Em 1632, quando os Sete Capitães vieram tomar posse de suas terras entre os Rios Iguaçu (hoje Lagoa do Açu) e Macaé, dando início a uma colonização contínua no futuro norte-noroeste fluminense, às margens do segundo rio já existia um povoado com governo.
Macaé se transformou lentamente desde então. Minha memória genética lembra-se da cidade nos anos de 1920, quando meu avô serviu no Forte. Minha memória visual e olfativa lembra-se da lagoa de Imboacica e da cidade, quando meus pais me levaram e a meu irmão, em 1959, a passar férias em Barra de São João. Frequentei Macaé por diversas vezes quando me auto-exilei em Campos, em 1970.
A grande transformação começou a se operar no final da década de 1970, com a instalação da Petrobras e a exploração do petróleo na Bacia de Campos. Macaé era, então, um balneário, com praias limpas. O Rio Macaé já tinha sofrido uma grande incisão cirúrgica, no seu curso final, pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS). Seu curso de planície aluvial foi retilinizado para favorecer a apropriação de terras pela agropecuária. A foz sinuosa tornou-se retilínea, dando origem às Ilhas de Colônia Leocádia e da Caieira. Por outro lado, a área de manguezal se espraiou pela margem esquerda do canal.
Apesar de tudo, Macaé continuou a ser a Veneza do Norte Fluminense, com seus inúmeros pequenos cursos d'água que vertiam para o rio Macaé, mas cujo fluxo se invertia com a elevação das marés. Havia ainda a Lagoa de Imboacica, que conheci íntegra, em 1959. Não me recordo se o Rio Imboacica ainda apresentava as frondosas árvores que formavam sua vegetação ciliar. Só muito tempo mais tarde, fotos antigas do rio me mostraram sua pujança. Também ele foi alvo do DNOS, que o transformou numa vala. A dimensão história é, para o estudioso dos ecossistemas, o grande pulo do gato, pois ela nos permite avaliar o grau de transformação natural ou antrópica de um ambiente. Do ponto de vista natural, a Lagoa de Imboacica foi formada quando o rio do mesmo nome foi barrado pelo mar. Pelo prisma antrópico, a retiliniz ação do rio foi fatal para o sistema hídrico como um todo.
A instalação da Petrobras em Macaé atraiu grandes investimentos e uma constelação de empresas prestadoras de serviço. Provocou, ainda, o afluxo de uma legião de pessoas em busca de emprego. Como as grandes empresas geram a ilusão de criar postos de trabalho, essas pessoas ficaram excluídas e foram se localizar às margens do Rio Macaé, nos bairros das Malvinas, Nova Holanda e Nova Esperança. Outra área ocupada foi o Lagomar, na extremidade norte da cidade. Por outro lado, pessoas de renda alta instalaram-se às margens da Lagoa de Imboacica.
Tanto o complexo empresarial quanto os governos municipais foram incompetentes em lidar com as transformações negativas da cidade. A Petrobras limitou-se, no plano geral, em repassar a indenização dos royalties à prefeitura e esta não os aplicou devidamente. Os problemas adquiriram dimensões incontroláveis. O Rio Macaé, a Praia do Lagomar e a Lagoa de Imboacica se transformaram em áreas de sacrifício.
O que preocupa agora é um novo surto de "desenvolvimento". A cidade continua crescendo. A prefeitura anuncia a contratação do urbanista Jaime Lerner, dando a entender que este nome é sinal de milagre. Ao mesmo tempo, é preocupante a expansão da cidade para áreas de grande importância ambiental, onde ainda existem pequenos cursos d'água e banhados. O programa de macrodrenagem da prefeitura prevê a supressão de tais ecossistemas ou a cobertura deles, prolongando a vida de técnicas e tecnologias ultrapassadas e já banidas nos países que as ensinaram para nós. Seguindo o caminho errado, consequências mais danosas vão se manifestar no futuro.
