De Marataíses a Macaé

            Elegi, para minha dissertação de mestrado, os ecossistemas aquáticos continentais, as formações vegetais nativas, a fauna nativa e as espécies vegetais e animais exóticas num recorte territorial que hoje corresponde às regiões norte e noroeste do Estado do Rio de Janeiro. Vi nas duas uma unidade natural e cultural pré-européia que poderia caracterizar uma ecorregião.

            No entanto, ao dedicar-me, no doutorado, a estudar os manguezais desta presumível ecorregião, dei-me conta de que ela deveria ser ampliada até o rio Itapemirim, no sul do Espírito Santo. Examinando um mapa geológico do trecho costeiro entre os rios Itapemirim e Macaé, nota-se um arco constituído por rochas muito antigas junto à costa. Ele formava uma reentrância que foi aterrada naturalmente por tabuleiros, por uma grande planície aluvial e por três restingas.

            Desde o século 16, temos notícias desta costa baixa, desprovida de pedras, com saliências, mas sem reentrâncias, e hostil à navegação. O francês Jean de Léry, que se dirigia ao Rio de Janeiro, escreveu, em sua passagem marítima por este trecho costeiro: "A primeiro de março alcançamos uma região de pequenos baixios, isto é, escolhos e restingas salpicadas de pequenos rochedos que entram pelo mar e que os navegantes evitam passando ao largo. Desse lugar avistamos uma terra plana na extensão de 15 léguas e que é ocupada pelos Uetacá." (1578). Os pequenos rochedos que entram no mar são falésias, isto é, o talude dos tabuleiros que confrontam com a praia.

            Um depoimento claro sobre esta zona costeira foi deixado por José Saturnino da Costa Pereira em seus Apontamentos para a Formação de um Roteiro das Costas do Brasil com Algumas Reflexões sobre o Interior das Províncias do Litoral e suas Produções, livro publicado em 1848. Lê-se, em seu registro que, "Desde o paralelo das ilhas de Santa Ana [Macaé] até a ponta de Benevente, na Província do Espírito Santo, a praia se afasta consideravelmente da cadeia das montanhas do interior; e deixa um intervalo, que vai, em alguns lugares, até 13 léguas, formando um terreno chato, e muito baixo: este terreno se estende por baixo d'água, e constitui o que os caboteiros chamam de Cabo de S. Tomé."

            Em relatório explicando a magnífica Carta Corográfica da Província do Rio de Janeiro, Pedro D'Alcantara Bellegarde e Conrado Jacob de Niemeyer explicam que "A costa é geralmente baixa desde a barra do Itabapoana até Macaé, existindo em meio os perigosos baixios de S. Tomé." (1863).

            Qualquer mapa que examinemos vai mostrar a singularidade do litoral marinho entre Marataíses e Macaé. Da foz do rio Itapemirim à foz de um pequeno curso d'água chamado Morobá, predominam tabuleiros que encostam na praia, formando falésias, verdadeiros paredões argilosos com concreções ferruginosas. Entre Morobá e o rio Itabapoana, alastra-se a restinga das Neves até encontrar a planície aluvial da Lagoa Feia do Itabapoana. Na margem direita do rio Itabapoana, já no Estado do Rio de Janeiro, existe outra unidade de tabuleiro, que se estende até o córrego de Manguinhos.

            Daí em diante, formou-se uma das maiores restingas do Brasil. Ela chega até o Cabo de São Tomé, que muda a direção da costa brasileira de norte-sul para leste-oeste. Esta restinga é cortada pelo Rio Paraíba do Sul, que, ao mesmo tempo, foi seu principal formador. No limite sul desta restinga, a faixa arenosa reduz-se a uma fímbria de areia, tendo atrás de si uma imensa planície aluvial, a chamada Baixada Campista. Além dos perigosos bancos de areia defronte o Cabo de São Tomé, a energia oceânica ali é intensa, tapando toda foz de rio e de canal. Basta ver o aconteceu com as lagoas de Gruçaí, Iquipari e Açu, antigos braços extravasores do Rio Paraíba do Sul e da Lagoa Feia, e também com a vala do Furado e com o canal da Flecha. O pequeno trecho de praia liga a restinga do norte a uma restinga que se estende de Quissamã a Macaé, onde a faixa de areia se reduz novamente, até a margem esquerda foz do rio Macaé. Neste ponto, o arco rochoso toca o oceano novamente, como acontece no Rio Itapemirim pela margem esquerda. Atrás desta restinga, ergue-se mais uma unidade de tabuleiro.

            Se procurarmos por alguma ilha neste extenso litoral, só encontraremos escolhos ferruginosos resultantes da erosão marinha e a ilhota das Andorinhas, que é também um remanescente do recuo da costa. Avulta nela, porém, um corpo estranho: os espigões rochosos que tentaram prolongar o canal da Flecha, por onde defluem atualmente as águas da Lagoa Feia. Anuncia-se agora mais um corpo estranho: uma ilha rochosa ligada por uma ponte, na praia do Açu, que servirá de porto para a exportação de minério. Ou talvez para a formação de um tômbolo, ilha capturada por uma restinga formada pela própria natureza.

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