"Agora vou terminar
Agora vou discorrer
Quem sabe tudo e diz logo
Fica sem nada a dizer"
(Gilberto Gil, Roda)
Restando apenas uma quinzena de campanha eleitoral, chega a hora de dizer exatamente a que venho e por que nela estou. A sinceridade é sempre o melhor caminho.
Eterno otimista, durante o Caso Battisti eu superestimei o papel da internet como ferramenta para o bom combate. Pensei que continuaria obtendo a mesma repercussão nas lutas vindouras.
As decepções se sucederam: a ocupação militar da USP, que representa um retrocesso aos tempos nefandos da ditadura de 1964/85; a higiene social na Cracolândia, desumanidade a serviço da especulação imobiliária; e a barbárie no Pinheirinho, que em qualquer país civilizado acarretaria o impeachment do principal culpado, o governador do estado.
Parte da esquerda não quis reagir à altura, nos três episódios. Eu muito tentei e me esforcei, mas não obtive resultados concretos. E estou com os três entalados na garganta até hoje.
Não só pelo que eles têm de incompatíveis com tudo em que acredito e com todos os valores que prego. Mas, também, por saber que são apenas a ponta de um iceberg. O perigo é muito maior do que a maioria supõe.
Desde o Cansei! venho alertando: São Paulo é o principal laboratório de testes e aprimoramento do totalitarismo que a extrema-direita gostaria de implantar no País.
As viuvas da ditadura e os cuervos por elas criados haviam participado, como efetivos secundários, da tentativa de impedimento do presidente Lula por conta do escândalo do mensalão, como forma de evitar sua reeleição.
Quem conduziu o espetáculo, contudo, foram os tucanos, seus aliados e a imprensa que caninamente os serve. E se tratava apenas de meio-golpe, objetivando não a instalação de uma ditadura, mas apenas a recondução ao poder, na eleição seguinte, dos derrotados em 2002.
Lula, contudo, segurou a onda. E, logo no início do segundo mandato, a direita troglodita mostrou suas garras, tentando reeditar o figurino golpista de 1964 com uma versão 2007 da Marcha da família, com Deus, pela liberdade. A partir daí, São Paulo assumiria a vanguarda... da incubação do ovo da serpente.
Do fiasco retumbante do Cansei! os golpistas extraíram a mesma lição de 1961 (quando a resistência do governador gaúcho Leonel Brizola e dos subalternos das Forças Armada frustrou o complô direitista para impedir a posse do vice-presidente João Goulart): recuaram, reagruparam suas forças e estão se preparando bem melhor para a próxima tentativa.
Então, o que temos visto em São Paulo, nos últimos cinco anos, são sucessivos balões de ensaio para se testar a resistência da sociedade a um novo totalitarismo.
As sucessivas intimidações e vandalizações que os herdeiros de Erasmo Dias promoveram na USP saíram baratas.
O dantesco escorraçamento a pontapés dos dependentes químicos que vegetavam no centro velho, idem.
Mas, a brutal repressão da Marcha da Maconha pegou tão mal que os brutamontes fardados se viram obrigados a recuar, saindo moralmente derrotados.
O impacto ainda mais negativo do festival de arbitrariedades no Pinheirinho, culminando no sequestro de um idoso para que a imprensa não constatasse seu estado lastimável após o espancamento sofrido (a ponto de duas semanas depois ele falecer), deve ter feito soar um sinal de alarme no QG golpista. Estão sendo evitadas as ações que possam obter repercussão equivalente.
O que não impede a Polícia Militar paulista de continuar atuando como força exterminadora, segundo o modelo sinistro do mate primeiro e maquile depois!. Com o aval e defesa entusiástica do governador adepto do ideário do Opus Dei.
Os episódios de mortes de suspeitos por alegada resistência à prisão se multiplicam, com a cumplicidade da imprensa que não os denuncia como as chacinas que são. Em tiroteios reais há feridos e mortos, não apenas mortos. Quando todas as testemunhas morrem, é porque foram executadas. Simples assim.
O controle (talvez seja melhor dizer terror) policial nos bairros pobres chega a abater-se até sobre os inocentes saraus dos jovens, mais uma vez evocando os anos de chumbo, quando as forças auxiliares da ditadura vandalizavam teatros e agrediam atores.
