Entre a foz do Rio São João e a foz do Rio Una, havia uma grande e expressiva mata de restinga que encantou o naturalista alemão Maximiliano de Wied-Neuwied. Sua descrição sucinta, datada de setembro de 1815, fala melhor do que qualquer outro depoimento: “A soberba e imponente floresta primitiva, ‘mato virgem’, que se estende, quase sem interrupção, de Campos Novos ao rio S. João, numa distância de quatro léguas, e em cujos frescos e umbrosos recessos penetramos, merece mencionar-se aqui. Cedo atingimos um lugar pantanoso e pitoresco, cercado de coqueiros novos e touceiras de helicônias. Formam estes a mataria baixa, acima da qual se altanam, imponentes, frondosas e sombrias, as grandes árvores (...) A floresta prosseguiu cada vez mais exuberante, e novas e magníficas flores não regatearam trabalho ao nosso botânico. Vimos cipós entrelaçados da maneira mais singular, notadamente lindas Banisteria, na sua maioria de flores amarelas, troncos de formas curiosas e, não raro, majestosos e imponentes coqueirais, ornamentos das florestas de que nenhuma descrição consegue dar uma idéia justa.”
Três anos depois do príncipe Maximiliano, em 1818, o naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire fez o mesmo trajeto e ficou fascinado com esta floresta. Normalmente, o interesse dos viajantes europeus voltava-se para os grandes maciços florestais, como a Amazônia e a Mata Atlântica, mas Saint-Hilaire ficou impressionado com a altura das árvores desta restinga e com a sua diversidade de espécies vegetais. Em suas palavras, ele relata: “Nessa mata o terreno é arenoso; nela não se vêem dessas árvores enormes que inspiram uma espécie de respeito; mas a vegetação, sem ter a magnificência comum aos lugares de terra boa, não é, todavia, desprovida de beleza. As árvores apenas têm tamanho médio, mas são muito próximas umas das outras e extremamente variadas; numerosas palmeiras produzem freqüentemente os mais felizes contrastes; de todos os lados a Bougainvillea brasilisensis mistura seus longos cachos purpurinos à folhagem das plantas que a cercam; a Bromelia e Tillandsia de folhas rijas e uniformes cobrem, no meio dos grandes vegetais, vastos intervalos. Nesta mata não fui presa dessa espécie de temor religioso que causam ordinariamente as florestas virgens; aí gozei mais calmamente o prazer de admirar. O caminho é arenoso mas perfeitamente firme; não se vê nele nenhuma erva e assemelha-se às aléias desses jardins ingleses onde há o cuidado de, sem forçar a natureza, acrescentar algum conforto e gozo além do que concerne à vista.”
Raramente, esses naturalistas tinham sua atenção atraída para manguezais. Tanto assim que Saint-Hilaire não faz nenhum registro sobre eles ao atravessar o Rio São João, só notando a sua existência um pouco acima, no Rio das Ostras.
O autor deste artigo ainda teve a oportunidade de conhecer ao vivo esta mata de restinga, em 1959, quando não existia nem o município nem a cidade de Rio das Ostras. De fato, suas dimensões eram consideráveis. A área pertencia à Marinha do Brasil, e foi, pouco a pouco, sendo vendida para a especulação imobiliária e para a indústria de construção civil. Hoje, resta apenas uma parcela bem reduzida em comparação à mata original. Mas, ainda assim, bastante significativa. O condenável é que a Marinha usa este fragmento, incluindo o manguezal do Rio Una, como área para treinamento de tiro. Seria bastante generoso por parte desta força armada que outro local fosse escolhido para provas militares e que esta área fosse doada para ser protegida por uma unidade de conservação.
Transitando pela RJ-106, o viajante atento e com olhar educado, vê alguns exemplares de mangue branco (Laguncularia racemosa) camuflados no meio da vegetação de restinga. O curioso é que eles ocorrem em depressões secas ou úmidas que se orientam do interior em direção ao mar, sugerindo a existência pretérita de pequenos cursos d’água. Contudo, observa-se também que a referida rodovia interrompeu o provável fluxo d’água destas depressões, como é muito comum com a engenharia de estradas no Brasil. Uma investigação deveria ser feita pela linha da costa, na tentativa de detectar melhor a existência de tais córregos e a presença de espécies exclusivas de manguezal.
Rio Una
A bacia do Una era, em grande parte, formada por áreas de banhado, como explica Hildebrando Araujo Góes: “Com um curso aproximado de 30 km., atravessa os brejais de Itaí, Pau Rachado, Trimurunum, Angelim e Campos Novos até onde a maré se faz sentir. O Una, lançando-se diretamente no Oceano, cerca de seis milhas ao sul da barra do S. João, tem pequena profundidade na foz que é desabrigada. Só em marés de sizígia, é possível a entrada de canoas que navegam até Campos Novos”.
Numa das pontas da Praia Rasa, no trecho final do rio, até onde chegava a influência das marés, enraizaram-se exemplares de mangue vermelho (Rhizophora mangle), mangue preto (Avicennia schaueriana) e mangue branco (Laguncularia racemosa), além de espécies associadas ao ecossistema manguezal. A baixa energia oceânica permite, a partir da foz do Rio Una, a formação de manguezais de borda ou de franja, ou seja, manguezais que dispensam uma fonte de água doce à montante.No intuito de incorporar terras à economia agropecuária, o Departamento Nacional de Obras e Saneamento retilinizou rios formadores da bacia do Una e acarretou um descomunal processo de drenagem. Tudo indica que esta intervenção antrópica levou o rio a perder vazão e competência para enfrentar as águas calmas da Praia Rasa, explicando, assim, o desvio da foz para o sul, e indicando do mesmo modo a direção da corrente marinha predominante.
Para completar os impactos ambientais sofridos pela bacia, há fortes indícios de que as provas de tiros da Marinha estejam arrasando o manguezal. Nele, aparecem sinais de erosão, expondo as raízes de árvores, que, normalmente, deveriam estar sob o solo.