Era uma vez um rio de água cristalina, com muitos peixes, navegável, que vivia cansado de sua rotina. Todo dia a mesma coisa, a mesma direção, as mesmas margens, os mesmos barcos e pescadores, o mesmo mar para desaguar.
Após um tempo, tempo de reflexão, o rio resolveu mudar de vida, mudar o seu jeito de ser. Tentou mudar de nascente. Arrependeu-se. Viu que não era bom mexer naquilo que lhe dava origem. Voltou-se contra o mar. O mesmo mar que o acolhia todos os dias. Desejou trocá-lo de lugar, afastá-lo para bem distante. Desistiu. Pensou no tamanho do mar, no esforço que teria que realizar.
Continuou refletindo. Teria que mudar sua rotina. Lembrou de suas margens. Ah! Estas sim! Se as mudasse poderia expandir-se, conhecer novos horizontes, novos barcos e pescadores. As margens eram prisões e representavam o motivo de sua insatisfação. Ele vivia marcado por elas, determinado, delimitado. Que chatice! Armou um plano, com a ajuda de seu amigo vento, para rompê-las. Ultrapassou-as, submergiu-as, caminhou célere pelos pastos e florestas, estava livre. Quanta realidade nova!
Com o tempo começou a notar algumas mudanças no seu jeito de ser. Já não era o mesmo. Suas forças já não correspondiam à sua vontade e, por mais que o vento ajudasse, sentia grandes dificuldades em caminhar. Sua profundidade diminuía a cada dia, os peixes, os barcos e os pescadores foram desaparecendo. Tentou voltar. Sozinho não conseguiria conduzir-se como antes. Sua foz perdeu a grandiosidade, a beleza do encontro com o mar! Viu-se transformado em lagos, lagoas. Sentiu necessidade de ser reconduzido, de ser delimitado, determinado. Percebeu que sua revolta, seu inconformismo, algo insensato, fruto de uma paixão cega pela falsa liberdade, levara-o a uma situação de infelicidade. Continuou refletindo. Agora, é lógico, com uma outra lógica. Compreendeu que as margens, antes vistas como prisões, eram limites que sustentavam suas forças, as forças de sua nascente, o seu caminhar, a existência de peixes, barcos e pescadores e, sobretudo, o seu desaguar no mar.
O rio amadureceu como rio. Viu o que era ser lago, lagoa, quando nascera para ser rio. Não que ser lago, lagoa, não fosse bom. Porém, ele precisava ser rio, voltar para o seu leito original e para o mar. Ele possuía um mar esperando-o. Era necessário voltar a ser aquilo para o qual fora destinado. Era necessário reencontrar-se com suas margens, com sua vocação. As margens que o limitavam eram garantia de ser rio.
A história do rio que rompeu seus limites, os naturais, e viveu a experiência da infelicidade, oferece para nós, pais e educadores, uma significativa reflexão relacionada aos filhos e alunos. Eles, sobretudo na adolescência e na "primeira" juventude, vivem quebrando limites, rompendo barreiras, desafiando as margens que a vida oferece como referencial de originalidade e liberdade.
Trabalhar para que nossos filhos e alunos sejam originais, únicos em meio ao universo juvenil, requer bastante diálogo, presença educativa que permite aos mesmos refletirem sobre suas histórias e, em especial,sobre o Projeto de Vida, as margens que cada um deve preservar para estabelecer sua identidade pessoal e social.
Quanto à liberdade, faculdade de agir de uma maneira ou de outra, ou de não agir, nós, pais e educadores, devemos ter em mente que a mesma não significa atitude produtora de atos inconsequentes, atos que estejam contrários aos valores básicos da dignidade humana. A liberdade é margem, é limite que define as competências de cada um nas suas relações com os outros e com o mundo.
Os limites, aqueles que, naturais e equilibrados, são fundamentos para a originalidade e a liberdade do ser, jamais podem ser quebrados. Eles apontam caminhos, ensinam métodos para caminhar em direção ao mar da realização, da personalização. Quebrá-los, desejar rompê-los a qualquer preço, é deixar de ser original, é perder a dimensão para a qual fomos criados, fazendo-nos lago, lagoa, quando deveríamos ser rio.