe de Bangladesh assiste aula de capacitação sobre como preparar alimentos terapêuticos prontos para usar, com ingredientes locais e baratos. Foto: Naimul Haq/IPS.
Daca, Bangladesh, 26/3/2013 – Quando Borsha, de apenas nove meses, foi admitida em janeiro no Centro Internacional para a Pesquisa sobre a Diarreia em Bangladesh, estava à beira da morte. Ela sofria de desnutrição aguda severa, bastante conhecida para muitos dos 150 milhões de habitantes deste país da Ásia meridional. Seu peso era perigosamente inferior ao normal.
A preocupação de sua mãe, de 26 anos, que viajara 30 quilômetros desde seu povoado natal de Dhamrai para que a menina recebesse o melhor tratamento possível em Daca, a capital do país, era que os médicos não pudessem salvá-la. Contudo, graças a uma intervenção oportuna, agora Borsha tem uma nova oportunidade de viver, e não será uma das milhares de crianças que morrem por falta de acesso a uma nutrição adequada.
Borsha é beneficiária de várias tentativas de frear a desnutrição severa, responsável pela morte de um milhão de crianças ao ano, e uma quantidade grande delas morre sem ter recebido o tratamento necessário. O mal se caracteriza por uma deficiência severa de micronutrientes vitais como zinco, ferro e iodo, bem como de vitaminas cruciais. Estas crianças correm sério risco de contrair inúmeras outras infecções.
Um peso muito baixo em relação à altura, braços finos, corpo com sinais de emaciação (perda de peso), pés inchados e depressão dos globos oculares são sintomas comuns da desnutrição aguda. As crianças afetadas por esta doença correm nove vezes mais risco de morte do que aquelas que contam com uma nutrição normal.
Até há pouco tempo, a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) recomendavam que as crianças desnutridas fossem enviadas a um hospital para receberem dietas terapêuticas junto com o tratamento médico necessário. Mas o que salvou a vida de Borsha, e o que os especialistas esperam que salve a de milhões de outras crianças menores de cinco anos que sofrem desnutrição em Bangladesh, não foi o fato de ser levada a um hospital.
Após uma década de pesquisas, os especialistas do Centro Internacional para a Pesquisa sobre a Diarreia concluíram que as crianças com desnutrição aguda severa podem ser tratadas em suas casas com alimentos terapêuticos prontos para serem usados, elaborados com base em ingredientes disponíveis localmente. Exceto em casos de complicações médicas imprevistas, esta prática quase elimina a necessidade de uma viagem potencialmente mortal de casa ao hospital.
Na verdade, os cientistas descobriram que tratar as crianças em suas casas ou dentro da comunidade em que vivem com alimentos terapêuticos prontos para uso reduz em até 55% os casos fatais, e é efetivo em todos os bebês com idade em torno dos seis meses de vida.
“O protocolo prévio de manejo padronizado para tratar a desnutrição aguda severa consistia em administrar a nutrição em ritmo lento, com intervalos frequentes e durações mais breves de fluido intravenoso. O novo protocolo que desenvolvemos agora é exatamente o contrário: uma dieta de emergência com uma terapia mais prolongada de reidratação proporcionada com maior frequência e em ritmo mais rápido”, explicou à IPS o médico Iqbal Hossain, pesquisador principal do Centro.
“A pesquisa que desenvolvemos desde 1997 mostra que a mortalidade caiu de 17% para menos de 5% dos casos registrados”, como resultado direto deste novo protocolo, acrescentou o médico. Outro “segredo do sucesso”, segundo Iqbal, é o “halwa” ou “khichuri”, mistura de pasta de arroz e lentinha com óleo de soja, melaço, finos grãos de cereais, grão-de-bico, e algumas verduras fervidas, que constituem o complemento alimentar terapêutico pronto para usar. “O halwa e o kuchuri são social e culturalmente aceitáveis e baratos, e estão disponíveis para as pessoas que sofrem insegurança alimentar”, disse à IPS Nuzhat Choudhury, cientista-adjunto do Centro.
Em geral, o tratamento da desnutrição aguda severa tem três etapas: estabilização, reabilitação nutricional e acompanhamento. Até há pouco tempo, em Bangladesh, a doença era tratada no âmbito hospitalar, exigindo internação. O aumento de peso é um aspecto crucial do tratamento, e a terapia intensiva com micronutrientes contínua por três meses, com vistas a aumentar o peso em dez gramas por dia. Mas a maioria dos casos nas áreas rurais não podia receber atenção clínica, em boa parte porque não costuma haver uma busca ativa de casos da enfermidade nas aldeias.
Além disso, poucas famílias no país – onde cerca de 40 milhões de pessoas vivem abaixo da linha de pobreza – podem pagar pelos serviços hospitalares, e, também, a maioria dos hospitais carece das instalações necessárias para lidar com a enorme quantidade de casos de desnutrição severa.
“Aproximadamente, 85% dos que sofrem desnutrição aguda severa não podem pagar uma hospitalização ou prevenir a mortal enfermidade em suas comunidades”, disse à IPS o médico Tahmeed Ahmed, líder da equipe pesquisadora do Centro. “Por esta razão capacitamos trabalhadores comunitários da saúde, mães e outros membros das aldeias, para difundirem as técnicas de manejo da doença”, destacou. Segundo Ahmed, isto é semelhante à solução de reidratação oral dada às crianças que sofrem diarreia, que agora também é administrada em casa.
Ahmed é um pediatra de prestígio internacional e diretor do Departamento para a Nutrição e a Segurança Alimentar no Centro, e ajudou a criar os cursos de capacitação sobre manejo da desnutrição aguda severa para países como Afeganistão, Tanzânia, Uganda, Papua Nova-Guiné e outros, com apoio da OMS, do Unicef e da seção dedicada à nutrição da Agência Internacional de Energia Atômica.
Mariam, cujo filho Tanvir, de um ano, foi admitido no Centro em janeiro, acredita que a capacitação de mães e membros da comunidade é importantíssima. “Sem o conhecimento sobre como lidar com a doença, milhares de crianças morreriam. Todas as mães deveriam aprender como preparar a dieta local; é simples, fácil e, sobretudo, salva vidas”, disse Mariam à IPS.
Médicos e enfermeiros em hospitais e clínicas de todo o país também foram capacitados e agora promovem melhores práticas em áreas rurais, particularmente nas regiões agrícolas do noroeste do país, em Rajshahi e Rangpur, onde é comum a escassez de alimentos e frequentemente as crianças sofrem raquitismo e baixo peso.
Embora a mortalidade nos hospitais que tratam o mal ainda esteja entre 20% e 30%, as comunidades têm conhecimento de como manejar o problema reduzindo esse índice para 5%. O Centro planeja fornecer às famílias rurais kits higienicamente condicionados de alimentos terapêuticos prontos para uso que não exigem refrigeração nem cozimento e que podem ser armazenados em temperatura ambiente durante meses.
A OMC cita a desnutrição como a maior ameaça à saúde pública mundial. Esforços como os desenvolvidos em Bangladesh estão fazendo com que o planeta fique mais perto de atingir o quarto dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio, que busca reduzir em dois terços a mortalidade de menores de cinco anos até 2015. Envolverde/IPS
(IPS)