O ocidente e a ocupação do espaço

Nenhuma sociedade ocupou o espaço tão irresponsável e violentamente como a ocidental. Fiquemos com a estimativa conservadora de que a humanidade formada pela nossa espécie – o “Homo sapiens” – conta com 120 mil anos de idade. Constataremos que 110 mil anos foram vividos por sociedades paleolíticas, que dispunham de técnicas e tecnologias rudimentares para lidar com o ambiente. Por esta razão, a natureza se afigurava a elas como demasiado presente em suas vidas e por elas era adorada como sagrada. A dependência em relação à natureza era quase absoluta, pois vivam da coleta, da pesca e da caça apenas para subsistência, já que não existia economia de mercado. Os assentamentos humanos eram provisórios em regiões pobres e se deslocavam quando os recursos se tornavam escassos. Mas, abandonado o território em busca de outro, a natureza podia se recuperar por conta própria, já que os impactos ambientais eram mínimos. Nas regiões com abundância de recursos, as sociedades podiam abandonar o nomadismo e instalar-se em caráter permanente.

Com o fim da última glaciação, há cerca de 11 mil anos, a temperatura do planeta se aqueceu natural e progressivamente e possibilitou que algumas sociedades paleolíticas domesticassem plantas e animais, inventando a agricultura e o pastoreio. Esta revolução econômica viabilizou o sedentarismo de tais sociedades, que passaram a produzir os seus alimentos. Por outro lado, a relação delas com a natureza passou a ser mais impactante, pois o agropastoreio exigiu a derrubada de florestas, a drenagem de áreas úmidas e a irrigação de terras áridas para se expandir. Mesmo assim, a natureza ainda podia absorver estes impactos, já que a economia visava, ainda, o sustento das pessoas, e não o comércio.

O peso dos assentamentos humanos aumentou com a invenção das sociedades urbanas, que provocou uma divisão territorial e social do trabalho. Até pouco tempo atrás, os historiadores consideravam as sociedades suméria e egípcia como as primeiras a desenvolverem vida urbana permanente, a partir do final do 4º milênio antes de Cristo. Pesquisas mais recentes e a queda do antigo bloco soviético permitiram localizar uma cultura urbana que existiu no vale do rio Danúbio entre 6.200 e 3.200 a. C. Mesmo o impacto das cidades, que eram bastante pequenas, não pode ser considerado tão potente, pois as sociedades que a construíram respeitavam relativamente os limites da natureza.

Estes limites passam a ser infringidos ostensivamente com a sociedade ocidental já a partir do século 11 da era cristã, na Europa ocidental. É preciso buscar as raízes mais profundas da concepção ocidental para compreender e explicar seu caráter agressivo. Cada vez mais me convenço de que a origem mais antiga desta atitude está na visão judaísta da natureza, entendida como inferior ao ser humano e colocada a sua disposição. O cristianismo e o islamismo herdaram esta concepção. Nem mesmo a nova teologia judaico-cristã-islâmica está conseguindo convencer seus adeptos a respeitarem a natureza. Nota-se claramente, entre os cristãos de diversas denominações, um acintoso desprezo pelo que eles chamam de criação.

Em segundo lugar, atribuo ao capitalismo, também fruto da concepção judaico-cristã-islâmica de mundo, a maneira agressiva de se relacionar com a natureza. Uma cosmovisão que ignora a natureza ou que acredita em sua capacidade de dominá-la e moldá-la as suas conveniências só pode assumir postura arrogante.

Vejamos o caso do Brasil e, particularmente, as catástrofes provocadas pelas chuvas de verão. Quando os europeus chegaram à América, movidos pelo desejo de obter lucros e de converter as sociedades nativas a sua fé intolerante, ainda foram obrigados a se curvar às imposições de uma natureza desconhecida e, para eles, hostil. Como mostra Sérgio Buarque de Holanda em seus livros, para vencer a barreira ambiental, os europeus recorreram às técnicas e tecnologias dos indígenas de modo a lidar com ela, mas também com o objetivo de dominá-la e vencê-la.

A partir de então, a natureza foi subjugada pouco a pouco, como se não existisse. Ambientes belíssimos, que povos nativos considerariam verdadeiros santuários, foram ocupados por empresários cobiçosos de lucro a fim oferecê-los a turistas consumidores de paisagens e de conforto. Tudo com a cumplicidade ou com o descaso das autoridades governamentais, também arrogantes. Por outro lado, as injustiças sociais criaram uma legião de pobres, igualmente alheias aos limites ambientais, empurrada para áreas de risco. A agropecuária não hesitou em avançar sobre terras íngremes e inundáveis. A indústria, por sua vez, instalou-se em locais mais apropriados para descarregar seus subprodutos indesejáveis.

Agora, com as mudanças climáticas antrópicas, o calor excessivo, as chuvas torrenciais concentradas e o frio intenso no hemisfério norte durante o inverno provocam catástrofes de grandes dimensões, com deslizamentos, enchentes, prejuízos à economia, perdas de bens materiais e mortes. Sem qualquer consciência moral, a natureza está ensinando ao mundo ocidental e ocidentalizado uma nova maneira de se relacionar com ela.

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