O primeiro país do mundo a dispor no texto constitucional a obrigatoriedade de preservar o meio ambiente e assim, formalizar no ordenamento político do Estado a responsabilidade de toda a Nação em construir a sociedade ecologicamente sustentável foi o Brasil.
A par de recepcionar regras legais editadas anteriormente à promulgação da Carta, solenemente, a partir de então passou a ter elementos de ordem política e jurídica bastante, apoiados no diploma Magno, para dispor e impor regras atualizadas objetivando coadunar a vocação da sociedade e do próprio Estado, singulares e coletivos bem assim, públicos e privados com interesses ecológicos ideais previstos.
Com isso, equivocadamente autoridades de todos os níveis e graus, das administrações diretas e indiretas das pessoas políticas constituídas, seus desmembramentos e agentes públicos de todos os Poderes da República, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal e outros interessados radicalmente dedicados à causa ecológica, pressionados notadamente por campanhas de agencias, empresas e organizações internacionais, passaram a fiscalizar cotidianamente a dinâmica social com o fim de tutelar o patrimônio ambiental nacional e corrigir comportamentos e excessos herdados do passado, inibindo repetidas práticas nocivas.
Extraiu-se do complexo jurídico orgânico que estrutura o Estado normas e regramentos que constituem todo o arcabouço voltado para a defesa ambiental, ignorando de modo a excluir valores outros que, no mesmo nível ou superior, devam ser preservados para concretização do espírito do Constituinte cujo objetivo é materializar o Estado idealizado.
Paulatinamente diversos instrumentos tornaram-se adequados para efetivação da tutela ambiental, nem sempre concretizados à luz do bom direito, fruto de excessos decorrentes de tendenciosas interpretações hermenêuticas, que buscam inclusive aplicar regras contemporâneas à situações pré existentes, consolidadas ao longo dos anos e adaptadas a realidade local.
O histórico, a cultura e os costumes tradicionais e vigentes ao longo dos quinhentos anos de ocupação do pais, sem qualquer critério, em homenagem a proteção ambiental induzida pela excessiva publicidade, é ignorada em prejuízo da coletividade que acuada sofre conseqüências comprovadamente desastrosas.
Agentes públicos bitolados nas letras escritas pelos parlamentares ou fruto de atas derivadas de reuniões de Conselhos, Associações, Fundações ou colegiados, alguns sediados no hemisfério norte, distantes da realidade brasileira, ignorando regras fundamentais, inerentes à tradição cultural que preservam e protegem direitos e promovem garantias individuais expressas, decretam e executam atos valendo-se do poder de policia e da autoritária autoridade, para impor restrições ao exercício de direitos até então reconhecidos.
Penaliza-se as atividades humanas geradoras de riquezas, algumas vezes, sensivelmente demagógicas e fantasiosas, em homenagem estúpida à preservação de sítios naturais adaptados a contemporaneidade dos tempos atuais, provocando prejuízos à economia política e danos morais irreparáveis à vítimas da truculência institucionalizada.
Os excessos variam conforme a região, ou o agente causador, ou conforme a autoridade pública que se impõe valendo-se do poder de polícia desvirtuado. O drama de milhões de brasileiros que se sentem vitimados por atos impensados de agentes ora despreparados, ora raivosos, ora salientemente complexados é a triste realidade dramática que vem provocando pavor e insegurança jurídica sem qualquer propósito plausível.
A contradição do Estado praticada por ações transloucadas de agentes imaturos é patente e indisfarçável.
Vejamos:
Vale transcrever o texto inaugural da Mágna Carta de forma a abrir-se cortinas para revelar o teatro conflitante que se descreve:
Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.
Nesta plana já se percebe que o Brasil foi institucionalizado em 5 de outubro de 1988 de forma democrática, sendo toda sua organização política e conseqüentemente jurídica apoiada nessa condição.
Na acepção do termo, o regime democrático exige, para assim o se-lo, que toda a sociedade imponha suas aspirações, prevalecendo a vontade da maioria e a razoabilidade para harmonia social.
