Estamos muito acostumados a enxergar a história como um processo
de mudança nas relações entre sociedades, entre países e até mesmo
entre pessoas. É uma novidade para os historiadores incluir a natureza
não-humana como agente de história. Natureza não-humana reúne tudo o
que não foi construído pelo ser humano, sendo este também parte da
natureza, já que é um animal vertebrado, mamífero, primata e hominídeo.
O mais modesto aluno de história aprende que o Haiti é um país
que se instalou na grande Ilha de Hispaniola. Esta ilha foi ocupada
primeiramente por povos da grande nação aruaque, instalados nela há
mais de 7 mil anos. Cristovão Colombo a visitou em dezembro de 1492,
proclamando-se descobridor da América, pois só brancos europeus e
católicos podiam descobrir algum novo território. Segundo relato dele,
os nativos viviam na ilha como num paraíso, em plena harmonia com a
natureza. Um ecohistoriador não faria afirmação tão categórica. Para
ele, as relações dos humanos com a natureza não-humana era pautada pelo
equilíbrio, já que não existia uma economia de mercado para transformar
recursos em mercadorias visando o lucro.
A concepção comercial foi introduzida pelos europeus, que
escravizaram os nativos e provocaram um verdadeiro genocídio na ilha,
já no primeiro século de ocupação e dominação. As doenças trazidas da
Europa eram desconhecidas dos nativos, que morriam com facilidade ao
contraí-las. Houve também guerras exterminadoras que reduziram a
população original a poucos habitantes, que foram submetidos a um cruel
processo de aculturação.
O nativo, transformado em trabalhador inserido numa economia de
produção para o mercado, acabou sendo substituído pelo trabalhador
africano na condição de escravo em situação não menos cruel que a
imposta aos idígenas.
Por razões políticas europeias, a ilha de Hispaniola foi
dividada entre fraceses e espanhóis, em 1697. Um terço da ilha, na
parte ocidental, ficou com a França e se transformou numa próspera
colônia chamada Haiti. Ela produzia açucar, cacau e café pelos escravos
para os franceses e para uma economia de mercado. A bela cidade de
Porto Príncipe foi construída na extremidade oeste da ilha como capital
da colônia francesa.
Os historiadores excessivamente politizados, como os marxistas
ortodoxos, por exemplo, têm grande admiração pelo Haiti. Nessa antiga
colônia, os escravos organizaram um movimento de emancipação política
que levou o Haiti a ser o segundo país independente da América, logo
depois das Treze Colônias inglesas na América do Norte, núcleo original
dos Estados Unidos. Em 1794, organizou-se uma rebelião de escravos que
aboliu a escravidão. A França reprimiu o movimento. Toussaint
Louverture proclamou a independência do país em 1801 mas foi deposto
pelos franceses. Finalmente, em 1804, Jacques Dessalines obteve a
idependência do país e, ironicamente, proclamou-se imperador.
O processo de independência foi facilitado por Napoleão, cujos
interesses se voltavam para a formação de um grande império francês na
Europa. De certa forma, as poucas colônias da França na América ficaram
em segundo plano, facilitando as emancipações políticas. Tanto é assim
que o medo de levantes de escravos levou os europeus e os Estados
Unidos a montar um bloqueio comercial contra o Haiti por 60 anos. Para
derrubá-lo, o presidente haitiano Jean Pierre Boyer teve de pagar à
França uma indenização de 150 milhões de francos, reduzida depois a 90
milhões.
O Haiti começou a mergulhar na pobreza e na dependência, mas
manteve toda a ilha de Hispaniola sob seu controle. Em 1822, a Espanha
reocupou a parte oriental, mas Boyer a reconquistou. Só em 1844, a
população espanhola proclamou a República Dominicana. A tumultuada vida
política do Haiti levou os Estados Unidos a ocuparem o país entre 1915
e 1934, pretextando proteger os interesses norte-americanos.
Daí em diante, sucederam-se vários governos ditatorias de
negros. O mais longo foi exercido pelo médico negro François Duvalier
entre 1957 e 1971, com o apoio dos Estados Unidos. Com sua morte,
sucedeu-lhe seu filho, conhecido como Bay Doc, até 1986, quando foi
obrigado a fugir para a Fraça diante de protestos populares. Em eleição
livre, promovida em 1990, saiu vencedor Jean-Bertrand Aristide, ligado
à teologia da libertação. Um ano depois, ele caiu diante de um golpe de
Estado.
Seu substituto, Bonifácio Alexandre, requisitou a proteção da
Organização das Nações Unidas para ajudar a democratização do país. As
tropas da ONU estão lá, chefiadas pelo Brasil. A situação parecia sob
controle. Em toda a história do Haiti, não se falou que a economia
destruiu os rios e as florestas, agravando mais ainda a pobreza. Nenhum
historiador se importou com o fato de Porto Prícipe localizar-se à
beira do ponto de encontro entre as placas tecnônicas do Caribe e da
América Central, transformando o país numa descomunal área de risco.
Antes, a história considereva fenômemenos naturais desta ordem como extra-históricos. Os ecohistoriadores estão a transportá-los para a dimensão história geral.