(Um crime de mestre)
Quem
gosta de cinema, mesmo sem ser cinéfilo ou especialista, conhece o
arquivilão Hannibal Lecter, que mereceu quatro filmes, três dos quais
com Anthony Hopkins no papel de Lecter. Médico psicopata, inteligente e
culto, frio e antropófago, o assassino acabou ganhando a simpatia do
público e o título de maior vilão da história do cinema.
Agora,
numa tentativa de explorar a capacidade de Hopkins em interpretar
bandidos calculistas, Gregory Hoblit dirige Um crime de mestre
(Fracture, EUA, 2007), suspense com roteiro de Daniel Pyne e Glenn Gers
baseado numa história de Daniel Pyne. Não se trata de um filme que
mereça comentários sobre seu valor estético. Não é esta a intenção do
diretor. O que ele deseja é explorar a figura de um assassino frio que
possa prender a atenção do público e fazer bilheteria. Chega até a
obter algum sucesso.
O policial Rob Nunally (Billy Burke), com
sua beleza viril e sua falta de expressão, tem como amante Jennifer
Crawford (Embeth Davidtz), que nos cumpre o favor de sair de cena logo
nos dez primeiros minutos do filme, assassinada por seu marido Ted
Crawford (Anthony Hopkins). Um típico caso de triângulo amoroso em que
o marido traído mata a mulher e busca se vingar do namorado. Nada de
original, não fosse a personalidade psicopata, calculista e lúcida de
Ted, homem que se divertia com jogos complexos de bolinhas em
labirintos. Ao mostrar este traço psicológico, pode-se já prever uma
tentativa de aproveitar a imagem de Hannibal Lecter.
Ao matar a
mulher, Ted aguarda a visita da polícia na pessoa de Nunnaly. Este não
tem maiores dificuldades em prender o criminoso e dele obter uma
confissão. Tudo armadilha. O caso vai parar nas mãos do jovem e vaidoso
promotor de justiça Ryan Gosling (Willy Beachum), que, colecionador de
sucessos, ganhou 97% dos casos e está na iminência de ocupar um cargo
importante em sua carreira. Antes, porém, aparece-lhe um último caso.
Ele é designado para conseguir a condenação aparentemente fácil de um
assassino, ainda mais que Ted se propõe a fazer sua autodefesa,
dispensando advogado. Em sua arrogância, Ryan acha graça.
No
meio do caminho, o promotor se envolve com sua chefe, mas nada que
atrapalhe o caso. A inteligência desprovida de emoções de Ted, no
entanto, prepara uma armadilha para o promotor. Não há provas materiais
contra o assassinato premeditado e confessado a um policial. Numa
atuação que lembra, de raspão, o papel de John Quincy Adams,
representado pelo mesmo Hopkins, em Amistad, de Steven Spielberg, Ted,
enquanto seu advogado, subestima a competência de Ryan, mostra-se
alheio aos depoimentos das testemunhas e fulmina com poucas palavras
todo trabalho da acusação.
Nestes momentos, Ted arranca risos de
simpatia do público, sugerindo a espera de um criminoso que consiga a
absolvição pela inteligência. Afinal de contas, ele matou por ser
traído, razão suficientemente forte numa sociedade machista, além de
humilhar a vaidade do promotor.
Mas, não sei se problema do
autor do livro ou dos roteiristas ou ainda do diretor, o papel de
Hopkins se deixa envolver pela soberba e vai perdendo força até o final
do filme, fazendo novamente crescer a empáfia do tolo promotor, que
expressa bem a imagem dos representantes do Ministério Público e do
Judiciário do Brasil.