Saindo do convívio com a natureza para visitar a cultura dos humanos, percebi que a barbárie avança sobre ela. A cultura musical nunca foi a principal para os intelectuais. A filosofia, a literatura, as artes plásticas e a música popular sempre a empurraram para a periferia. Hoje, sou profundamente grato a minha mãe e a meus tios por terem me proporcionado, inintencionalmente, meu gosto pela chamada música erudita.
Depois de rever minha cultura musical, tentarei responder à pergunta da pessoa amiga. Em primeiro lugar, esclareço que a forma "concerto" tem por base a forma "sonata", uma composição em três partes para um instrumento solo, no máximo acompanhado por um segundo instrumento. Bach e Mozart a usavam com freqüência, mas, em se tratando de piano, ainda era cedo para composições voltadas para o gênero.
Sem delongas, entendo que o primeiro compositor a valorizar o concerto de piano como uma forma especial foi Beethoven. Ele compôs cinco concertos para o instrumento. Deles, considero o primeiro como o mais equilibrado enquanto forma e conteúdo. Ele não se libertou da estrutura classicista do século 18: um primeiro movimento em quatro partes. Na primeira, só a orquestra fala, apresentando o tema. Na segunda, a orquestra dialoga com o piano sobre o tema. Na terceira, apenas o instrumento solista se faz ouvir. Na quarta, orquestra e instrumento voltam a dialogar para chegar ao final. O segundo movimento é lento, com a alternância da orquestra e do instrumento solista. Finalmente, no terceiro movimento, o instrumento solista começa e dialoga com a orquestra o tempo todo.
Como fundamental nesta relação, considero também o segundo concerto para piano e orquestra de Mendelssohn como exemplar. Mendelssohn foi um compositor romântico formalista, mas conseguiu escapar de seus constrangimentos em algumas com posições. Uma delas foi este concerto cujo detalhe do tímbale, no primeiro movimento, é espetacular. Não posso esquecer o único concerto para piano e orquestra de Schumann, embora descarte os dois concertos de Chopin, o mestre do piano, e de Liszt, o malabarista do instrumento. Cheguei a Brahms, com seus dois concertos, e não consegui optar por um deles. Fiquei com os dois. Minha mãe, minha mestra, dizia que o piano é um instrumento para homem. Muitas pianistas executam bem Beethoven, Mendelsshon e Schumann, mas nunca conheci uma grande intérprete dos concertos da música viril de Brahms. Ele exige do executante uma força masculina.
Em sexto lugar, escolho o concerto para piano e orquestra de Ravel, com sua criatividade e com sua riqueza instrumental. Ravel consegue proezas sonoras com os instrumentos sem cair no virtuosismo. O segundo concerto de Bela Bartók é fantástico por usar o piano como um instrumento de percussão. O segundo movimento deste concerto é, na minha opinião, antológico.
Stravinsky tem um concerto para piano exemplar, algo que os músicos de vanguarda não conseguiram fazer. O compositor russo, que considero o maior do século 20, achando que ainda não apareceu, no século 21, alguém com seu talento, era um verdadeiro camaleão, capaz de compor em vários estilos. Villa-Lobos também tem um concerto original que muito me toca. Por fim, o terceiro concerto de Rachmaninoff um romântico tardio. Os críticos exigentes classificam-no como meloso, mas ele supera Tchaikovsky com sua música atormentada e complexa. Até aqui, é esta reposta que tenho à pergunta. Ainda terei tempo de vida para ouvir outros concertos. Que ninguém me peça uma lista de dez concertos para outros instrumentos.