Morin confessa que tem dificuldade em se classificar. Consideram-no sociólogo e filósofo, mas ele repudia estes rótulos. Talvez intelectual ou pensador, que também não o agrada. A verdade é que Morin é um transintelectual. Difícil imaginar uma pessoa capaz de discutir a origem e a natureza do universo com um astrônomo ou a natureza humana com um neurocientista ou ainda ética, sociologia, antropologia, história, cultura, artes com outros tantos especialistas.
Sua imensa obra revela um pensador original e polêmico. No livro em discussão, ele fala da sua infância, da sua militância no partido comunista francês, da sua participação na resistência contra o nazismo, de seu rompimento com o partido comunista, de seu afastamento do marxismo, de seu interesse pelo cinema e, mais tarde, da sua mudança radical em direção ao pensamento complexo. A partir de sua experiência na Califórnia, ele passou a desenvolver um método para abordar a complexidade do universo, da terra, da vida, do ser humano, da sociedade e das questões políticas.
O epistemólogo mexicano Enrique Leff notou a ausência da política em O método, obra máxima do pensador francês. Abordar sistemas físicos, químicos, biológicos e sociais não permitiu a Morin cuidar da política. Entretanto, ele jamais poderá ser acusado de desinteresse pelo assunto. Sua participação no partido comunista francês e na resistência deveria bastar. Poder-se-ia levantar a suspeita de que Morin se afastou da política ao se interessar pelo estudo dos sistemas complexos. Ele, contudo, continua se considerando um pensador de esquerda e o prova com a condenação a Israel junto aos palestinos, a despeito de sua origem judaica. Posicionou-se nas guerras fratricidas derivadas do esfacelamento da Iugoslávia. Defend e os direitos dos povos arcaicos e se manifesta frequentemente através da imprensa sobre os mais diversos assuntos políticos.
Sucede que o mundo acadêmico não gosta dele por não ter uma formação universitária. Eu o admiro exatamente por esta razão. Mais importante que sua obra é a sua vida. Se Morin tivesse títulos acadêmicos, talvez se enquadrasse e não fosse tão livre no ato de pensar. Seu interesse por tudo o que compõe o universo, do big-bang ao futuro da humanidade, só foi possível, ao que tudo indica, passando por fora da universidade. Ao abandonar o marxismo, ele confessa que foi tomado de uma grande liberdade e passou a se interessar por autores repudiados por seus companheiros de partido e por seus colegas escritores. Em O ano zero da Alemanha, seu primeiro livro, escrito quando ainda fazia parte dos quadros do partido comunista, ele analisa a Alemanha arrasada imediatamente após a derrota do nazismo com um surpreendente olhar antropológico. Visita Heidegger e valoriza seu pensamento.
A entrevistadora não o poupa de perguntas embaraçosas. Ele só recusou a dar resposta para duas. A primeira se refere a uma grande felicidade que teve na família de Raymond Aron, para ele um segredo a ser levado para o túmulo. A segunda diz respeito à sua vida sexual depois de ficar viúvo. Ele diz que só daria uma resposta ao lado de seu advogado. No mais, seu discurso é fluente e cativante, notadamente quando fala das mudanças que viveu, dos amigos e do pensar complexo. Mais uma vez, Morin explica que, para analisar os sistemas complexos (e quase todos o são), é indispensável um pensamento também complexo. O estudioso que se fixa na ordem efetua uma operação cirúrgica na realidade. Tomemos o caso dos positivistas. Aquele que se fixa na desordem nega o método. Para Morin, ordem e desordem são inseparáveis e constituem a organização de um sistema. É praticamente impossível sintetizar o pensamento do grande intelectual francês, que não hesita em misturar sua vida com sua obra. É nisto, contudo, que reside a riqueza e o vigor de suas análises.