Chuvas e cheias

Ainda não existem evidências concretas de que o regime pluvial planetário esteja mudando, mas parece que as chuvas e as estiagens têm sido mais intensas. Concretamente, observa-se que as chuvas extraordinárias migram a cada ano. Em 2008/2009, elas afetaram o norte-noroeste fluminense. Em 2009/2010, foi a vez do sul fluminense, da cidade de São Paulo e da região metropolitana do Rio de Janeiro. Já em 2010/2011, a grande atingida foi a região serrana, notadamente Friburgo. Agora, em 2011/2012, Belo Horizonte e zona da mata estão enfrentando chuvas que não ocorrem há cem anos. A diferença é que as duas áreas atingidas mudaram muito nos últimos cem anos, o que agrava os efeitos das intensas chuvas.
A concepção de que a natureza provoca chuvas extraordinárias em ciclos previsíveis não conta mais com as observações empíricas. Se ainda não temos certeza de que o aquecimento global está provocando fenômenos extremos, como chuvas mais fortes no período chuvoso e estiagens mais agudas em tempos de seca, temos certeza das mudanças provocadas pelas atividades humanas na superfície do planeta.
Uma delas é o desmatamento. As florestas retêm 1/3 das águas de chuva em suas folhas, de onde são evaporadas; 1/3 se infiltra no solo e alimenta o lençol freático e 1/3 corre superficialmente para os rios e lagoas. Sem as florestas, aumenta o volume de água das chuvas, que se precipita diretamente sobre o solo, sem tempo de se infiltrar. Correndo superficialmente, as águas carregam terra para os rios. A erosão aumenta, Parte da terra fica em suspensão nas águas dos rios, dando-lhes uma coloração barrenta, que pode muito bem ser observada. Além do mais, os carregam muitas plantas e até animais (como cobras, por exemplo). Outra parte se deposita sobre o leito, causando assoreamento e tornando os rios mais rasos em tempo de estiagem. Como o desmatamento no noroeste fluminense chegou a quase 100%, as cheias aumentaram.
Outro agravante é a urbanização. As cidades buscam as margens dos rios para captar água usada para consumo público. Sem planejamento e sem controle público, as pessoas vão avançando para o leito maior dos rios ou para encostas. Com as chuvas, os rios enchem e atingem as casas mais próximas, como acontece com as cidades do noroeste fluminense. As encostas são áreas frágeis e de risco. Com as chuvas, elas tendem a cair, levando as casas construídas no topo e nos declives, soterrando as casas ao pé das encostas, como aconteceu em Angra dos Reis e em Itaperuna.
As planícies são locais péssimos para a agropecuária e para as cidades, embora ofereçam terras férteis. Campos foi construída numa área inadequada. Sua manutenção é feita a altos custos e, mesmo assim, não livra a agropecuária e a cidade das cheias. Examinando mapas, nota-se que a rede de canais é maior do lado direito do Rio Paraíba do Sul do que do lado esquerdo. Pero de Góis, ao tentar implantar um núcleo urbano europeu no século XVI, examinou a margem direita do Paraíba do Sul e encontrou dificuldades para se instalar por ser a área muito pantanosa. Decidiu, então, se em terreno mais alto, entre a margem esquerda do Paraíba do Sul e a margem direita do Itabapoana. Campos enfrentaria menos problemas se tivesse se instalado na margem esquerda do Paraíba do Sul, pois o terreno ali é mais elevado.
Assim, Campos é uma cidade com uma região periférica que apresenta altos custos de manutenção. A rede de canais construída pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS) aproveitou as linhas naturais de drenagem, aprofundando-as com canais. A manutenção da rede é cara, principalmente porque só a dimensão hidrológica é levada em consideração. De nada adianta limpar ou redragar canais sem eliminar os lançamentos de esgoto e de lixo, que entopem a rede e favorecem o rápido crescimento de plantas aquáticas. Além do mais, particulares interferem nos canais, fazendo mudanças neles para atender a seus interesses particulares. Falta fiscalização.
Quanto às comportas, é evidente que não estão funcionando devidamente. A rede de canais deveria ser usada para diminuir o impacto das chuvas, recebendo águas até um nível que não afete a agropecuária e os núcleos urbanos. De nada adianta limpar ou redragar canais se as comportas não estão funcionando.
No que concerne aos diques, devem eles ser construídos, mas não dentro do leito de cheia dos rios. O engenheiro campista Saturnino de Brito, nos anos 20, entendeu que o dique da margem esquerda do Paraíba do Sul deveria ser afastado do rio, fora das lagoas marginais. No entanto, o DNOS fez esse dique bem próximo à margem, e, sobre ele, foi construída a estrada RJ-194. Os diques acabam criando uma ilusória sensação de segurança quando próximos às margens. Confiando neles, os proprietários rurais começam a avançar sobre terras antes inundáveis. Nelas são também construídas casas ou núcleos urbanos. Quando chove muito, o rio pode arrebentar os diques ou passar sobre eles, deixando a água aprisionada. A RJ-194 já sofreu ruptura mais de uma vez. Além do mais, as próprias pessoas vão mudando os diques de acordo com seus interesses particulares. Diques rompidos só são (quando são) reconstruídos nas vésperas das cheias, como é o caso do dique Santa Bárbara, no Rio Muriaé.
Outro problema são as estradas, que acabam se transformando em diques sem passagens adequadas para as águas de chuva sob elas. É comum estradas serem destruídas pelas chuvas ou represarem águas pluviais, impedindo que cheguem aos rios, como é o caso da BR-356. Funcionando como dique, ela deu a falsa sensação de segurança para as pessoas que construíram a localidade de Três Vendas. Ou água do Muriaé passa por cima da estrada e fica retida ou arrebenta a estrada.
Na margem esquerda dos Rios Muriaé e Paraíba do Sul, existem várias lagoas que poderiam absorver o excedente hídrico, mas elas foram totalmente drenadas ou barradas por comportas para fins agropecuários. Assim, as águas não encontram áreas para se espraiar. No caso da planície, apontamos a Lagoa Feia. As lagoas reservam água para o período de estiagem, mas foram em grande parte destruídas.
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