O calcanhar-de-aquiles de Campos

Em longa entrevista concedida à Folha da Manhã, a prefeita de Campos e seu secretariado trataram de muitas questões superficiais e pontuais. Apenas um aspecto me chamou a atenção: as propostas para o setor econômico, quase equivalentes a nada. Para mim, este é o ponto mais vulnerável de um município que vive das compensações oriundas da exploração do petróleo e do gás natural na plataforma continental. O que a prefeita oferece para sustentar a economia do município quando cessarem os “royalties”? As empresas atraídas pelo dinheiro barato que o Fundo de Desenvolvimento Econômico de Campos (FUNDECAM) oferece, o complexo de estaleiros em Barra do Furado e os efeitos do complexo industrial-portuário do Açu.

Este rascunho de política econômica municipal pode ser rasgado, a meu ver. Não cabe acusar Rosinha e Campos apenas por incompetência e falta de criatividade. Todos os prefeitos de Campos, desde que o município passou a receber royalties (leia-se desde o primeiro mandado de Garotinho) demonstraram profunda incapacidade no emprego desses vultosos recursos financeiros. Em outros municípios ocorre o mesmo. Duas concepções norteiam esta concepção tacanha: 1- só se promove o desenvolvimento por meio de grandes empreendimentos; 2- só estes grandes empreendimentos geram empregos.

Por esta perspectiva, os municípios beneficiários dos royalties mergulharão em profunda estagnação com o fim dos recursos, que pode ocorrer antes do fim do petróleo e do gás. Depois da emenda do deputado federal Ibsen de Oliveira, os Estados do Rio de Janeiro e do Espírito Santo e os municípios da Organização dos Municípios Produtores de Petróleo (OMPETRO) entraram em pânico. A destinação misteriosa dos royalties foi substituída pelo uso dos recursos em todas as iniciativas do governo, mediante uma propaganda ostensiva, e por manifestações em defesa das compensações.

Repito que, enquanto ativista do ecologismo, considero a economia o principal campo de investimento dos municípios. De nada adianta investimento em hospitais, postos de saúde, escolas, distribuição de dinheiro para os pobres e suntuosas obras públicas. Há muito tempo, urge montar um sistema econômico que permita a Campos e a outros municípios se sustentarem após o fim dos royalties. Contudo, não aposto em soluções megalomaníacas para substituir os recursos que a Petrobras repassa. Minha proposta é modesta mas tem longo alcance. Ela pode ser resumida nos itens abaixo:

1- Criação de um fundo municipal que recolha os royalties, separando-os das demais fontes de arrecadação municipal e gerido por um conselho municipal paritário, a fim de garantir transparência no seu emprego.

2- Estímulo à formulação de políticas públicas de Estado e de Governo instituídas por lei, norteadas pelo desenvolvimento sustentável nos seus planos ecológico, social, cultural, espacial e econômica.

3- Adoção da política pública de desenvolvimento ecologicamente sustentável por todos os órgãos governamentais do Município de Campos dos Goytacazes.

4- Promoção e priorização do desenvolvimento sustentável endógeno.

5- Apoio à agroecologia e à ecoindústria.

6- Priorização à pequena e à média unidades produtivas rural, industrial e comercial, desde que adotem a política pública de desenvolvimento sustentável.

7- Reformulação do Fundo de Desenvolvimento Econômico de Campos para o financiamento de empreendimentos na linha do desenvolvimento sustentável; pelo menos, criar uma linha de crédito neste sentido.

8- Fomento da produção de bens e serviços essenciais ao ser humano: alimentação, saúde (preventiva em primeiro lugar), educação (toda ela perpassada pela visão da ecoeducação), habitação, vestuário, trabalho, geração de energia, necessidades espirituais e de lazer.

9- Promulgação de lei municipal para disciplinar a aplicação dos royalties do petróleo de modo a construir um sistema econômico sustentável para o período pós-royalties.

10- Formulação dos zoneamentos ecológico-econômico, rural-urbano, edáfico e urbano do município, sempre em consonância com os princípios do desenvolvimento sustentável.

11- Formulação do Plano de Manejo Sustentável dos Recursos Minerais e Biológicos.

