Eu, um verme

Desde 1977, quando passei a atuar publicamente em defesa do ambiente, sinto que estou me afastando da humanidade. Não da humanidade em geral, mas da humanidade que foi contaminada pela civilização ocidental cristã na sua fase capitalista e que agora atingiu o mundo todo. Naqueles remotos tempos, escrevi o poema "SE", publicado no livro Depois do Princípio e Antes do Fim (1992), que já revelava este abandono:

Se, por um mistério indecifrável e desafiador, nasci
humano, quando poderia ter assumido a forma de uma das
dez milhões de espécies vegetais e animais que estamos implacavelmente exterminando,
por que então orgulhar-me de ser Homo Sapiens?

Se a maioria dos seres vivos, por um acaso inexplicável,
ou é fêmea ou é macho, por que orgulhar-me da minha
condição de homem, quando poderia ter nascido mulher?

Se os seres humanos se dividem, independentemente
de sua vontade, em várias etnias, por que orgulhar-me de
minha pele branca, quando ela poderia ser negra ou amarela?

Se, a despeito das mais sofisticadas explicações científicas,
não se consegue demonstrar a diversidade das culturas
humanas nem a razão pela qual meu ser não habita o corpo
de um esquimó, de um sumério, de um hopi ou de um jaina,
por que então orgulhar-me de ser brasileiro?"

 

Este afastamento não era consciente, a princípio. Agora é. Principalmente depois que li A Criação: como salvar a vida na Terra, do biólogo Edward O. Wilson, um dos maiores especialistas mundiais em biodiversidade. Embora ateu, Wilson, já com idade avançada, está empenhado numa cruzada para conseguir o apoio das denominações religiosas do judaísmo, do cristianismo e do islamismo para a proteção da vida no planeta. No meu entender, ele está perdendo tempo. Judaístas, cristãos, muçulmanos, liberais, marxistas, anarquistas, esquerda e direita, não conseguiram, nestes trinta anos de crise ambiental mais aguda, perceber a gravidade dela. Não digo todos, pois sempre há exceção, mas a maioria continua vivendo a sua vidinha individual ou social alheia ao mundo, preocupando-se, no máximo, com as questões econômicas, políticas, sociais e culturais. Apesar da grande massa de informações veiculadas pelos meios de comunicação, as pessoas não acreditam como deviam no aquecimento global, na destruição das florestas, na perda de vitalidade dos oceanos, no empobrecimento da biodiversidade e em tantos outros problemas mais. Se acreditam, não se importam com tais temas.

A grande burguesia globalizada continua, cada vez mais aceleradamente, buscando seus lucros com sofreguidão. Há empresários ou defensores deles que tentam me convencer da possibilidade de um desenvolvimento sustentável, conciliando desenvolvimento clássico com proteção da natureza. Discurso, mero discurso. A pequena burguesia nada faz além de buscar seus interesses mesquinhos e imediatistas. A classe média — e aqui, incluo os intelectuais — está neste mundo a passeio. Os pobres e miseráveis estão sendo empurrados para a margem aceleradamente. No entanto, aprenderam os valores dos dominantes. Buscam sobreviver a duras penas ou a ambicionar os bens das classes acima deles. Nada de projeto novo para um mundo novo.

E os políticos, o que pensar dos políticos? É possível acreditar no G-8? É possível acreditar na China? É possível acreditar no Brasil? Lula, Dilma Roussef, José Genoíno, José Dirceu, todos estes que lutaram por um mundo melhor, a seqüência dos prefeitos renovadores que assumiram o governo em Campos após Garotinho, só fizeram minar minha confiança.

Bom, pessoal. Estou escrevendo apenas uma carta de adeus. Não adeus ao mundo. Não pretendo me matar. Que ninguém busque meu apoio nestas eleições municipais. Nem direita nem esquerda. Tenho sido vítima desses candidatos oportunistas que só me procuram em ano eleitoral, oferecendo-se como porta-vozes da causa ecologista e tentando explorar minha história de coerência. De antemão, declaro que anularei meu voto. Hoje, identifico-me mais com os vermes, com os urubus, com as plantas, com os fungos, com os invertebrados. Não posso ser um verme porque nasci humano. Contudo, a partir de agora, sou um humano ao lado da biodiversidade, defendendo-a de todos vocês. Pelo menos, estarei em boa companhia.

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