Animais, medo e dor

Certa vez em Piúma, Espírito Santo, visitando uma família amiga, deparei com um homem que puxava um gambá pela rua com um laço no pescoço. Adiantei-me para tomar alguma providência, mas, de súbito, ele rodou a corda 180º, com o gambá na outra ponta, e bateu o corpo do animal com força no chão. Quando cheguei perto, o gambá já estava morto. Indispus-me com o indivíduo, dando a entender que era autoridade policial. Com certo medo e espanto, creio eu, ele explicou aflito que se tratava apenas de um gambá capturado em seu quintal e que ele iria comê-lo. Foi inútil explicar que seu gesto era criminoso e cruel. Como ele conseguiria entender que um gambá tem direitos e merece respeito? Meu coração doía, pois pude ver medo nos olhos do animal e imagino que sua morte tenha sido dolorida.

Recentemente, a opinião pública ficou chocada com a morte criminosa do menino João Hélio, arrastado pelas ruas por um automóvel roubado por ladrões. Muitas crianças, adolescentes e adultos têm morrido de forma violenta, mas a de João Hélio chocou as pessoas, por imaginarem como foi o seu medo e o seu sofrimento enquanto não morria. Talvez tenha morrido logo, mas não sem medo e dor.

Nossa cultura antropocêntrica nos leva à atitude arrogante de pensar, como René Descartes, filósofo francês do século 17, para quem os animais não passavam de máquinas irracionais e insensíveis. Apenas o ser humano, único animal racional, sofre. Nem mesmo Francis Bacon, outro construtor da revolução científica ao lado de Descartes, viu nos animais seres insensíveis em relação aos quais a crueldade deixava de ser cruel. Incitando os estudiosos da natureza ao máximo conhecimento, ele estaca: "No caso dos animais superiores [mamíferos, observação minha], seria crueldade abrir continuamente o ventre da mãe, para extrair o feto do útero; a não ser em casos de aborto ocasional, caça e situações semelhantes." (Novum Organum, Livro II).

Jeremy Benthan, um filósofo conservador de fins do século 18 e princípios do século 19, destoando do pensamento vigente em sua época, observou: "Que outro fator poderia demarcar a linha divisória que distingue os homens de outros animais? Seria a faculdade de raciocinar, ou talvez a de falar? Todavia, um cavalo ou um cão adulto é incomparavelmente mais racional e mais social e educado que um bebê de um dia, ou de uma semana, ou mesmo de um mês. Entretanto, suponhamos que o caso fosse outro: mesmo nesta hipótese, que se demonstraria com isso? O problema não consiste em saber se os animais podem raciocinar; tampouco interessa se falam ou não; o verdadeiro problema é este: podem eles sofrer? (Uma Introdução aos Princípios da Moral e da Legislação).

Hoje, com os avanços da etologia, ciência que estuda o comportamento animal, principalmente em seu meio nativo, não sabemos mais qual a linha divisória que separa humano de animais com ou sem vértebras, ovíparos, vivíparos e ovovivíparos. Sabemos que não nos libertamos dos instintos, do medo e da dor. É quase certo que todo ser vivo aprende, mesmo que não seja animal. É certo que os animais têm inteligência em graus distintos e que são capazes de resolver problemas. Pode ser que se comuniquem por algum tipo de linguagem. Nossa inteligência, raciocínio, capacidade de aprender, de pensar e de criar são emergências do nosso cérebro hipercomplexo.

Mas, em última (ou primeira) instância, temos a mesma base dos animais invertebrados e vertebrados. Somos neuronais como eles. Temos medo e sofremos. Se, em vez do gambá e de João Hélio, o grande filósofo alemão Jürgen Habermas fosse arrastado até a morte, certamente ele teria algum tempo para refletir sobre sua situação e repudiar a barbárie de nossos dias. Imediatamente a seguir, sua cultura e pensamento seriam abafados pelo medo e pela dor e ele se igualaria ao gambá e ao menino. Mas quase ninguém se sensibiliza com o sofrimento dos animais.

Parto do básico para defender o direito de todos os animais — humanos e não-humanos — de sentirem o mínimo de medo e de dor, já que não conseguimos passar pela vida sem eles.

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