Parece um desatino citar, em pleno século XXI, a palavra “escravo”, mas na realidade já são quase 50 mil pessoas libertadas no país, vítimas do trabalho escravo contemporâneo. E segundo a Comissão Pastoral da Terra (CPT), em 2013, pela primeira vez, o número de libertações no meio urbano foi maior que no campo, fato associado às obras em todo o país por conta dos grandes eventos.
Se aprendemos que as correntes e senzalas acabaram, os relatos dos trabalhadores resgatados nos trazem semelhanças, como ameaças de morte, castigos físicos, alojamentos precários etc. Um contrassenso num país democrático e que tem como fundamento a dignidade da pessoa humana. Precisamos refletir sobre as origens e permanências dessas relações abusivas e ilegais. Racismo, desvalorização, ilegalidade dos imigrantes e as profundas desigualdades sociais no país podem ser algumas causas. Mas, além dos porquês carecemos de soluções efetivas.
A constituição vincula o aclamado direito fundamental à propriedade ao cumprimento de sua função social, ou seja, o proprietário de grandes terras deve garantir a sua produtividade, o bem-estar da comunidade e dos trabalhadores e o cumprimento da legislação ambiental e trabalhista. Nesse sentido, o Estado pode e deve desapropriar para fins de reforma agrária as grandes propriedades onde tenha sido encontrado trabalho escravo, independente de sua produtividade. Esse entendimento é necessário e urgente.
Há ainda a esperança da PEC da escravidão, que determina a expropriação onde seja encontrado o trabalho escravo. O instituto já existente no caso de plantação de drogas e é similar à desapropriação, mas sem as indenizações. Mas, independentemente da PEC, temos a possibilidade real e já regulamentada da desapropriação para fins de reforma agrária nesses casos.
Não basta a séria fiscalização realizada atualmente pelos Auditores Fiscais e Ministério Público do Trabalho se não há o efetivo cumprimento das penalidades. É preciso que sejam aplicadas de fato as penalidades aos infratores.
O proprietário que se utiliza de mão de obra escrava precisa ser desapropriado e multado e os trabalhadores expostos a essa situação devidamente indenizados. A lucratividade do trabalho de baixo custo não pode compensar e a democracia precisa prevalecer em seu sentido mais amplo, garantindo saúde, educação, emprego e salário dignos para todos.
*Advogado especializado em Responsabilidade Civil