O país está organizado para assegurar, ao seu povo, sem qualquer preconceito, direitos sociais e individuais, impondo-se a liberdade cuja dimensão é extrema e tem contornos apenas na legalidade fundada no próprio preâmbulo constitucional; provendo segurança jurídica para que possa o cidadão individualmente e a sociedade no todo, atingir o desenvolvimento, com igualdade de oportunidades, direitos e obrigações, para que todos sejam providos do bem estar, traduzindo-se na amplitude incomensurável da verdadeira justiça, produzindo consequentemente a almejada sociedade fraterna, na qual povo e Poder Público, indistintamente, possam conviver em harmonia para atender os objetivos estabelecidos na Constituição.
Mas não é isso que os doutos estão interpretando ao lavrarem seus documentos, impondo medidas favoráveis a tutela ambiental divorciados da tutela prevista no preâmbulo da Constituição Primavera.
Lamentável a demagogia que campeia pela imensidão do país ! Lamentável a ignorância é revelada por agentes imaturos e despreparados, que esquecem os objetivos da República, os seus fundamentos e limitam-se a executarem normas, sem ponderar pelas conseqüências muitas vezes irremediáveis.
A Constituição Federal, não vem sendo observada, conforme se extrai da realidade e do texto esquecido quando o conflito envolve ecologia e seres humanos.
Comprovando a assertiva destaca-se que, dentre os fundamentos da República, a cidadania, a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa estão dispostos no seu primeiro artigo como princípios a serem zelados pelas autoridades públicas e pela sociedade, que em harmonia, devem buscar atingir os objetivos do Estado, razão, diga-se de passagem, principal e única da sua existência.
O artigo primeiro da Constituição põe como fundamentos do Estado brasileiro expressões humanas a serem desenvolvidas, tuteladas e incentivadas pela sociedade e pelo próprio Poder Público. Revela a principal motivação da República Federativa do Brasil.
Insta lembrar que a Constituição Federal, tem como principal preocupação o ser humano, brasileiro ou não, residente ou em transito pelo pais, estabelecendo criteriosamente em razão da relevância à luz do ideal proposto, ordem na exposição dessas normas. Ou seja, no embate de valores previstos em normas constitucionais, há de prevalecer os dispostos antes, sobre aqueles posteriormente grafados no texto.
Decorre pois que a cidadania deve ser guarnecida. Sua tutela antecede a outros bens materiais ou imateriais. Não pode ser ignorada.
A Constituição Federal reservou um dos seus títulos para se dedicar a tutela ambiental e dispor parâmetros nesse sentido. Ocorre que estas normas estão assentadas a partir do artigo 225, bem depois das disposições que tutelam a cidadania e o ser humano, revelando a importância se dada a um e a outro elemento jurídico.
Mas não é só por esse motivo. O que não pode mais acontecer é a ordem jurídica vir a ser deturpada com interpretações vocacionadas na defesa do meio ambiente, desprezando conseqüências aos seres humanos.
Ações demolitórias estão sendo propostas ao longo do litoral, visando imóveis destinados a habitações, ao comércio, ao turismo, enfim, imóveis que cumprem sua função social e foram erguidos bem antes da promulgação da Constituição Primavera.
Enfim, sem delongas, o que está a ocorrer em Florianópolis, Guaratuba, Natal, Cananéia, Angra dos Reis, Guarujá, Macaé, Sâo Luiz e tantos outros lugares do país é estarrecedor e contraria não apenas o texto constitucional, outrossim revela a falta de bom senso e inexperiência das autoridades responsáveis por esses pedidos e pelas que assim tem deferido.
Lamentável. Medidas extremas e inconseqüentes que provocam o desespero, medo e insegurança de milhões de brasileiros até então acomodados pacatamente ao longo do litoral.
Ninguém é contra a defesa ambiental, a preservação da natureza e da melhor forma de dispor da ecologia, inclusive obedecendo parâmetros legais, mas não se permite aceitar que repentinamente, sonhos e investimentos de anos sejam simplesmente demolidos por estarem situados onde ontem era e hoje não é mais permitido.
Algo é preciso ser feito. E logo.
*Roberto J. Pugliese
www.pugliesegomes.com.br
advogado. Autor de diversas obras jurídicas.