Com o título de Orientações para a Pastoral das Estradas, o Vaticano acaba de divulgar os dez mandamentos do motorista. O documento, de 36 páginas, foi elaborado pelo cardeal Renato Martino, presidente do Conselho Pontifício da Pastoral do Migrante e das Pessoas Itinerantes. Inspirados no decálogo de Moisés, os mandamentos dirigem-se aos católicos apostólicos romanos, mas podem orientar outras denominações cristãs e todo humanista exacerbado. Como era de se esperar, o documento só pensa no "homem", ignorando completamente a crise ambiental que assola o planeta justo por atividades econômicas criadas e mantidas por este homem, principalmente pelo automóvel.
Analisemos os mandamentos. O primeiro diz "não mate", mas não especifica quem. Claro que se refere ao ser humano, porquanto o segundo prescreve que "a rua deve ser para você um meio de comunhão com as pessoas e não uma arma mortal". O terceiro preconiza que "cortesia, correção e prudência vão ajudá-lo a lidar com eventos imprevistos", enquanto que o quarto aconselha a "ser caridoso e ajudar seu próximo em necessidade, especialmente vítimas de acidentes". Pergunta-se quem é este "próximo". Ampliando o que diz Paulo, na Epístola aos Romanos, capítulo 8, versículos 20 a 23, pode-se entender que todo ser vivo é nosso próximo. No entanto, os cristãos só consideram sujeito de salvação os humanos.
"Os carros não devem ser para você uma expressão de poder e dominação e uma ocasião de pecado", reza o quinto. Sabemos muito bem que a arrogância, a vaidade e o egoísmo levam muitos motoristas a exibirem seu carro como símbolo de status social. Em seu assento, ele se torna um monarca absolutista e só olha para seus interesses. Fica agressivo e petulante. Há os exibicionistas que aparelham seus veículos com equipamentos de som para impor a todos os ruídos de sua preferência. No entanto, o que é praticar pecado no carro? O cardeal Martino explica que, dentro de um automóvel, pode-se cometer pecado, insinuando a prática de sexo.
No sexto, pede-se para "convencer de maneira caridosa os jovens e os não tão jovens a não dirigir quando não estejam em condição apta a fazê-lo". Boa. "Ajudar as famílias dos acidentados" é o sétimo. O oitavo, por sua vez, aconselha a "reunir motoristas culpados e suas vítimas, em um momento apropriado, para que eles possam passar pela experiência libertadora do perdão" Nono: "na rua, proteja a parte mais vulnerável". Para terminar, "sinta-se responsável para com o próximo".
Além de antropocêntrico, o decálogo é redundante em vários mandamentos. O 1º, o 2º, o 3º, o 4º e o 10º poderiam perfeitamente ser reunidos em um apenas. Parece que o cardeal Martino desdobrou-o em vários só para poder atingir o número de dez mandamentos. Ao analisar o documento, atinei com a necessidade de propostas para os condutores de veículos, sejam eles quais forem, à luz do ecologismo, uma filosofia afinada com a nossa época. Vamos a eles:
1º - Usar o menos possível veículos individuais movidos a combustíveis não renováveis e poluentes.
2º - Defender o uso de transporte coletivo de qualidade, de ferrovias e de ciclovias.
3º - Defender o uso de combustíveis renováveis e de baixo teor poluente.
4º - Defender a construção de estradas ecologicamente corretas e a reforma das estradas agressivas ao ambiente e à vida.
5º - Zelar pela conservação de tais estradas.
6º - Caso o veículo individual motorizado seja necessário, escolher modelos baratos, econômicos e pouco poluentes.
7º - Não ferir seres vivos.
8º - Socorrer todo ser vivo ferido.
9º - Concentrar-se no ato de dirigir qualquer veículo.
10º - Dirigir com responsabilidade.
Este decálogo é norteado por uma concepção ecocêntrica de mundo, vale dizer, por uma filosofia que coloca os ecossistemas no centro de nossa vida e tira o ser humano da sua condição central, já que ele se insere também num todo maior, que são os ecossistemas e a ecosfera. Sua responsabilidade transcende o próximo humano e inclui o próximo vivo não-humano bem como o próximo não-vivo. Eu mesmo faço um mea culpa por ainda não seguir todos estes preceitos.
- Arthur Soffiati
- Arthur Soffiati