Depois de muito estudar e lidar com enchentes, concluí que elas são principalmente causadas por cinco fatores: aumento da precipitação pluviométrica, destruição ou bloqueio de áreas de escape, desmatamento, urbanização e estradas. A lista não elimina outros fatores e não explica tudo. Mas sempre tenho encontrado um ou mais dos apontados em caso de enchentes. Vamos falar brevemente de cada um deles.
Aumento da precipitação pluviométrica. Um número muito expressivo de cientistas não duvida mais que as temperaturas do planeta estão subindo por conta da emanação de gases que provocam o efeito estufa, como os gases carbônico e metano. Pouquíssimas são as vozes contrárias que se ouvem na comunidade científica. Existem reuniões mundiais com a presença de diversos países para discutir o assunto. Porém, políticos e empresários não querem abrir mão do crescimento à base de recursos naturais não renováveis e de combustíveis fósseis. O espantoso é que o poder público e os cientistas provincianos jamais falam em fenômenos climáticos extremos quando estão a enfrentá-los. Repete-se ainda a velha explicação de cheia secular, como se fez em 2011 com as chuvas que desabaram na Região Serrana do Rio de Janeiro. Falou-se em cheia multissecular precipitadamente, sem maiores estudos. Para enfrentar cheias e estiagens, cientistas e poderes públicos não podem mais ignorar esta variável.
Áreas de escape. Originalmente, os rios contavam com áreas de escape em suas margens, tais como várzeas e lagoas. Com as cheias, grande parte das águas corria para elas e lá se alojava, diminuindo os impactos das enchentes. Com o abaixamento dos níveis dos rios, as águas desciam suavemente ou ficavam retidas nelas durante o ano, mitigando a estiagem e sendo evaporadas lentamente. Entretanto, essas áreas foram drenadas e incorporadas à agropecuária e aos núcleos urbanos. Hoje, em grandes cidades, como São Paulo, Rio de Janeiro e até mesmo Campos, os governos gastam uma fábula de recursos públicos para construir piscinões e canais subterrâneos como solução para as cheias. Em outras palavras, gastam dinheiro para instalar sistemas de drenagem que existiam gratuitamente e que não funcionam como os originais. Para só citar um exemplo, o leitor que se dispuser a percorrer com os olhos o Rio Muriaé no Google Earth, encontrará inúmeras áreas de escape drenadas, protegidas por diques e barradas por comportas.
Desmatamento. As florestas não neutralizam as enchentes, mas contribuem substancialmente para reduzir seus impactos. Já é do senso comum que as matas reduzem enchentes. De fato, onde os pontos críticos são cobertos por florestas, uma parte das águas pluviais fica retida nas copas das árvores e delas voltam à atmosfera por evaporação. Outra parte escorre lentamente para o solo e se infiltra nele, juntando-se ao lençol freático. A terceira parte desliza superficialmente em direção a rios e lagoas. A remoção radical das florestas deixa o solo exposto às intempéries. As chuvas que incidem sobre ele produzem erosão e carreiam sedimentos para rios e lagos. Os que ficam em suspensão deixam as águas turvas. A parte dos sedimentos que se assenta no fundo provoca assoreamento. A Zona da Mata mineira e Região Noroeste do Rio de Janeiro sofreram uma radical remoção das florestas, o que concorre para o aumento das enchentes. Este quadro pode ser agravado se o Novo Código Florestal for aprovado.
Urbanização. As cidades brasileiras acompanham o padrão europeu, que não respeita o ambiente em que se instalam. Normalmente em margens de rios, elas ocupam o leito de cheia deles, como ilustram os casos de Campos, Cardoso Moreira e Três Vendas. Em áreas com topografia acidentada, as cidades se instalam nas partes baixas e começam a galgar encostas. Pouco a pouco, as matas são removidas para dar lugar a ruas e a edificações. Assim, o terreno se torna desprotegido e instável. Com as chuvas, a ação humana facilita os escorregamentos de terras e os desastres ambientais. Os casos de Itaperuna, Nova Friburgo, Sapucaia, Petrópolis e Teresópolis ilustram bem esta situação.
Estradas. A engenharia de estradas também adota um modelo padrão: construir rodovias sem o devido conhecimento do terreno. As ondulações do relevo são acompanhadas pela estrada. Rios e lagoas não são devidamente respeitados. Nos pontos baixos, as águas costumam ultrapassar a rodovia buscando a continuação do vale. Os sistemas de drenagem costumam ser sub-dimensionados, o que dificulta a circulação hídrica. Há estradas com grandes trechos correndo sobre leitos de cheias dos rios. No norte-noroeste fluminense, os casos mais notórios são a BR-356 e as RJ-180, 194, 196 e a estrada dos ceramistas.
- Arthur Soffiati
- Arthur Soffiati