A vaca volta pro brejo

As chuvas do verão de 2006/2007 foram das mais intensas desde que a Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro começou a medição da precipitação pluviométrica no norte fluminense. Segundo os dados fornecidos por ela, o mais chuvoso janeiro, desde então, ocorreu em 2007. Em vários artigos publicados na Folha da Manhã, especulei que, possivelmente, poderíamos estar colhendo frutos amargos do aquecimento global. Nenhum especialista na área e nenhum ruralista fizeram qualquer contestação ou endosso público a esta suposição. Por mais cauteloso que fosse em minhas palavras, circulou, de ouvido em ouvido, que sou ecochato e precipitado. Numa terra de covardes como a nossa, os comentários só são feitos na surdina. 

Com a planície embaixo d'água, os ruralistas mergulharam numa choradeira inaudita e foram suplicar ao poder público que os salvasse. Agora, que Campos e Quissamã, pelo menos, contam com muitos recursos dos royalties do petróleo, é o poder executivo que deve livrar a iniciativa privada de seus problemas. Antes, era o poder político que dependia do poder econômico. Assim, logo apareceu dinheiro de Campos, Quissamã, São João da Barra e São Francisco de Itabapoana, os quatro municípios mais afetados pelas chuvas, para limpar canais a fim de que eles permitissem a drenagem da água parada.

Não contentes, os ruralistas navegaram em direção ao governo do Estado do Rio de Janeiro e conseguiram que a Superintendência Estadual de Rios e Lagoas (SERLA) criasse o abominável Grupo de Ação Integrada (GAI) mediante convênio com os quatro municípios, reunindo representantes dela própria, dos municípios afetados, dos ruralistas e usineiros, dos ceramistas e uma representação farsesca de pescadores. Tudo passando por fora do grupo de trabalho que estava empenhado em fundar o Comitê da Região Hidrográfica IX. Não hesito em afirmar que este ato unilateral e autoritário contribuiu para que o movimento pró-comitê esmorecesse. Não bastasse esta ajuda, também o governo federal entrou repassando dinheiro para combater as águas excedentes. Sempre ao pé do ouvido, fui informado que muitos desses recursos não chegaram ao destino, mas que os interessados não podiam trazer a público as inverdades propaladas pelos poderes executivos.

Uma longa e intensa estiagem sucedeu à cheia. Mas SERLA, governos municipais e ruralistas continuaram engajados na limpeza de canais, temendo novamente chuvas copiosas no atual verão. Mesmo desacreditando dos efeitos do aquecimento global, eles não queriam correr riscos. Os canais foram limpos e redragados de forma ecologicamente incorreta. A queda de oxigênio dissolvido de suas águas provocou mortandade de peixes e afetou a economia pesqueira.

Choveu bem nos meses de janeiro e fevereiro deste ano, mas não tanto como no mesmo período do ano passado. No entanto, abro os jornais e leio declarações de representantes governamentais, de ruralistas e, principalmente, de ceramistas cheias de lamúrias pelos prejuízos que as cheias causaram. Pode não ter havido limpeza de toda a extensa rede de canais construída pelo Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), mas, a julgar pelas notícias veiculadas nos meios de comunicação social, tal limpeza teria sido o suficiente para evitar que toda a baixada ficasse novamente submersa.

Os ceramistas afirmam que as chuvas deste ano provocaram mais estragos que as de 2007. A questão me parece outra: além de usarem recursos públicos para efetuar limpeza e redragagem de forma primária, não há manutenção dos serviços. Assim, rapidamente, as plantas que dificultam o fluxo das águas voltam a crescer, notadamente o aguapé e a canavieira. O aguapé é um excelente indicador de poluição orgânica. Será que os canais estão mesmo carreando esgoto e vinhoto, como vêm denunciando os pescadores?

Em caso afirmativo, de nada valerá qualquer esforço em limpar os canais. Sem despoluição e manutenção, é dinheiro jogado fora. Os governos municipais, estadual e federal jogaram dinheiro fora em 2007 para atender a uma classe social cujos interesses particulares passam por interesses gerais. Tudo precisa ser revisto. Primeiro, a criação do Comitê da Região Hidrográfica IX. Depois, a metodologia de limpeza e redragagem dos canais. Por fim, a manutenção deles, que pode gerar empregos de pessoas, para cortar a vegetação com ferramentas menos agressivas ao ambiente e à pesca.

Falta apenas resposta a uma pergunta que formulei ano passado: na ponta do lápis, o dinheiro gasto para limpar canais excedeu o dinheiro obtido com a cana, com o açúcar e com a indústria cerâmica? O será que o povo está sustentando três economias parasitárias?

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