Por mais de uma vez, escrevi que os royalties contribuíram muito para ampliar a democracia no Estado do Rio de Janeiro: a democracia da corrupção. Antes, a corrupção era muito aristocrática no Brasil, sendo praticada apenas por empresários e políticos de alto escalão. Com a exploração de petróleo na bacia de Campos, as prefeituras começaram a ganhar dinheiro fácil. De primeiro, os royalties, por força de lei, só podiam ser aplicados nas áreas social e ambiental, tendo mesmo o caráter de compensação pelos impactos causados pela Petrobras nos municípios fronteiriços à plataforma continental. A segunda lei abriu o dinheiro para qualquer atividade, menos folha de pagamento, porque o empresariado também queria entrar na bolada.
Se tomarmos o caso de Campos como exemplo, os recursos são muito mal empregados. Em primeiro lugar, embora com destinação certa, ou seja, quase tudo, os recursos se misturam no orçamento municipal. Em segundo lugar, este polpudo orçamento vem sendo empregado pelos prefeitos pós - primeiro mandato de Garotinho em obras superfaturadas e quase sempre causadoras de impactos sociais e ambientais, em desapropriações suspeitas, em convênios duvidosos e em megaespetáculos.
A prefeitura tem ficado muito solta no uso destes recursos há quase vinte anos. Lembro que, no início dos anos de 1990, Ranulfo Vidigal, secretário do prefeito Garotinho, convocou uma audiência pública no Teatro de Bolso para que a sociedade opinasse no emprego do orçamento. Os ecologistas pediram 10% dos royalties para atacar a questão ambiental. Naquela época, este valor correspondia a 1% do orçamento. Depois, vieram as audiências públicas promovidas pela Câmara de Vereadores, verdadeiras farsas das quais a sociedade civil organizada decidiu não mais participar a fim de não conferir legitimidade ao emprego escuso dos recursos financeiros.
Em resumo, não se sabe exatamente onde os royalties são aplicados. Agora, que os municípios beneficiados por eles, correm o risco de perdê-los, os prefeitos e lideranças empresariais mobilizam a população com chantagens: perda de empregos, corte de verbas para a saúde, a educação, a alimentação, ao cheque cidadão e para obras. De fato, os maiores beneficiários devem estar tremendo com a perspectiva de aprovação da lei Ibsen Pinheiro em todas as instâncias.
Não acredito nas boas intenções do deputado Ibsen, da maioria que aprovou seu projeto de lei, do Senado e do presidente Lula. Em ano eleitoral, a repartição dos royalties pelos municípios brasileiros pode ser benéfica ao presidente. Ele perde votos no Estado do Rio de Janeiro, mas ganha em todo o Brasil. Para um município pobre do Nordeste, por exemplo, ganhar mil reais por mês significa muito.
Não creio que os outros Estados e Municípios da federação abdicassem dos royalties se eles fossem bem administrados. Mais dia, menos dia, chegaríamos a um Ibsen Pinheiro, ainda mais com os horizontes descortinados pelo Pré-Sal. Mas, ao menos, teríamos um argumento mais forte para brandir. Acho inúteis atos públicos e bloqueio de estradas. Não se contém uma enchente com palitos. Se nossos políticos e empresários fossem honestos, competentes e criativos, o rumo tomado teria sido outro.
No seu papel de OPEP anã, a Organização dos Municípios Produtores de Petróleo deveria deixar de ser apenas um espaço de reclamações para se transformar num órgão assessorado por um corpo técnico que orientasse as prefeituras na aplicação correta dos recursos. Este corpo técnico formularia um modelo de projeto de lei separando dinheiro dos impostos do dinheiro advindo da Petrobras. Os royalties seriam destinados a um fundo municipal acompanhado por um órgão paritário que orientaria a aplicação dos recursos e garantiria sua transparência.
A primeira dimensão atacada seria a econômica. Os municípios precisam financiar uma estrutura econômica pós-royalties e baixo carbono. O clima de pânico vivido hoje pela possível perda dos recursos é uma prévia do que vai acontecer quando o petróleo acabar. Paralelamente, os recursos seriam aplicados em saúde preventiva e curativa, na produção de alimentos saudáveis e baratos (ninguém é saudável só com açúcar e carne), na educação, na cultura, na geração de empregos socioambientalmente úteis, na habitação popular e na proteção do ambiente. Macaé tinha dinheiro para impedir a destruição do manguezal do rio que lhe dá nome. Arnaldo transformou a Área de Proteção Ambiental do Lagamar em local de espetáculos. Rosinha está aterrando a margem de uma lagoa. Tudo com dinheiro dos royalties. Se este recurso serve para concentrar renda, aumentar as desigualdades sociais e destruir o ambiente, melhor que não o tenhamos mais.