12- Existem vários conselhos municipais, embora deixem a desejar muito mais pelo desprezo e pelo desrespeito às suas deliberações do que propriamente pela ação deles em si. O Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo tem atribuições fortíssimas na administração municipal, mas corre o risco de perdê-las diante da perspectiva de criação do Conselho das Cidades. O Conselho Municipal de Cultura e o Conselho de Preservação do Patrimônio Arquitetônico Municipal demoraram muito a ser revitalizados por uma secretaria que garantiu ser mais sensível que o governo passado. Como os conselhos tocam suas vidas ignorando o que os outros fazem, é pertinente a proposta de criar o Fórum de Conselhos, de modo a promover o intercâmbio entre eles.

13- Pesquisa é outro tema desprezado pelo poder público municipal. Os prefeitos estimulam a pesquisa de forma canhestra. Ao terminar um mandato, os trabalhos produzidos desaparecem. O governo seguinte começa a trabalhar do zero. Não sem razão, meu acervo particular é mais rico que o da prefeitura. Não sem razão, sou tão procurado por pessoas que estão estudando Campos e outros municípios da região.

14- Na esfera do ambiente, contamos com a Secretaria de Meio Ambiente e Urbanismo, pifiamente estruturada. Fiquei impressionado com a política ambiental de Nova Iguaçu, município que, para os forâneos, é considerado dormitório e favelizado. Estamos muito atrasados em relação a ele. Urge a criação do Instituto Municipal de Biodiversidade e Áreas Protegidas – IMBAP, que cuidará da implantação de Unidades de Conservação, da definição de APPs, de Reservas Legais e do levantamento da biodiversidade.

15- Formular um Plano de Proteção aos Ecossistemas Vegetais Nativos com o objetivo de promover o mapeamento dos fragmentos de ecossistemas vegetais nativos, para fins de proteção, instituído por lei. Também instituir por lei o Plano de Proteção aos Ecossistemas Aquáticos Continentais de Campos – PROAGUA, assim como o Plano de Levantamento e de Proteção da Biodiversidade no território municipal.

16- Campos é pobre em unidades de conservação. O município conta apenas com as Áreas de Proteção Ambiental (APA) das Lagoas de Cima e do Lagamar, até hoje sem planos de manejo. A lagoa de Cima sofre pressão da urbanização e o Lagamar foi transformado num local de megaespetáculos. Falta-nos uma lei instituindo o Sistema Municipal de Unidades de Conservação – SMUC. Cabe lembrar a íntima relação de áreas protegidas com áreas de agropecuária.

17- O Plano Diretor de Campos, muitas vezes violado pela prefeitura, prevê a criação do Conselho de Segurança Pública e Defesa Civil. Ele se torna urgente diante do comportamento imprevisível do clima e de outros problemas.

18- Da mesma forma, o Plano Diretor determina a criação do Grupo Técnico Executivo do Plano Diretor. Por meio de correspondência à prefeita, o Conselho Municipal de Meio Ambiente e Urbanismo solicitou a criação deste grupo para assessorar o poder público. Com ele, certamente, a prefeitura cometeria menos erros, como a criação de um conjunto habitacional às margens da lagoa Maria do Pilar e o Centro de Cultura Popular Osório Peixoto.

19- Embora seja o município maior e mais rico da região, Campos expressa um desprezo solene aos demais municípios. Considera-se um soberano absoluto diante deles, nunca buscando uma integração regional democrática.

20- A OMPETRO (Organização dos Municípios Produtores de Petróleo) não existe enquanto órgão fora das reuniões. Ela só aparece como muro das lamentações para os prefeitos em momentos cruciais. Já passou a hora da OMPETRO se constituir numa organização com vida própria, como uma equipe técnica apartidária para orientar os municípios sobre a aplicação dos royalties, sobretudo no que tange à libertação quanto aos royalties e à construção de uma economia ecodesenvolvimentista.

21- Pesca: no conjunto das propostas, não poderia faltar um destaque para a pesca, tanto a praticada nos ecossistemas nativos quanto na aqüicultura.
Falou aqui uma pessoa que se tomou de amores por esta região desde 1970 e que deseja assistir à passagem de uma economia intensiva em carbono para uma de baixo carbono. De uma economia centrada em grandes empreendimentos para uma de pequenos empreendimentos, embora considerando, no momento, a inevitabilidade dos grandes empreendimentos. De uma economia com patrão para uma sem patrão. De uma economia com a omissão do poder público para uma com a participação ativa do poder público. De uma economia impactante ao trabalhador e ao ambiente para uma economia ecologicamente sustentável.



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