Sol frio

Sol frio

(Sunshine - Alerta Solar)

Ficção científica é ficção científica, ou seja, liberdade para ousar. Mas nem tanto. Por mais ousado que seja um livro, uma história em quadrinhos ou um filme do gênero, é preciso estar minimamente afinado com o conhecimento científico da época. O modelo do filme de ficção, a meu ver, é 2001 – Uma Odisséia no Espaço, de Stanley Kubrick, produzido num tempo em que não havia tanta tecnologia como a aplicada em tantos filmes de hoje e em Sunshine, pela Moving Picture Company/Snow Business International. No entanto, 2001 é um filme ainda não superado porque não basta tecnologia para criar uma obra prima.

Com Sunshine – Alerta Solar (Sunshine, Inglaterra, 2007), o diretor Danny Boyle e o roteirista Alex Garland cometem um erro crasso que compromete o filme todo. É um erro de fundo, uma premissa falsa. Assim como os seres vivos, o Sol, a exemplo de muitas estrelas, tem uma história de vida. Nasceu mais frio do que atualmente e foi se aquecendo. Seu futuro é esquentar mais, a ponto de se tornar uma gigante vermelha. Nesta fase, ele evaporará toda água da Terra. Quando este momento chegar, a humanidade, se não tiver migrado para outro planeta, estará extinta. Os últimos organismos a deixarem a nave serão os primeiros que entraram nela: as bactérias. O sol continuará a se expandir até engolir Mercúrio, Vênus, Terra e Marte, pelo menos. Depois, encolherá e se transformará numa anã branca. Por fim, vai virar uma anã negra a vagar pelo espaço.

Uma história cujo centro é o envio de duas naves em direção ao Sol para reaquecê-lo com uma grande explosão nuclear por fissão é uma ficção tão inverossímil quanto aqueles filmes em que humanos convivem com dinossauros no passado. Ele só se sustentaria se a viagem fosse realizada no início da história da estrela, para aumentar a sua temperatura. Mas então ainda não existiria vida para tal aventura. Também se sustentaria se a expedição espacial se destinasse a esfriar o sol ou buscar um outro lar para a vida na Terra. Neste momento, seria bem mais interessante uma aventura para atenuar o aquecimento global, com a instalação de grandes refletores da luz solar no espaço contíguo ao nosso planeta e bombas de sucção de gases-estufa.

Todavia, não nos cabe apontar caminhos para um cineasta, e sim comentar o que ele fez. Além do anacronismo, Sunshine se emaranha na sua narrativa gongórica, e diz, em muito tempo, o que poderia ser enunciado mais brevemente. A história é linear e, em síntese, pode ser lida da seguinte forma: diante do esfriamento do sol, a vida fatalmente desaparecerá na Terra. Para impedir que isto aconteça, uma expedição é enviada à estrela para reaquecê-la com uma explosão nuclear. Como a missão falha, uma outra nave — a Ícaro II — faz nova tentativa. O nome das espaçonaves já carrega um sentido negativo, pois sabe-se que o personagem mitológico Ícaro perdeu as asas de cera por se aproximar muito do Sol.

A tripulação da segunda nave reflete a emergência do Extremo Oriente, pois, dentre oito tripulantes, três são orientais; um, inclusive, é o comandante da nave. Nos tempos da Guerra Fria, provavelmente a mensagem de paz e cooperação colocasse dentro dela norte-americanos e soviéticos. No fim, há um aspecto confuso. O comandante da primeira nave, que é localizada, ainda vive de forma estranha, transfigurado num pregador e vingador de Deus. Fosse uma alusão ao risco que correm astronautas de se tornarem visionários religiosos, tudo bem. Contudo, a alusão, e mais provavelmente plágio, remete-nos a Alien, que tanto sucesso fez entre 1979 e 1997 pelas mãos de Ridley Scott, James Cameron, David Fincher e Jean-Pierre Jaunet. Depois, o monstro continuou a ser copiado à exaustão e, a julgar por Sunshine, parece que seu ciclo não terminou. Mas não confie nos críticos, leitor. Vá vê-lo. Pode ser que você goste.

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