E a existência de uma articulação mais ampla, direcionada para o estado policial, evidencia-se na insólita designação de oficiais da reserva da PM para gerirem 30 das 31 subprefeituras da capital paulista.
Quem conhece a cultura dessa corporação, satelizada pelas Forças Armadas durante o período do arbítrio, sabe muito bem o que isto representa. Até recentemente, sua unidade mais truculenta, a Rota, mantinha no portal do Governo paulista um elogio explícito ao golpismo, só o deletando sob vara da ministra de Direitos Humanos.
O dispositivo golpista já está montado em São Paulo, devendo servir como modelo para outras cidades e estados. A oportunidade golpista, contudo, ainda não surgiu.
Pode demorar anos --foram quase três, entre o fracasso de agosto/1961 e o sucesso em abril/1964-- ou nem sequer se apresentar. A desconstrução da imagem do PT a partir do julgamento do mensalão talvez torne desnecessária uma virada de mesa; os grupos cujos interesses estão sendo contrariados poderão, eventualmente, atingir seus objetivos pela via eleitoral.
Mas, não é confortável vivermos com uma lâmina de guilhotina pendente sobre a cabeça.
Então, o sentido maior da minha candidatura é este: tendo a internet sido insuficiente para esmagarmos o ovo de serpente que incumbaram em São Paulo, tanto que o ofídio não só nasceu como se fortalece cada dia mais, resolvi ir à luta em outras frentes. Pois assumo como minha grande missão atuar com eficiência e contundência contra esta ameaça que tenho visto crescer e já fazer bastante mal, além de prenunciar ocorrências muito mais graves.
Mas, perguntarão os leitores, por que eu? Não sou o candidato de esquerda mais douto, nem o mais enraizado nos movimentos sociais, muito menos o mais popular --admito-o francamente.
No entanto, por um destino insólito, tive de lutar sozinho durante muito tempo e aprendi a travar batalhas de opinião nas circunstâncias mais adversas, seja para salvar em 1986 os quatro de Salvador que faziam greve de fome sem o apoio de quase ninguém, seja para obter em 2005 uma anistia à qual tinha pleno direito mas a União teimava em postergar, seja para restabelecer a verdade histórica a meu respeito.
Foi a experiência acumuladas nestas e outras batalhas que me ensinaram a encontrar o foco certo em termos jurídicos e a palavra certa para sensibilizar as pessoas imbuídas de espírito de justiça.
Quem acompanhou o Caso Battisti deve lembrar-se que eu tinha visão clara do rumo que os acontecimentos tomariam e a utilizava para propor as linhas de ação mais adequadas para nosso comitê de solidariedade.
Acostumado a travar lutas desiguais, rechaçava o sectarismo, tudo fazendo para agregar todos os bons cidadãos à nossa causa. A união foi essencial para nocautearmos um inimigo do 1º mundo e todos os seus quinta-colunas no Brasil (principalmente na imprensa, cuja tendenciosidade atingiu o paroxismo). Éramos poucos, éramos fracos, mas soubemos nos aglutinar e dar sempre os passos certos.
Não podemos nos associar aos inimigos de classe, mas são admissíveis e justificáveis as alianças táticas com forças pertencentes ao campo da esquerda ou que tenham uma tradição de esquerda, desde que o objetivo do momento seja comum.
Então, como participante de uma bancada de esquerda que tenderá a ser minoritária, acredito poder dar contribuição destacada para estimular a união das forças progressistas, denunciar/atrapalhar as maracutaias dos poderosos, desencavar razões legais para colocar suas políticas em xeque e fazer com que tais questões repercutam na sociedade, trazendo a opinião pública para nosso lado.
O que me manteve vivo, depois da derrota trágica nos anos de chumbo, foi a esperança de ainda contribuir para que frutificassem os ideais da minha geração, em nome dos quais tantos companheiros imprescindíveis foram martirizados ou destruídos.
Preparei-me durante quatro décadas para o papel que me proponho a desempenhar na luta contra a fascistização; mas, travá-la em melhores condições e com mais visibilidade, dependerá da confiança e do apoio que receber dos companheiros.
É o último apelo que lanço pois tudo que eu tinha para dizer, está dito.
E a sorte, lançada.
Do blogue Diario de campanha do Lungaretti