Mulheres protestam contra a insegurança em um acampamento de Porto Príncipe. Foto: Valeria Vilardo/IPS
Porto Príncipe, Haiti, 11/3/2013 – O Haiti está a caminho de introduzir grandes reformas em seu Código Penal, com a finalidade de facilitar que se faça justiça nos casos de violação de mulheres. As emendas ao Código definirão com precisão o crime de agressão sexual de acordo com o direito internacional, legalizarão alguns tipos de aborto em casos de gravidez por violação e castigarão os abusos dentro do casamento. As mudanças também ordenam a assistência legal financiada pelo Estado às vítimas que não podem pagar e proíbem, pela primeira vez na lei haitiana, a discriminação por “orientação sexual”.
“Creio que é um momento emocionante”, declarou Rashida Manjoo, relatora especial das Nações Unidas sobre Violência Contra as Mulheres, em uma conferência realizada no mês passado sobre as reformas. “É um pequeno começo com o Código Penal, mas um bom começo”, afirmou. Advogados e ativistas presentes nesse encontro analisaram um rascunho de três páginas sobre as reformas, e expressaram sua confiança de que o parlamento as aprovará este ano. Porém, Manjoo alertou que a lei não poderá ser plenamente implantada sem um adequado financiamento de doadores e sem a colaboração da população.
Nos três anos passados desde o terremoto de 2010, o problema da violência sexual se agravou neste país. Veículos de comunicação internacionais se referiram a uma “epidemia de violações” nos acampamentos de desalojados instalados em razão do terremoto, que são inúmeros em Porto Príncipe. Estudo de 2012, realizado por uma coalizão de grupos legais e de mulheres, mostra que pelo menos uma integrante de 14% das famílias desalojadas foi vítima de um ataque sexual. Cidadãos, polícia e advogados tentam combater a violência contra as mulheres nas comunidades.
Em alguns acampamentos os refugiados formaram brigadas de segurança. Um informe da coalizão de solidariedade haitiana Poto Fanm+Fi concluiu que essas brigadas são, de fato, mais efetivas do que as patrulhas das forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU). Em todas as delegacias da capital agora há funcionários capacitados para atender e ajudar vítimas de agressões sexuais, explicou à IPS a coordenadora para Assuntos das Mulheres da Polícia Nacional Haitiana, Marie Gauthier. Entretanto, “agora precisamos é de veículos para transportar rapidamente e prender o responsável”, acrescentou.
As vítimas da violência sexual muitas vezes apelam ao apoio moral e humanitário fornecido pelo grupo de mulheres Kofaviv. O terremoto destruiu a sede central desta organização, deslocando suas fundadoras para uma barraca de campanha. Porém, logo conseguiram garantir apoio financeiro de doadores, inclusive do governo dos Estados Unidos, o que lhes permitiu ter acesso a um prédio de dois andares e expandir seus programas.
Mulheres chegam de todas as partes de Porto Príncipe para participar de reuniões semanais, nas quais vítimas de ataques sexuais podem estreitar os laços e compartilhar informação. Aos tribunais chegam cada vez mais casos de violações, segundo afirma o Bureaus des Avocats Internationaux (BAI). Quase um terço dos julgamentos no último verão boreal no tribunal de Porto Príncipe foi por acusações de violação. Três homens foram condenados.
“Isto é muito significativo, considerando que há apenas dez anos quase nenhum caso era processado”, disse à IPS a advogada Nicole Phillips, da BAI, acrescentando que se trata de um “enorme passo adiante”. Antes, os juízes pediam às vítimas que apresentassem atestados médicos no prazo de 48 a 72 horas demonstrando terem sido violadas. Mas era difícil, ou mesmo impossível, obtê-los, devido ao estigma, ao trauma e aos custos econômicos.
“Os julgamentos estão ficando mais sofisticados”, pontuou Phillips. Os tribunais agora dependem mais de depoimentos de especialistas e profissionais médicos. A advogada elogiou os juízes e a polícia em Porto Príncipe por levarem mais a sério as acusações de violação. Porém, os progressos no Haiti no combate à violência contra as mulheres enfrentaram um grande teste no começo deste ano. Quando Marie-Danielle Bernadin contou pela primeira vez aos seus amigos mais próximos que foi violada por seu chefe, o presidente do Conselho Eleitoral, Josue Pierre-Louis.
Todos a aconselharam a abandonar o país. “Onde conseguirá justiça aqui? Não denuncie”, recordou o que lhe diziam. “Mas, não posso manter algo assim escondido. Quando alguém te machuca, te viola e tudo termina. Simplesmente, pode-se guardar isso? Isso me deixaria louca”, destacou à IPS. Bernadin foi à polícia em novembro de 2012, pouco depois do incidente, e denunciou que Pierre-Louis, um dos homens mais poderosos do país, a violentara depois que ela o questionou sobre fotos de mulheres nuas em seu telefone celular. Pierre-Louis negou essas acusações e a acusou de “espionagem”.
Em uma audiência preparatória, em janeiro, partidários de Pierre-Louis se manifestaram com cartazes diante dos tribunais. Cinco dias depois, Bernadin retirou as acusações. Em um comunicado, afirmou: “Decidi retirar a acusação, mas reafirmo que apanhei e fui violada por Josue Pierre-Louis”. Bernadin contou que foram os meses mais difíceis de sua vida, e afirmou que partidários de Pierre-Louis tentaram silenciá-la de diversas maneiras. Ao seu pai foi oferecido um emprego no exterior, sua família nos Estados Unidos recebeu ameaças telefônicas e na internet circulou uma foto falsa sua com a intenção de caluniá-la. Envolverde/IPS
(IPS)