Desenvolvimento regional

Vivendo num mundo capitalista há séculos, a noção comum que as pessoas têm de desenvolvimento equivale, mais ou menos, à industrialização. Se perguntarmos à maioria delas o que um governante deve fazer para promover o desenvolvimento, a resposta mais fácil e rápida é "atrair indústrias". Desenvolvimento, no capitalismo, baseia-se em industrializar um país, uma região ou um município, tendo à frente, empresários que criem emprego para a população. No socialismo, entende-se que o trabalhador será dono da riqueza que gera, mas a indústria continua sendo a flecha do desenvolvimento.
O oitavo milionário do mundo, Eike Batista, é louvado no Brasil e na região norte fluminense exatamente por ser um empresário atuante e bem sucedido. De fato, seu discurso e sua ação transmitem confiança e otimismo. Ninguém cogita de que ele possa estar mentindo, até mesmo de forma inconsciente. Mas a verdade é que o complexo industrial-portuário do Açu e a Cidade X não vão promover um autêntico desenvolvimento. Em primeiro lugar, o empresário vai enriquecer mais; a renda vai aumentar; vai haver geração de emprego; o perfil da região vai mudar radicalmente. Por outro lado, contudo, prevejo (e não profetizo) o aumento da pobreza, e a concentração de pobres em torno do complexo, pois aonde vai a riqueza vai a pobreza.
Imaginemos São João da Barra, um município com uma área de 458,611 km², totalmente sobre uma parte da restinga de Paraíba do Sul, contando com 30.595 habitantes. Imaginemos agora um complexo constituído por uma ilha-porto, instalações retroportuárias, por áreas para acúmulo de minério de ferro vindo de Minas Gerais através de um mineroduto, por uma termelétrica a carvão mineral, por uma ou duas siderúrgicas, por um canal largo e fundo aberto com a finalidade de abrigar um estaleiro e por outras instalações que desejem se intalar no complexo. Mais ainda: por uma cidade com população de 250 mil habitantes, ou seja, quase dez vezes mais que a população atual do município. Como não haver mudanças profundas e dolorosas? Lembro-me de Mário Andreazza, um dos ministros de regime militar, dizer a José Lutzemberger que iria instalar um grande complexo nas dunas do Rio Grande do Sul sem afetá-las. Lutzemberger, muito ferino, rebateu no ato: "Ministro, como derrubar uma casa com os móveis dentro e não destruí-los?"
A prefeita e os políticos de São João da Barra deveriam estar apreensivos com esta mudança tão radical, pois eles próprios vão se tornar obsoletos. Aliás, os políticos dos municípios vizinhos também deveriam estar preocupados. Não se pode descartar a possibilidade de duas línguas serem faladas em São João da Barra: o português e o mandarim. Também é possível que a vida política sofra a influência de chineses e de pessoas de outras regiões.
Como, pela constituição, todos os brasileiros têm o direito de ir e vir, não se pode isolar o município de São João da Barra com cerca eletrificada para impedir a vinda de pessoas de vários lugares do Brasil, como aconteceu recentemente com trabalhadores do Maranhão. Assim, vejo como inevitável a formação de uma franja de pobreza em São João da Barra e nos municípios vizinhos a ele. O complexo industrial-portuário e a cidade X não serão para todos que desejam emprego. Parece, portanto, que a favelização, a mendicância, a prostituição, o tráfico de drogas e a violência inevitavelmente vão se instalar na região de maneira mais intensa que a atual.
O ônus sobre as prefeituras vai aumentar, mas elas continuam aplaudindo o grande barão Eike como redentor da região. Noto que os ruralistas tradicionais estão temerosos com este "desenvolvimento", que pode levar a economia canavieira e pecuária à falência parcial ou completa. Mas eles também não representam alternativa ao falso desenvolvimento. Da parte deles, não há elogios para o complexo. No que concerne ao ambiente, pelo andar da carruagem, prevejo também destruição. O mesmo quanto à cultura, não só dos nativos, mas também dos forasteiros.
No meu enteder, desenvolvimento é um processo que leva as pessoas a serem donas do fruto do seu trabalho, sem medo de demissão ou exploração. Diviso, como caminho mais promissor para este desenvolvimento, ainda a reforma agrária, que poderia ser patrocinada pelos governos dos três níveis. Mas não se trata somente de conceder terras. Trata-se de estimular a produção rural ou até a bioindústrial, garantido condições para que o trabalhador possa produzir e ser dono do seu nariz. Conjugado à proteção ambiental, este desenvolvimnento não geraria tanta renda quanto o complexo industrial-portuário, mas garantiria a promoção social e o respeito ao ambiente. Não alimento mais a esperança de as sistir à ruina do capitalismo, eu, que não sou marxista nem anarquista. Mas concebo ser possível implantar um desenvolvinento ecossocial junto a grandes empreendimentos capitalistas.
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